A desigualdade racial no Brasil também está presente no serviço público. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) diagnosticou que a parcela de servidores negros que ingressam no Executivo federal mais que dobrou nas últimas duas décadas, de 16,8% em 2000 para 43,5% em 2020. Mas essa representatividade decresce à medida que a hierarquia e, consequentemente, os salários, sobem. E não condiz com o que se verifica na população em geral, onde os negros (pretos e pardos) são maioria: 54% dos brasileiros, segundo dados do IBGE referentes ao primeiro trimestre deste ano. Quando a variável gênero entra na equação, a disparidade se agrava. Em 2019, as mulheres representavam 52% da população brasileira e, entre elas, 55,4% eram negras. Ainda assim, esse é o grupo menos representado nos cargos públicos mais altos: no nível mais elevado de cargos comissionados, por exemplo, há 50 homens brancos para cada mulher negra. Veja no =igualdades.
Em 2000, os negros representavam 16,8% dos novos funcionários públicos, ante 76,5% de brancos e 6,7% de “outros/não informado”. Em 2019, 38,1% dos novos servidores eram negros, 56,8% brancos e 5,1% se encaixavam na categoria “outros/não informado”. As primeiras políticas de ação afirmativa entraram em vigor no país no início dos anos 2000 e já eram mais de 40 em estados e municípios em 2012. Dois anos depois, o governo federal passou a destinar 20% das vagas em concursos públicos para candidatos negros, mas não há, segundo o Ipea, uma avaliação mais profunda sobre os resultados alcançados.
Entre as pessoas negras atualmente ocupadas no setor público, a maioria (55,3%) está no nível municipal. Outros 30,1% atuam no nível estadual, e a menor parcela, de 14,6%, está vinculada ao nível federal, onde o salário é maior. A proporção é ainda menor entre mulheres negras: apenas 7% atuam no nível federal. A efeito de comparação, entre os homens brancos ocupados no serviço público, um a cada quatro servidores (25%) atua no nível federal. A diferença salarial entre os cargos é significativa: enquanto 60% dos vínculos no município têm remuneração de até R$ 2,5 mil, esta é a realidade de apenas 14,4% dos cargos ativos no executivo federal.
Os cargos que exigem nível superior geralmente são os de remuneração mais alta. A divisão racial desse tipo de vínculo comprova que, embora a participação geral dos negros tenha crescido nos últimos anos, ela tende a ocorrer em cargos do escalão mais baixo. Em 2020, 65,1% dos cargos de ensino superior no Executivo federal pertenciam a brancos, enquanto apenas 27,3% eram ocupados por negros.
Servidores negros recebem menos que os brancos de mesma qualificação, e, não bastasse, essa diferença aumenta conforme a escolaridade. A remuneração média de servidores negros com ensino básico corresponde a 87% da renda média dos brancos. Negros com ensino médio completo ganham 85% do salário pago a servidores brancos. No ensino superior, o salário médio de servidores negros é 78% daquele pago a brancos. O estudo do Ipea atribui essa diferença à própria desigualdade na ocupação dos cargos, já que a sub-representação dos negros é maior à medida que a hierarquia sobe. A ocupação é desigual tanto nos cargos que exigem ensino superior quanto nos cargos comissionados e nas carreiras de maior destaque.
A composição racial dos cargos de nível superior no Executivo federal obedece a uma lógica comum na sociedade: homens brancos no topo, seguidos por mulheres brancas, homens negros e, por último, mulheres negras. Os homens brancos representam 36,3% desses vínculos, e as mulheres brancas, 28,8%, totalizando 65,1%. Já os homens negros são 15,6%, e as mulheres negras, 11,7%, totalizando 27,3% dos cargos.
O estudo do Ipea considera que cargos comissionados, por serem de escolha livre, representam melhor as preferências dos decisores sobre o perfil dos nomeados do que aqueles em que a seleção se dá por concurso. Tais postos vão do nível 1 ao 6, crescentes em responsabilidade e remuneração, e o mais alto escalão do governo federal está nos dois últimos. Até o terceiro, a participação de negros se dá em proporção equivalente ou maior que a dos negros em cargos de nível superior (27,3%); acima disso, a representatividade negra vai diminuindo. No nível 6, no topo da escala, homens brancos são 65% dos funcionários, enquanto mulheres negras são apenas 1,3%.
Quando a análise foca em algumas carreiras específicas, com maior remuneração inicial e maior número de servidores, a predominância é masculina. O maior percentual de homens está nos cargos de delegado/a da Polícia Federal (84,5%), e o menor, no de professor/a do magistério superior (54,9%). As desigualdades raciais, porém, persistem: homens brancos são 61,6% dos delegados da PF e 57,2% dos auditores da receita federal. Já os homens negros são apenas 17,1% e 11,6%, respectivamente.