A chegada do ex-presidente Lula à avenida Paulista, ontem, trouxe à memória a noite do dia 27 de outubro de 2002, quando ele foi eleito presidente pela primeira vez. O cenário, o protagonista e até o grito de guerra “olê, olê, olê, olá, Lula, Lula” eram os mesmos.
Na comemoração da vitória, a da”esperança que venceu o medo” e a do “Lulinha paz e amor”, o petista, de roupa social, subiu num palanque e falou para uma multidão majoritariamente vermelha, mas que se enrolava em bandeiras do país. Atrás do presidente eleito, um painel enorme com a frase: “A vitória é do Brasil”. Para cerca de 50 mil pessoas, Lula discursou e cantou o hino nacional.
Ontem, eram quase 100 mil, segundo o Datafolha, no ato em defesa do governo Dilma e, principalmente, dele próprio. Lula chegou acompanhado de seguranças e sindicalistas que fizeram um corredor para que ele pudesse caminhar do carro até o caminhão de som, estacionado próximo ao Masp, no mesmo local onde no domingo concentraram-se os manifestantes do Movimento Brasil Livre, segurando pixulecos e pedindo a sua prisão e o impeachment de Dilma Rousseff.
A multidão, vista de cima do carro de som, a quatro metros do chão, também era majoritariamente vermelha, como em 2002. Mas quando duas faixas compridas nas cores do Brasil foram abertas, ocupando quase metade de um quarteirão, um assessor comemorou: “Isso é muito bom”.
Os parceiros ao lado de Lula tampouco eram os mesmos de 2002. No palanque, não estavam José Dirceu, preso na Operação Lava Jato, nem José Genoino, preso no mensalão. O ministro Aloizio Mercadante (Educação), figura presente na vitória de 2002, também não foi. Nem a mulher de Lula, Marisa Letícia, estava lá, como em 2002. No lugar deles, alguns deputados do PT e do PC do B, integrantes da CUT, representantes de movimentos sociais e muita equipe técnica, transmitindo o discurso e enviando as imagens de Lula para abastecer as redes sociais.
Sem seguranças, o ex-presidente e agora ministro era abraçado e beijado. Deram a ele água e uma bandeira do Brasil. Alguns o pegavam pelo braço e pediam selfies. Lula discursou e foi Lula, lembrando novamente 2002. Usou suas metáforas futebolísticas, contou histórias da época de sindicato, falou dos pobres, e se colocou entre eles. Fez vibrar a multidão. Locomoveu-se com desenvoltura, caminhando entre os dois lados do palco montado em cima do caminhão para chegar a todos na avenida. Esforçou-se para ser bem humorado e, bem humorado, fez piada com o mau humor de Dilma. Mas, diferentemente da roupa social de 2002, Lula agora vestia vermelho e, com o microfone nas mãos, gritou o mantra da noite: “Não vai ter golpe!”.
Os petistas comemoravam a capacidade de mobilização que ainda resta em Lula. O ato não havia sido tão grande como o de domingo, contra ele, o PT e o governo, mas sem dúvida era uma demonstração de força, no momento em que o petista está mais fragilizado do que nunca.
Lula terminou o discurso após quase vinte minutos. Estava muito suado e parecia cansado. A voz lhe faltava. Começou a ser puxado pelo braço e então o levaram de volta para a escada, para descer do caminhão. Algumas pessoas ainda conseguiram segurá-lo para mais selfies. Me aproximei e perguntei o que achou da manifestação. Lula ameaçou falar, mas quando viu o bloquinho de anotações e a caneta nas minhas mãos virou a cara e foi embora, com um séquito a sua volta. A imprensa, ao lado do juiz Sergio Moro, é a vilã da noite.
O ex-presidente não falou sobre a investigação da Lava Jato, o sítio em Atibaia, o tríplex do Guarujá ou o pedido de prisão contra ele. Mas tudo isso estava evidente em seu abatimento e, por mais que as pessoas mostrassem resistência, havia tensão e tristeza no ar. Bem diferente do clima de catorze anos atrás. À época, Lula começou seu discurso dizendo: “Tenham certeza de que nós continuaremos sendo as mesmas pessoas que fomos até agora.” Ontem, havia dúvidas.