Cientistas brasileiros foram vítimas de mais um caso de plágio divulgado recentemente. Um estudo publicado em 2006 por pesquisadores das universidades federais de São Paulo (Unifesp) e do Rio de Janeiro (UFRJ) foi retomado quatro anos depois praticamente na íntegra por cientistas espanhóis. Identificado pelo grupo brasileiro, o artigo foi invalidado pelo grupo responsável pelo plágio.
O trabalho original do grupo brasileiro foi publicado no Journal of Clinical Microbiology. Tratava-se de um estudo epidemiológico sobre a incidência da candidemia em onze hospitais públicos de nove cidades brasileiras. Causada pela infecção do sangue por fungos do gênero Candida, essa é uma doença comum em hospitais, especialmente em pacientes internados por muito tempo. O artigo espanhol, por sua vez, investigou a ocorrência dessa infecção na Espanha. Foi publicado em 2010 na mesma revista.
Não houve plágio de resultados: o grupo espanhol, liderado por Ramón Cisterna, do Hospital Basurto, de Bilbao, de fato colheu dados sobre candidemia em 40 hospitais daquele país. Na hora de redigir o artigo, contudo, eles preferiram se inspirar no trabalho brasileiro. A estrutura dos dois artigos é idêntica. Na introdução, na descrição dos métodos, na apresentação e na discussão dos resultados e nas referências bibliográficas, há extensas passagens retomadas praticamente na íntegra. Até os agradecimentos têm similaridades na forma como são apresentados.
A semelhança começa já na primeira frase do resumo de ambos os artigos, retomada ipsis litteris pelos espanhóis. A identidade segue ao longo de todo o texto. Em algumas passagens, há modificações pontuais e quase imperceptíveis. Na seção de resultados, por exemplo, onde se lia no artigo brasileiro “Incidência e demografia”, os espanhóis acharam por bem inverter para “Demografia e incidência”.
“Trata-se de um plágio grosseiro”, disse numa entrevista telefônica o infectologista Marcio Nucci, professor da UFRJ e coautor do trabalho. “Parece até uma coisa primária, de gente que não tem nem ideia de como essas questões são regidas do ponto de vista ético.”
A fraude foi descoberta por uma aluna de pós-graduação do também infectologista Arnaldo Colombo, professor da Unifesp e primeiro autor do artigo. “O plágio foi tão escandaloso que ela não teve dificuldade para perceber que os dois artigos eram muito iguais”, contou Nucci. Colombo levou o caso aos responsáveis pela publicação da revista. Os editores levaram alguns meses para apurar o caso e desqualificar o artigo.
Em março, a editora publicou uma nota do grupo espanhol, na qual eles pedem a retratação do artigo. O texto soa no mínimo irônico e dá a entender que o plágio foi uma questão de mera desatenção dos autores. “Depois de publicado o artigo, demo-nos conta de que a maior parte do texto havia sido plagiada quase verbatim do [artigo da equipe de Colombo]”, diz a nota. “Os autores expressam sinceras e profundas desculpas ao professor Colombo e a sua equipe, à comunidade de microbiologia clínica e aos leitores do por essa situação constrangedora.”
A nota conclui afirmando que quatro dos coautores do estudo espanhol não deveriam ter constado da lista de autores, por ter dado contribuições isoladas e por não terem se envolvido com a redação do artigo. Dificilmente o crédito a esses pesquisadores teria sido retirado se o caso não tivesse vindo à tona.
O caso foi trazido a público no fim de agosto pelo Retraction Watch, blog que acompanha de perto os casos de estudos invalidados pelos periódicos. Esse observatório do mercado da publicação científica foi também o responsável por divulgar a maior acusação de fraude já feita a cientistas brasileiros – no fim de abril, pesquisadores da UFMT e da Unicamp foram acusados de forjar os resultados de 11 estudos. O caso foi relatado numa reportagem da piauí de setembro, que ouviu os pesquisadores acusados e discutiu com especialistas em ética na ciência o aumento do número de casos de fraude que têm vindo à tona. A reportagem está disponível on-line para assinantes da revista.
Arte: Narciso contempla seu reflexo na água em tela pintada no final do século 16 pelo italiano Caravaggio (1571-1610).