Quando o Brasil deu o pontapé na Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19, em 18 de janeiro de 2021, a costureira Rosa Moreira só tinha tomado uma vacina na vida, e nem sabe contra qual doença. Tomou por obrigação, para fazer uma cirurgia. Mais de cem dias depois, a costureira cearense se tornou um dos 19 milhões de brasileiros com mais de 65 anos imunizados com duas doses de vacina contra a Covid. O Brasil começou a imunização um mês e quatro dias depois que os Estados Unidos, um dos primeiros países a vacinar, iniciaram sua campanha, em 14 de dezembro de 2020. Hoje, 91% dos brasileiros com mais de 65 anos já receberam duas doses do imunizante; dos 54 milhões de americanos na mesma faixa etária, 81%, ou 44 milhões de pessoas, completaram a imunização. Os dados são do painel de vacinação da Covid-19 do Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. O resultado brasileiro é considerado positivo pelos especialistas, principalmente depois das recorrentes recusas do governo federal em buscar imunizantes e do crescente movimento antivacina no Brasil. Nos Estados Unidos, o movimento “antivax” se disseminou e explica a recusa de muitas pessoas em receber a imunização.
Rosa Moreira nunca ouviu falar dos antivax americanos, mas, para tomar a vacina contra a Covid, a costureira teve de ser convencida por filhos e netos. Ela relembra que, na sua juventude em Cedro, no interior cearense, se escondia dos carros de vacinação que passavam na rua. E conta que sua mãe também não gostava “nem de vacina nem de remédio”; para curar, entrava em ação os remédios caseiros e naturais. Diante do avanço das mortes pela Covid e da pressão da família, resolveu deixar de lado antigos preconceitos. Foi até uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e no dia 5 de maio completou sua imunização, tomando a segunda dose da vacina em Paraipaba, interior do Ceará. “Teve gente que tomou as duas doses da vacina, pegou a doença e morreu. Mas acredito que ela faz algum efeito, se acontecer de pegar o vírus pode ser mais fraco”, opina.
Carla Domingues, epidemiologista e ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), relata que a população idosa sempre aderiu muito bem às campanhas de vacinação, mas que há exceções que, em sua maioria, não são influenciadas pelo movimento antivacina, como é o caso de Rosa Moreira. “Os idosos não têm tanta interferência desses grupos antivacinas e conviveram fortemente com essas doenças imunopreveníveis que levavam a óbito, entendem mais a importância da vacina. Acredito que pelo fato de a população mais jovem não ter convivido com doenças muito graves, acaba acreditando nas fake news e é um grupo que tem muito acesso às redes sociais”, explica. A médica salienta, no entanto, que tem se impressionado com os primeiros dados da vacinação dos jovens. “É muito cedo para dizer algo. Mas estou muito surpresa com a adesão dos jovens. Acredito que eles são o grupo que mais quer sair de casa, mais quer deixar de usar máscaras e voltar à convivência social.”
Nos Estados Unidos, o privilégio de ter doses suficientes para toda a população não foi o bastante para conter a pandemia – agora, em média, 140 mil casos de Covid são diagnosticados por dia, e o país vive a “pandemia dos não vacinados”. O governo americano tem enfrentado dificuldades para que os mais jovens tomem a vacina e apelou, inclusive, para campanhas de divulgação da imunização com ídolos populares entre os jovens americanos, como a cantora Olivia Rodrigo, que se reuniu com Biden para incentivar a adesão.
Atualmente, 99% das pessoas que morrem pela doença em solo americano são aquelas que recusaram a vacina. Aproximadamente 10 milhões de idosos americanos não tomaram a segunda dose – dos cerca de 54 milhões de pessoas que possuem 65 anos ou acima, apenas 44,2 milhões já levaram as duas agulhadas. Com a mortalidade elevada nessa faixa de idade, o arrependimento tem feito os americanos buscarem a imunização – somente entre a última sexta (13) e quarta-feira (18), foram 200 mil idosos vacinados com a primeira dose, totalizando 49,8 milhões.
Apesar de a cobertura vacinal em queda no Brasil preocupar especialistas brasileiros há alguns anos, o Programa Nacional de Imunização (PNI) é referência mundial. Domingues cita a campanha de vacinação contra o sarampo, doença que foi declarada erradicada do país pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2016, mas em 2018 voltou a aparecer pela baixa cobertura. “Tivemos uma campanha para a população adulta, mas com objetivo de diminuir a mortalidade infantil. A adesão foi muito menor que a da febre amarela, por exemplo, porque estamos falando de uma campanha de prevenção, que não é o caso da febre amarela e da Covid”, explica. Dessa forma, quando o risco do adoecimento é iminente, a população comparece mais fortemente; quando não, a aderência é menor. A epidemiologista também acredita que, apesar de a vacina da Covid ser uma preocupação coletiva, na hora de decidir pela vacina, o que as pessoas consideram mesmo é a proteção individual. “Estamos falando do cuidado individual, então as pessoas pensam: ‘não quero ter óbito, não quero ter gravidade.’ Isso faz uma diferença muito grande.”
Para o conjunto da população, o Brasil ainda tem uma cobertura vacinal muito menor que a dos Estados Unidos. Cerca de 25% dos brasileiros estão vacinados com as duas doses ou dose única, contra 51% dos americanos completamente imunizados. A variante Delta, em crescimento no Brasil, já faz vítimas, e o futuro da pandemia no Brasil assusta pela demora na imunização completa. “Os americanos estão tendo o acesso à vacina e estão recusando. Possivelmente a gente pode sim ter o aumento de casos com a variante Delta, mas não porque a população está se recusando a vacinar, mas porque ainda não teve a oportunidade de tomar principalmente a segunda dose”, observa Domingues.