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    Ilustração: Carvall

questões de segurança pública

Homicídios em série no coração da floresta

Amazonas de Bruno e Dom puxa alta de assassinatos, em queda no país; Brasil tem o maior número de homicídios em todo o mundo

Luigi Mazza | 28 jun 2022_10h00
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Localizada no extremo oeste do Amazonas, na fronteira com a Colômbia, a cidade de Japurá não costuma aparecer no noticiário. Mas, quando aparece, é quase sempre pelas mesmas razões: homicídios, apreensão de drogas e garimpo. Recentemente, no começo de abril, o jornal amazonense A Crítica noticiou que dois corpos foram encontrados esquartejados no município, enterrados numa cova rasa. Em novembro, três homens morreram a tiros num garimpo ilegal instalado no rio Japurá, que dá nome à cidade. 

O rio nasce na Colômbia, onde é chamado Caquetá, atravessa a fronteira, corta o município de Japurá ao meio e deságua no rio Amazonas. Nos últimos anos, com o avanço das facções criminosas sobre a floresta, essa região se tornou estratégica para os traficantes que trazem drogas do lado colombiano. Com eles, veio a violência. Japurá – cidade outrora pacata, onde se estima que vivam não mais do que 14 mil pessoas – se tornou símbolo do avanço do crime organizado sobre pequenas cidades do interior da Amazônia. Na outra margem do Amazonas, no Vale do Javari, também no extremo oeste do estado, foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Philips.

A interiorização da violência vem puxando para cima os índices de homicídio na região. Em 2021, o Amazonas foi o estado brasileiro onde o número de mortes violentas mais cresceu: foram 1,7 mil, ao todo, 600 a mais do que em 2020, o que significa um aumento de 49%. Por mortes violentas entende-se os crimes de homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, latrocínio e morte causada pela polícia. O Amazonas, com isso, foi na contramão do Brasil. Em todo o país, as mortes violentas caíram 6,5%, segundo dados inéditos do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados nesta terça-feira (28).

A publicação revelou que, das trinta cidades com maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes entre 2019 e 2021, dez ficam na Amazônia Legal. Dessas dez, boa parte são pequenas cidades rurais como Japurá (o levantamento aponta que Japurá tem a 12ª maior taxa de mortes violentas do país, mas o dado pode estar superestimado. O Anuário usou dados do IBGE, que estima em 1,8 mil pessoas a população da cidade. Uma decisão da Justiça, porém, calculou que esse número pode ser até oito vezes maior.)

Em 2020, o Amazonas ficou em 18º lugar no ranking dos estados mais violentos. Em 2021, com uma taxa de 39 mortes violentas por 100 mil habitantes – cinco vezes a de São Paulo –, saltou para a terceira posição. Só ficou atrás de Amapá (54 mortes violentas por 100 mil habitantes) e Bahia (45 mortes por 100 mil).

Região do Vale do Javari, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram mortos – Foto: Lalo de Almeida/Folhapress

 

As mortes violentas estão em queda no Brasil há quatro anos. Depois de atingir um pico histórico de 31 homicídios por 100 mil habitantes em 2017, o país viu essa taxa cair ligeiramente ano após ano (2020 foi uma exceção à regra, com um pequeno aumento no número de assassinatos, mas isso não alterou a tendência). No ano passado, finalmente, foram registradas 22 mortes violentas por 100 mil habitantes, menor patamar da década.

As razões por trás dessa mudança ainda não são totalmente claras. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, responsável por produzir o Anuário, trabalha com algumas hipóteses. Uma delas é a das mudanças demográficas. Nos últimos vinte anos, houve uma diminuição proporcional da quantidade de jovens de 10 a 19 anos na pirâmide etária brasileira; como eles são o grupo mais vulnerável às mortes violentas, essa diminuição estaria abrindo menos margem a esse tipo de crime. Ou seja: menos jovens, menos assassinatos.

Outra possível explicação é a mudança na configuração do crime organizado. A disputa de território entre as grandes facções criminosas, que até 2017 viveu uma escalada, atravessa um momento de relativa estabilidade desde 2018. Novamente, como aponta o Anuário, a exceção notável é o Amazonas. Embora o Comando Vermelho tenha conquistado nos últimos anos hegemonia sobre a região Norte, ainda há no Amazonas uma presença significativa da facção Família do Norte, o que acaba acarretando confrontos e mortes. Mas a tendência geral é de arrefecimento dos conflitos. Isso, somado a iniciativas bem-sucedidas de policiamento preventivo em alguns estados, pode ter colaborado para a redução da violência.

O número de mortes violentas no Brasil, porém, ainda é característico de um país em guerra. Foram 47,5 mil assassinatos em 2021 – uma média de 130 por dia, 5 por hora. É difícil encontrar paralelo no mundo. De um total de 102 países que já consolidaram suas estatísticas de violência de 2020, nenhum registrou tantos homicídios quanto o Brasil. Nem mesmo a Índia, que tem seis vezes a população brasileira, ou os Estados Unidos, que têm 115 milhões de habitantes a mais. O Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas contabilizou, até agora, 232,7 mil homicídios ocorridos no mundo em 2020. Um quinto deles aconteceu no Brasil.

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Versão anterior deste texto informava que, dos trinta municípios com maior taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes, treze ficam na Amazônia. A informação correta, porém, é que dez dos municípios ficam na região. O erro foi corrigido no Anuário Brasileiro de Segurança Pública no dia 29/06 e, em seguida, a reportagem foi atualizada.

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