Algo de terrivelmente errado aconteceu com os adolescentes no início da década de 2010. A essa altura, você já deve ter se deparado com algumas estatísticas. Os índices de depressão e ansiedade nos Estados Unidos, que tinham ficado razoavelmente estáveis durante os anos 2000, cresceram mais de 50% na última década, segundo vários estudos realizados de 2010 a 2019. O índice de suicídios entre adolescentes americanos com idades entre 10 e 19 anos aumentou 48% nesse período. Entre as meninas de 10 a 14 anos, o aumento foi de 131%.
O problema não se limita aos Estados Unidos: dados semelhantes foram registrados no Canadá, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, nos países escandinavos e em muitos outros. Segundo diferentes métricas, e em diferentes lugares do mundo, os integrantes da Geração Z (nascidos a partir de 1996) estão sofrendo com ansiedade, depressão, automutilação e distúrbios similares. A frequência com que isso vem acontecendo é mais alta do que em qualquer outra geração sobre a qual há dados disponíveis.
O declínio da saúde mental é apenas um dos sinais de que algo deu errado. A solidão e a falta de amigos também viraram comuns entre adolescentes. Em paralelo, caíram as notas nas escolas. Segundo o Nation’s Report Card, teste que mede o conhecimento de alunos do ensino fundamental e médio nos Estados Unidos, o desempenho dos jovens em leitura e matemática começou a piorar em 2012, revertendo uma tendência de décadas de aumento geral e constante, embora lento. O Pisa, a principal medida internacional de tendências em educação, mostra que essa queda se repetiu em todo o mundo, no mesmo período.
Os integrantes mais velhos da Geração Z, hoje em seus 20 e poucos anos, carregam esses problemas para a vida adulta. Namoram menos, têm uma vida sexual mais pacata do que as gerações anteriores e são menos interessados em ter filhos. Grande parte desses jovens adultos ainda mora com os pais. Em geral, foram adolescentes que não trabalharam e que hoje se adaptam mal ao mercado de trabalho. Algumas dessas tendências, é verdade, se iniciaram nas gerações anteriores. Mas todas se aceleraram na Geração Z.
As pesquisas mostram que os jovens dessa faixa etária também são mais tímidos e refratários ao risco do que gerações anteriores. Por tabela, são menos ambiciosos. Numa entrevista em maio do ano passado, dois jovens bilionários – Sam Altman, cofundador da OpenAI, empresa responsável pelo ChatGPT, e Patrick Collison, cofundador da Stripe, uma empresa de serviços financeiros – observaram que, pela primeira vez desde a década de 1970, nenhum dos principais empreendedores do Vale do Silício tinha menos de 30 anos de idade. “Alguma coisa realmente deu errado”, disse Altman. Em um setor conhecido pela presença majoritária de jovens, a falta de grandes empreendedores na faixa dos 20 anos chama atenção.
É claro que gerações não são blocos monolíticos. Muitos jovens nascidos a partir de 1996 estão se desenvolvendo bem. Mas, em média, os integrantes da Geração Z sofrem de má saúde mental e outros problemas que não afetavam seus predecessores. E se uma geração está indo mal – sentindo-se mais ansiosa e deprimida, com ímpeto menor de formar família, de progredir na carreira e liderar empresas –, o problema não é só dela. Afinal, as consequências sociais e econômicas desse fenômeno serão sentidas por toda a sociedade.
Precisamos nos perguntar: o que aconteceu no começo dos anos 2010 que impactou o desenvolvimento dos adolescentes? Há muitas teorias em voga. O fato de que isso ocorreu em diferentes países significa que tendências específicas dos Estados Unidos não bastam para explicar o todo.
Creio que a resposta seja simples: esses foram os anos em que os adolescentes dos países ricos trocaram seus telefones dobráveis por smartphones e passaram a interagir mais online – sobretudo em redes sociais programadas para viralizar rapidamente as postagens e viciar o usuário. Quando os jovens começaram a carregar a internet no bolso da calça, dia e noite, sua rotina e seu processo de desenvolvimento mudaram. Amizade, namoro, sexualidade, exercício físico, sono, estudos, política, família, identidade – tudo foi afetado. A vida também mudou para as crianças, que começaram a ter acesso aos celulares dos pais e, mais tarde, ganharam seus próprios iPads, laptops e até mesmo celulares enquanto ainda cursavam os primeiros anos do ensino fundamental.
Como psicólogo social, participo há anos de debates sobre os efeitos da tecnologia. Em geral, essas discussões se baseiam em questões científicas, que frequentemente se limitam a uma análise bruta de dados. Pergunta-se, por exemplo: os adolescentes que navegam mais tempo em redes sociais têm níveis mais altos de depressão? Usar o celular logo antes de dormir interfere na qualidade do sono? A resposta a essas questões costuma ser afirmativa, embora, do ponto de vista estatístico, não seja uma variação relevante. Isso levou alguns pesquisadores a concluir que essas novas tecnologias não foram responsáveis pelo aumento das doenças mentais a partir da década de 2010.
Mas penso que, antes de avaliar as estatísticas, é preciso dar um passo para trás e fazer uma pergunta mais ampla: o que é a infância – incluindo a adolescência – e como ela mudou quando passou a ser centrada no celular? Se adotarmos uma visão mais holística da infância e do que é necessário para um ser humano amadurecer, o problema fica mais nítido. É evidente que o smartphone impactou o desenvolvimento dos jovens.
Há um fator histórico que contribuiu para que isso. A partir dos anos 1980, começamos a privar as crianças e os adolescentes de brincar sem supervisão, assumir responsabilidades e se arriscar – liberdades importantes para quem está amadurecendo e formando sua saúde mental. No começo dos anos 2010, essa geração que já estava privada de sua independência foi atraída para um universo virtual que parecia seguro, mas na verdade era mais perigoso do que o mundo físico, em muitos aspectos.
A infância centrada no celular, fenômeno que se iniciou há cerca de doze anos, está adoecendo os jovens e impedindo seu acesso a uma vida plena e saudável. Precisamos intervir para mudar isso.
O cérebro humano é extraordinariamente grande se comparado ao dos outros primatas. Por isso a infância humana é extraordinariamente longa: é preciso dar tempo para que esse cérebro tão grande estruture suas conexões.
Por volta dos 6 anos de idade, o cérebro da criança já tem 90% do tamanho que terá na vida adulta. Os dez ou quinze anos seguintes são dedicados a aprender normas e dominar diversas habilidades – físicas, analíticas, criativas e sociais. Quando as crianças e os adolescentes buscam experiências e praticam todo um leque de atividades, as sinapses e os neurônios usados com mais frequência são conservados, enquanto os menos usados desaparecem. “Neurônios que se ativam juntos ficam sempre juntos” (“Neurons that fire together wire together”), dizem os cientistas que investigam o cérebro humano.
Podemos dizer, com base nisso, que o desenvolvimento cerebral tem uma certa “expectativa de experiência”. Determinadas partes do cérebro têm maior plasticidade nos períodos de vida em que um animal “espera” ter certos tipos de experiência. Isso se observa nos gansos recém-nascidos, que, logo depois de saírem da casca, seguem qualquer objeto que seja do tamanho da mãe gansa e que esteja se movendo nas proximidades. Também se observa nas crianças humanas, capazes de aprender idiomas rapidamente, com o sotaque local, mas só até o início da puberdade; depois disso é difícil aprender um idioma estrangeiro e falar com o sotaque de um nativo.
Também há evidências de que haja um período sensível para o aprendizado cultural. Nos anos 1970, por exemplo, muitas crianças japonesas se mudaram para a Califórnia. Só passaram a se sentir americanas, no entanto, aquelas que frequentaram uma escola nos Estados Unidos entre as idades de 9 e 15 anos. As que retornaram para o Japão antes dos 9 não sofreram impacto duradouro. Da mesma forma, as que chegaram aos Estados Unidos depois dos 15 passaram em branco: nunca se sentiram, de fato, americanas.
A infância humana é um longo processo de aprendizado cultural, marcado por diferentes etapas. Em todas elas, a disposição para brincar é fundamental. Brincar é o trabalho da infância. Todos os jovens mamíferos têm essa mesma tarefa: formar a “fiação” do cérebro brincando muito, vigorosamente, praticando os movimentos e as habilidades de que vão precisar quando adultos. Gatinhos brincam de pular em cima de qualquer coisa parecida com o rabo de um camundongo. Crianças humanas brincam de jogos como pique-pega, que simulam um ataque à presa e uma fuga do predador. Adolescentes praticam esportes com maior intensidade e incorporam as brincadeiras em suas interações sociais – ao flertar, ao provocar os outros e ao criar piadas internas, que fazem os amigos se unirem. Centenas de estudos feitos com crianças e com filhotes de animais, como ratos e macacos, mostram que os mamíferos jovens querem brincar, precisam brincar, e quando são privados disso acabam sendo prejudicados em seu desenvolvimento social, cognitivo e emocional.
Um aspecto crucial do brincar são os riscos físicos. Crianças e adolescentes precisam correr riscos e fracassar – sim, fracassar com frequência – em ambientes onde o fracasso não é tão custoso. É assim que eles ampliam suas habilidades, superam medos, aprendem a avaliar os perigos da vida e a cooperar, para poder enfrentar desafios maiores quando forem mais velhos. A possibilidade sempre presente de se machucar ao correr, explorar ou brigar acrescenta um elemento de emoção – e, ao que parece, as brincadeiras emocionantes são as mais eficazes para superar as ansiedades da infância e fazer com que as crianças desenvolvam plenamente suas competências sociais, emocionais e físicas.
A infância e a adolescência da espécie humana sempre se deram ao ar livre, em um mundo repleto de perigos e oportunidades. Suas atividades centrais – brincar, explorar, socializar – não costumavam ser supervisionadas pelos adultos, o que permitia que as crianças fizessem suas próprias escolhas, resolvessem seus conflitos sozinhas e cuidassem umas das outras. Compartilhar aventuras e adversidades era algo que unia os jovens e os ajudava a se unirem em pequenos grupos, formando sólidas amizades. Isso os preparava para o futuro.
Até que a infância mudou drasticamente.
O primeiro momento-chave dessa mudança foi o fim dos anos 1970, numa época em que ainda não havia internet. Assustados com a violência, muitos pais americanos passaram a temer que seus filhos se machucassem ou fossem sequestrados na rua. Esse tipo de crime sempre foi extremamente raro, mas povoava a mente dos adultos – graças, em parte, ao aumento da criminalidade nas cidades, combinado com a chegada da tevê a cabo, que trouxe consigo uma cobertura ininterrupta de casos de crianças desaparecidas.
Teve início, naquela época, um declínio geral do capital social – isto é, da capacidade das pessoas de conhecerem e confiarem nos vizinhos e nas instituições. Ao mesmo tempo, o aumento da competitividade dos vestibulares intensificou o controle dos pais sobre os filhos. Na década de 1990, os jovens passaram a ser detidos em casa, onde dedicavam as tardes a atividades suplementares, como estudos, viagens, aulas de artes. Passaram a ter menos tempo para brincar ao ar livre e conviver casualmente com outros jovens da mesma idade.
Hoje, ver crianças desacompanhadas na rua é algo tão inusitado que, quando acontece, alguns adultos logo pensam em chamar a polícia. Em 2015, o Pew Research Center constatou que os pais, em média, achavam que uma criança devia ter pelo menos 10 anos de idade para brincar sozinha na frente de casa, e pelo menos 14 para ir sozinha a um parque público. Esses mesmos pais puderam brincar alegremente ao ar livre quando tinham 7 ou 8 anos.
Mas a proteção excessiva é apenas parte da história. O que catalisou essa transformação da infância foi a tecnologia, que tornou mais fácil e convidativo ficar dentro de casa. As big techs passaram a ter acesso às crianças 24 horas por dia, sete dias por semana. Criaram atividades virtuais empolgantes, projetadas para envolver o usuário, nada parecidas com as experiências do mundo real que o cérebro dos jovens “espera” encontrar.
A internet, que hoje domina a vida dos jovens, se alastrou em duas ondas. A primeira causou pouco dano aos millennials (nascidos entre 1981 e 1995.) A segunda engoliu a Geração Z.
A primeira onda chegou nos anos 1990, com o acesso discado à internet. O computador de mesa deixou de servir apenas para joguinhos e textos básicos. Em 2003, 55% dos domicílios americanos tinham um computador com acesso (lento) à internet. Os índices de depressão e solidão não aumentaram naquele momento; os dados indicam que eles talvez tenham diminuído um pouco. Os adolescentes da geração millenial, os primeiros a passar pela puberdade com acesso à internet, eram psicologicamente mais saudáveis e felizes, em média, do que seus pais ou irmãos mais velhos da Geração X (nascidos entre 1965 e 1980).
A segunda onda surgiu nos anos 2000, embora só tenha ganhado tração na década seguinte. Começou de forma inocente, com a chegada das redes sociais, que ajudavam as pessoas a se conectar com os amigos. Ficou muito mais fácil publicar e compartilhar conteúdos sobre a vida em sites como Friendster (lançado em 2003), Myspace (2003) e Facebook (2004).
Os adolescentes adotaram as redes sociais logo que elas surgiram. Mas, nesses primeiros anos, o tempo que podiam passar nelas era limitado, já que só era possível acessá-las pelo computador – que, em geral, era o computador da família, alojado na sala de estar. Os jovens não podiam navegar nas redes no ônibus escolar, durante as aulas ou ao ar livre. Muitos adolescentes no início e na metade dos anos 2000 tinham telefones, mas eram modelos básicos, sem acesso à internet. Digitar era difícil, porque os aparelhos só tinham as teclas numéricas. Esses telefones eram apenas dispositivos que ajudavam os millennials a marcar um encontro ou conversar em particular com um amigo. Não encontrei, até hoje, nenhuma evidência de que esses celulares básicos tenham prejudicado a saúde mental dos millennials.
Foi apenas com a introdução do iPhone (2007), da App Store (2008) e da internet de alta velocidade (presente em 50% dos lares americanos em 2007) que se tornou possível para os adolescentes viver online praticamente o dia todo. Em 2011, só 23% dos adolescentes tinham um smartphone; em 2015, eram 73%, e um quarto deles dizia estar online “quase o tempo todo”. Seus irmãos mais novos, que ainda estavam na escola primária, não tinham celulares. Até que, a partir de 2010, o iPad virou um item básico do cotidiano das crianças.
Foi nesse curto intervalo de tempo, entre 2010 e 2015, que tudo mudou.
A segunda onda tecnológica – que incluiu no cotidiano dos jovens não apenas o celular, mas todo tipo de dispositivo, como tablets, laptops, videogames e smartwatches – marcou o fim de um período de otimismo em relação à internet. No final dos anos 1990, quando ela entrou em nossas vidas, acreditava-se que a world wide web seria aliada da democracia e inimiga dos tiranos. Num mundo em que as pessoas estão conectadas e têm todo o conhecimento do mundo ao alcance das mãos, como seria possível um ditador se impor sobre elas?
Na década de 2000, o Vale do Silício era motivo de orgulho e entusiasmo nos Estados Unidos. Jovens inteligentes e ambiciosos do mundo todo queriam se mudar para a Califórnia e fazer parte da revolução digital. Pioneiros da tecnologia, como Steve Jobs e Sergey Brin, eram louvados como profetas – ou como versões modernas de Prometeu, personagem da mitologia grega que roubou o fogo dos deuses e o entregou à humanidade. A Primavera Árabe floresceu em 2011 com a ajuda do Twitter e do Facebook. Quando se falava do poder da rede social de transformar a sociedade, não era uma profecia pessimista.
É preciso lembrar dessa atmosfera inebriante para entender por que o uso de redes sociais na infância foi tão bem aceito. Muitos pais, é verdade, se preocupavam já naquela época com o que os filhos faziam online, especialmente devido à capacidade da internet de colocar crianças em contato com estranhos. Mas também havia muita empolgação. Se a internet era a vanguarda do progresso e se os jovens – os chamados “nativos digitais” – viveriam em constante contato com essa tecnologia, por que não lhes dar uma vantagem inicial?
Lembro da emoção que senti ao ver meu filho de 2 anos dominando a interface do meu primeiro iPhone, em 2008. Ele tocava e arrastava os ícones na tela. Fantasiei sobre como seus neurônios estavam se conectando mais depressa por causa daquele estímulo – uma atividade muito menos passiva do que assistir à tevê. Imaginei que, com isso, eu provavelmente estava garantindo ao meu filho, antecipadamente, melhores chances no mercado de trabalho.
Os dispositivos com touchscreen foram uma dádiva para os pais sobrecarregados. Muitos de nós descobrimos que podíamos ter um pouco de paz num restaurante ou numa longa viagem de carro se déssemos às crianças o que elas mais queriam: nossos celulares e tablets. Víamos que todo mundo fazia o mesmo. Não achávamos, portanto, que fosse um problema.
A segunda onda também atingiu as crianças mais velhas, loucas para encontrar os amigos nas redes sociais, onde a idade mínima para criar um perfil, por lei, era 13 anos. Como as plataformas não faziam nada (e continuam não fazendo) para confirmar a idade autodeclarada dos usuários, qualquer criança de 10 anos podia abrir contas sem a permissão nem o conhecimento dos pais. Foi o que muitas fizeram. O Facebook, e mais tarde o Instagram, se tornaram lugares onde muitos alunos da sexta e sétima séries se relacionavam. Quando os pais descobriam – se descobriam –, já era tarde demais.
Como ninguém quer ver os filhos isolados dos amigos, era raro que os adultos obrigassem as crianças a fechar suas contas. Nós não tínhamos ideia do que estávamos fazendo.
Em Walden, livro publicado em 1854, o pensador americano Henry David Thoreau escreveu: “O custo de alguma coisa é a quantidade de […] vida que é necessária se trocar por ela, seja de imediato ou a longo prazo.” Uma formulação elegante daquilo que os economistas chamariam, anos mais tarde, de custo da oportunidade – isto é, tudo o que você não pode mais fazer com seu dinheiro e seu tempo depois de tê-los dedicado a outra coisa. Nossos jovens estão perdendo muitas oportunidades devido ao tempo que gastam na internet.
Os números são impressionantes. O levantamento mais recente do Instituto Gallup mostra que os adolescentes americanos passam cerca de cinco horas por dia em redes sociais (incluindo TikTok e YouTube). Somando todas as outras atividades digitais, o número sobe para algo entre sete e nove horas por dia, em média. Os números são ainda mais altos em famílias monoparentais e de baixa renda. Idem entre famílias negras, hispânicas e indígenas.
Esses números não incluem as horas gastas diante das telas com atividades escolares. Tampouco incluem todo o tempo que os adolescentes gastam pensando nas redes sociais, mesmo quando não estão navegando por elas (pense na ansiedade que sentimos à espera de uma notificação). Uma pesquisa da Pew Research Center informa que, em 2022, um terço dos adolescentes disse estar conectado a uma rede social “quase o tempo todo”, e quase metade deles afirmou o mesmo sobre a internet em geral. Para esses usuários intensivos, quase todas as horas do dia são absorvidas, total ou parcialmente, pelo celular.
O restante do dia do adolescente precisa ser reduzido para dar espaço a essa grande quantidade de conteúdo e às centenas de “amigos”, “seguidores” e outros contatos virtuais que precisam ser atendidos com textos, posts, comentários, likes, snaps e mensagens diretas. Recentemente, fiz uma pesquisa com meus alunos da New York University e a maioria deles relatou que a primeira coisa que fazem ao abrir os olhos, de manhã, é checar suas mensagens e feeds de redes sociais. É também a última coisa que fazem antes de fechar os olhos à noite.
As horas de sono dos adolescentes diminuíram no início dos anos 2010, e muitos estudos associam isso ao uso do celular. O exercício físico também diminuiu, o que é lamentável, pois, assim como o sono, a prática de esportes beneficia tanto a saúde física quanto a mental. O hábito de ler livros vem diminuindo há décadas, mas esse declínio se acelerou no início dos anos 2010. Com uma máquina de entretenimento ao alcance de mão o tempo todo, a mente do adolescente deve vagar menos do que antigamente. Talvez a contemplação e a imaginação possam ser incluídas na lista de atividades que foram eliminadas para dar lugar a outras.
Mas provavelmente o preço mais caro que se paga por essa rotina digital é a diminuição das interações face a face. Um estudo sobre como os americanos passam o tempo revelou que, antes de 2010, os jovens de 15 a 24 anos relatavam passar muito tempo com os amigos (cerca de duas horas por dia, em média, sem contar a convivência na escola) –, muito mais do que as pessoas mais velhas (que passavam entre 30 e 60 minutos por dia com os amigos). Esse tempo, porém, começou a diminuir para a juventude na década de 2000, e de forma mais acentuada na década seguinte. Entre os mais velhos, quase não houve mudança. Em 2019, o tempo que os jovens passavam com os amigos já tinha caído para 67 minutos por dia.
Podemos duvidar da relevância desse dado. Afinal, boa parte do tempo online não é gasta interagindo com amigos? Não se trata, portanto, de uma atividade igualmente positiva?
Em parte, sim. As interações virtuais oferecem benefícios – sobretudo a possibilidade de incluir os jovens que vivem isolados, geográfica ou socialmente. Mas o mundo virtual carece de muitos atributos que tornam as interações humanas “nutritivas”, por assim dizer, e fundamentais para o desenvolvimento de uma pessoa.
Os relacionamentos do mundo real têm quatro características que somem ou são distorcidas na internet. A primeira delas: as interações no mundo real são corporais. Usamos as mãos e as expressões faciais para nos comunicar, e aprendemos, ao longo da vida, a interpretar a linguagem corporal dos outros. As interações virtuais, porém, dependem praticamente só da linguagem. Por mais emojis que se possa usar, é justo presumir que o fim desses canais de comunicação deve resultar em adultos menos aptos a interagir pessoalmente.
A segunda característica: as interações no mundo real são sincrônicas – acontecem ao mesmo tempo. Isso nos ensina a detectar sutilezas sobre a duração de cada fala e a hora certa de falar. Numa interação sincrônica nos sentimos mais próximos do interlocutor. Mensagens de texto, postagens e outras interações virtuais não têm essa sincronia. É um universo com menos risadas reais e mais espaço para interpretações equivocadas, além de muita ansiedade.
Em terceiro lugar, as interações no mundo real envolvem a comunicação um a um, de uma pessoa para outra ou de uma para várias. Já as comunicações virtuais são, em muitos casos, transmitidas para um público enorme. Quando está online, uma pessoa pode se envolver em dezenas de interações ao mesmo tempo, o que impacta a profundidade delas. As motivações também são diferentes. Diante de um grande público, nossa reputação está sempre em jogo; um erro pode prejudicar seu status social e suas relações com milhares de pessoas. Por isso, essas comunicações tendem a ser feitas como um tipo de performance. São mais rasas.
Por último, a quarta característica: as interações no mundo real geralmente ocorrem dentro de comunidades que exigem comprometimento. Para pertencer a esses grupos, é preciso investir tempo nas relações e ter disposição para resolver conflitos. Nas redes sociais, porém, uma pessoa pode facilmente bloquear colegas ou apagar o próprio perfil caso não esteja satisfeita com uma determinada situação. Relacionamentos virtuais são mais descartáveis.
As interações online podem trazer à tona um comportamento antissocial, ou mesmo agressivo, que as pessoas não teriam no mundo real. E se isso é prejudicial para os adultos, imagine para as crianças e adolescentes, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento. O risco é que elas se habituem a viver em um estado permanente de defesa.
O cérebro tem sistemas especializados para a “aproximação” (quando as oportunidades atraem) e a retração (quando algo nos ameaça). Juntos, esses dois sistemas formam um mecanismo que nos permite nos adaptar às circunstâncias externas, tal qual um termostato aquece ou esfria. Em algumas pessoas, o termostato está regulado no modo “descoberta”, e só entra no modo “defesa” quando surge uma ameaça clara. Essas pessoas veem o mundo como um lugar cheio de oportunidades. São mais felizes e menos ansiosas. Em outras, porém, o termostato interno fica regulado no modo defensivo, e só entra no modo descoberta quando elas se sentem excepcionalmente seguras. Elas tendem a enxergar o mundo como um lugar cheio de ameaças, e são mais propensas a desenvolver transtornos de depressão e ansiedade.
Eis um jeito simples de explicar a Geração Z: diferentemente das anteriores, ela tem um termostato programado para a defesa. É por isso que a vida nos campi universitários mudou tão bruscamente quando esses jovens chegaram ao ensino superior, por volta de 2014. Os novos alunos solicitavam “espaços seguros” e alertas de gatilho – conhecidos como trigger warnings, e que servem para avisar, no começo de um livro, de um filme ou de um podcast, sobre um conteúdo sensível ou controverso presente naquela obra.
Era uma nova leva de estudantes altamente sensível a microagressões. Na época, esse comportamento deixou perplexas as gerações mais velhas. Hoje, olhando em retrospecto, tudo faz sentido. Para os alunos da Geração Z, as palavras, as ideias e os encontros sociais ambíguos eram mais ameaçadores do que para as gerações anteriores, porque o desenvolvimento psicológico desses jovens havia sido outro, inteiramente diferente.
O debate sobre o uso do celular costuma girar em torno da saúde mental, o que é compreensível. Mas os danos resultantes dessa transformação da infância, feita de forma tão descuidada, vão muito além disso. Listo, aqui, três efeitos nefastos:
Atenção fragmentada, aprendizado prejudicado
Concentrar-se numa tarefa, na frente do computador, já é difícil para um adulto com o córtex pré-frontal plenamente desenvolvido. Para os adolescentes, é mais ainda. Eles têm menos motivação para permanecer focados na tarefa da escola que fazem no laptop. Por isso é fácil, para qualquer aplicativo de celular, atraí-los com uma oferta de validação social ou entretenimento. Seus telefones estão sempre mandando alertas – um estudo apontou que o adolescente típico recebe 237 notificações por dia, 15 a cada hora que passam acordados.
Isso acontece até mesmo na sala de aula. Estudos mostram que, quando os alunos têm acesso a celulares na escola, passam a enviar mensagens de texto e navegar pelas redes sociais, o que resulta em queda nas notas e no aprendizado. Talvez isso explique por que as notas dos testes escolares começaram a cair, nos Estados Unidos e em todo o mundo, no início do anos 2010 – bem antes da pandemia, que não pode ser culpada por esse fenômeno.
Vício e abstinência
A base neural do vício em redes sociais e videogames não é a mesma da dependência de cocaína ou opioides. O que elas têm em comum, no entanto, é que ambas envolvem uma ativação intensa dos neurônios transmissores de dopamina e da sensação de recompensa. Com o tempo, o cérebro se adapta a esses níveis elevados de dopamina. Quando a criança não está envolvida em atividades digitais, o cérebro não produz dopamina suficiente e ela começa a apresentar sintomas de abstinência, como ansiedade, insônia e irritabilidade. Crianças e adolescentes com esse vício podem se tornar agressivos e se afastar da família.
Entre os meninos, os principais riscos de dependência são os videogames e a pornografia. O Transtorno dos Jogos Eletrônicos, adicionado em 2013 ao principal manual de diagnósticos psiquiátricos dos Estados Unidos, consiste em sentir “dificuldade ou angústia significativa” em várias dimensões da vida, assim como incapacidade de reduzir o uso dessas plataformas digitais. Estima-se que o IGD (sigla em inglês de Internet Gaming Disorder) afeta entre 7% e 15% dos adolescentes e jovens adultos do sexo masculino.
Quanto à pornografia, uma pesquisa publicada em 2019 mostrou que 7% dos homens americanos concordam – parcial ou integralmente – com a afirmação: “Sou viciado em pornografia.” Os índices foram mais altos entre os jovens. As meninas têm índices muito menores de dependência de videogames e pornografia, mas, segundo várias pesquisas, usam as redes sociais mais intensamente que os meninos.
Não quero exagerar o tamanho do problema: os adolescentes, em sua maioria, não se tornam viciados em celular e videogames. Os casos de uso problemático representam entre 5% e 15% do total, segundo as pesquisas. Mas vale nos perguntarmos: será que existe algum outro produto de consumo que os pais deixariam os filhos usarem livremente se soubessem que um em cada dez usuários desenvolve compulsão semelhante a um vício?
Falta de propósito
Durante um dos períodos mais decisivo para o aprendizado das crianças, mais ou menos entre os 9 e os 15 anos de idade, nós, os pais, deveríamos filtrar quem está influenciando nossos filhos. Mas, em vez disso, é nesse período que geralmente damos a eles o primeiro celular. As crianças se cadastram em sites (com ou sem permissão dos pais) e passam a consumir uma enxurrada de conteúdo, vinda de pessoas estranhas aleatórias – algumas delas adolescentes.
Essa dinâmica moldou uma geração que vive praticamente isolada das gerações mais velhas e, até certo ponto, isolada da sabedoria acumulada pela humanidade. Os adolescentes, hoje, passam menos tempo imersos na cultura local ou nacional. Chegam à maioridade imersos em um turbilhão confuso de informações, sem lugar definido e sem história, composto por stories de 30 segundos, selecionados por algoritmos destinados a hipnotizá-los.
Sem conhecimentos sólidos sobre o passado e sem o senso comum que se formou ao longo de gerações, os jovens são mais propensos a acreditar em quaisquer ideias terríveis que lhe sejam apresentadas. O que talvez explique por que, no fim do ano passado, vídeos que endossam a visão de Osama bin Laden sobre os Estados Unidos estavam em alta no TikTok.
Tudo isso é agravado pelo fato de que grande parte da vida pública nas redes sociais é um rolo interminável de microdramas sobre o fulano que, em algum recanto de um país de 340 milhões de habitantes, fez algo capaz de alimentar um ciclo de indignação generalizada. Casos assim vêm e vão, todos os dias. Logo são descartados, dando lugar ao próximo microdrama. Esses conteúdos não formam nenhum tipo de conhecimento sólido. Deixam como rastro somente um senso distorcido sobre a natureza humana.
Quando nossa vida pública se torna fragmentada, efêmera e incompreensível, abre-se o caminho para a anomia, a ausência de normas. O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) dizia que uma sociedade que não consegue unir seu povo em torno de um senso coletivo, algo sagrado, não é uma sociedade com grande liberdade individual; pelo contrário, é um lugar onde indivíduos desorientados têm dificuldade para estabelecer metas e alcançá-las. Durkheim argumentava que a anomia era uma das explicações para o alto índice de suicídio na Europa. Estudiosos contemporâneos ainda se fiam no pensador francês para tentar compreender os índices de suicídio atuais.
As observações de Durkheim são pertinentes se olharmos para a década de 2010. Uma pesquisa extensa feita com adolescentes americanos revelou que, entre 1990 e 2010, alunos do último ano do ensino médio passaram a concordar um pouco menos com afirmações como “muitas vezes parece que a vida não tem sentido”. Um bom resultado. A tendência, porém, mudou drasticamente nos anos seguintes. Entre 2010 e 2019, aumentou em cerca de 70% o número de alunos que concordava com a frase. Eram um a cada cinco.
Há quem duvide que o celular seja a explicação para essa mudança social. Outros fatores citados frequentemente são a crise financeira de 2008, as mudanças climáticas, o massacre na escola Sandy Hook em 2012, nos Estados Unidos, e os subsequentes exercícios de defesa contra atiradores. Fala-se também no aumento da pressão acadêmica sobre os jovens e a epidemia dos opioides. Mas, embora esses eventos possam ter contribuído para o quadro geral, nenhum deles explica o timing e o alcance global do que estamos analisando.
Basta olhar para o que diz a própria Geração Z. Neste momento em que se discute no mundo todo a regulação das redes sociais e a proibição de celulares nas escolas, era de se esperar que muitos jovens se opusessem a essas medidas. Mas não é o caso. Pelo contrário: os jovens adultos demonstram ter plena consciência dos danos causados pela vida na internet.
Freya India, ensaísta britânica de 24 anos que escreve sobre meninas, explica como as redes sociais empurram as adolescentes para situações nada saudáveis: “Parece que sua filha está apenas assistindo a tutoriais de maquiagem, seguindo influenciadores de saúde mental, experimentando a própria identidade. Mas preste atenção: essas meninas estão numa esteira rolante seguindo para um mau lugar. Seja qual for a insegurança ou o ponto vulnerável com que elas estão lutando, elas serão empurradas, cada vez mais, justamente para esse buraco.”
India prossegue: “A geração Z foi a cobaia desse experimento social global descontrolado. Fomos os primeiros a ter nossos pontos vulneráveis e nossas inseguranças inseridos em uma máquina que as ampliava e as jogava de volta para nós, o tempo todo, antes de termos alguma noção de quem somos nós. Não se trata, apenas, do fato de que nós crescemos junto com os algoritmos. A questão é que nós fomos criados pelos algoritmos. Eles refizeram nosso rosto. Moldaram nossa identidade. E nos convenceram de que estávamos doentes.”
Rikki Schlott, jornalista americano de 23 anos e coautor do livro The Canceling of the American Mind (O cancelamento da mente dos americanos, em tradução livre), afirmou: “A vida cotidiana de um adolescente ou pré-adolescente típico de hoje seria irreconhecível para alguém que atingiu a maioridade antes da chegada do celular. Os adolescentes passam, em média, nove horas por dia nesse loop de negatividade sem fim, colados às telas – desesperados para esquecer as feridas por onde estão sangrando, mesmo que seja apenas por… nove horas por dia. Um silêncio incômodo poderia ser o momento de refletir sobre por que se sentem tão infelizes. Mas é muito mais fácil abafar tudo isso com o ruído branco dos algoritmos.”
Uma pesquisa interna feita pelo próprio Facebook com grupos de jovens, vazada em 2021 por uma ex-funcionária da empresa, dizia: “Os adolescentes culpam o Instagram pelo aumento da ansiedade e da depressão entre os adolescentes.” Essa reação, dizia o relatório da pesquisa, “foi espontânea e consistente em todos os grupos”.
Como é possível que uma geração inteira esteja viciada em produtos que tão poucos elogiam e tantos se arrependem de usar? É porque os celulares e, sobretudo, as redes sociais enredaram a Geração Z e seus pais em uma série de armadilhas. Quando se compreende a dinâmica dessas armadilhas, as rotas de fuga ficam claras.
É comum ver pessoas comparando as empresas que administram redes sociais, como Meta, TikTok e Snap, a fabricantes de cigarros. Penso, porém, que isso não é justo com a indústria tabagista. Por um lado, é verdade que ambos os setores comercializam produtos nocivos e os refinam de modo a fidelizar os clientes (isto é, viciá-los). Há, no entanto, uma grande diferença entre os dois: os adolescentes puderam optar, e de fato optaram, em grande número, por não fumar. Até mesmo no auge do tabagismo dos adolescentes, em 1997, quase dois terços dos alunos do ensino médio nos Estados Unidos não fumavam. As redes sociais, no entanto, exercem uma pressão de consumo muito maior e mais eficaz sobre os jovens.
Quando crianças mentem sobre a própria idade e abrem um perfil de rede social aos 11 ou 12 anos, logo começam a publicar fotos e comentários sobre si mesmos e sobre os colegas de escola. O enredo, a partir desse momento, é previsível. Cria-se uma intensa pressão para que todos os coleguinhas participem também. Uma garota pode ter plena consciência de que o Instagram estimula distúrbios alimentares e a obsessão pela beleza, mas ainda assim optar por correr esses riscos só para não se sentir excluída. Se ela resistir ao Instagram enquanto a maioria dos colegas não resiste, ela pode acabar marginalizada. As redes sociais conseguem um feito notável: prejudicam até mesmo os adolescentes que não as utilizam.
Um estudo recente conduzido pelo economista Leonardo Bursztyn, da Universidade de Chicago, retratou bem essa armadilha. Os pesquisadores recrutaram mais de mil estudantes universitários e perguntaram a eles quanto dinheiro exigiriam para desativar suas contas no Instagram ou no TikTok por quatro semanas. É uma pergunta padrão de economistas para calcular o valor de um produto. Os estudantes responderam que precisariam, em média, de 50 dólares (59 no caso do TikTok, 47 no caso do Instagram) para sair dessas plataformas.
Em seguida, os pesquisadores disseram aos estudantes que tentariam convencer a maioria dos alunos da faculdade a sair das redes sociais, também mediante pagamento. E perguntaram: “Quanto você exigiria receber para desativar sua conta se a maioria dos outros também saísse da plataforma?” A resposta, em média, foi menos que zero. Em todos os casos, a maioria dos alunos se dispunha a pagar para sair da plataforma.
As redes sociais funcionam com base no efeito manada. A maioria dos alunos só está nelas porque os outros também estão. Quase todos gostariam que ninguém usasse essas plataformas. Outra pergunta do estudo: “Você preferiria viver em um mundo sem Instagram [ou TikTok]?” A maioria respondeu que sim – 58% para ambos os aplicativos.
Essa é a definição clássica do que os cientistas sociais chamam de problema da ação coletiva. É o que acontece quando um grupo só pode melhorar sua situação caso todos ajam simultaneamente, tomando uma mesma atitude. É um dilema. Pescadores que querem deixar de frequentar uma determinada área para não dizimar os cardumes locais pensam: se ninguém tomar a mesma atitude que eu, estarei apenas perdendo dinheiro.
O cigarro aprisionou os fumantes com um vício biológico. As redes sociais encurralaram uma geração inteira com um problema de ação coletiva. Os empresários do Vale do Silício exploraram, conscientemente, as inseguranças dos jovens a fim de pressioná-los a consumir um produto que, se pararem para pensar, muitos gostariam de usar menos ou não usar.
Quatro normas para quebrar quatro armadilhas
Os jovens e seus pais estão presos em pelo menos quatro armadilhas, no que diz respeito às redes sociais. Para uma família, isoladamente, é difícil escapar delas, mas o desafio é mais fácil se as escolas e comunidades agirem em conjunto. Aqui abaixo vão quatro normas que podem conter os danos causados pelo celular na infância. Creio que qualquer comunidade que adotar as quatro verá melhorias substanciais na saúde mental dos jovens em até dois anos.
Nada de celulares antes do ensino médio
As crianças acham que precisam de um celular porque “todo mundo tem”, e muitos pais cedem a esse desejo porque não querem que o filho se sinta excluído. Mas se ninguém mais tiver um celular – ou, digamos, se apenas metade da turma da sexta série tiver um celular – os pais vão se sentir mais tranquilos em dar à criança um telefone dobrável básico (ou não dar telefone nenhum). A criação de uma norma que retarde o uso intensivo de internet por jovens de até 14 anos ajudaria a proteger os primeiros anos da puberdade, tão vulneráveis. Segundo um estudo publicado em 2022 no Reino Unido, é nessa idade que o uso de redes sociais está mais relacionado a danos à saúde mental. Regras praticadas dentro de casa sobre o uso de outros equipamentos, como tablets, laptops e videogames, devem estar alinhadas com as restrições ao celular, para evitar que a abstinência de uma tela seja compensada por outras.
Nada de redes sociais antes dos 16 anos
A armadilha aqui, como no caso do celular, é que os adolescentes sentem uma grande pressão para abrir contas no TikTok, Instagram, Snapchat e outras plataformas. Afinal, é onde a maioria dos seus colegas está socializando. Mas se a maioria dos adolescentes fosse impedida de criar uma conta antes dos 16 anos, eles e suas famílias poderiam resistir melhor a essa pressão. Isso não significa que os jovens dessa faixa etária não poderiam assistir a vídeos do TikTok e do YouTube. Eles poderiam. Só o que não poderiam é se registrar nesses sites, fornecendo dados pessoais, publicando conteúdo próprio e oferecendo aos algoritmos um prato cheio para que sejam bombardeados de informação.
Escolas sem celular
A maioria das escolas diz que proíbe o celular, mas não é bem assim: quase sempre, só o que se exige é que os alunos não tirem o celular do bolso durante a aula. Pesquisas mostram que a maioria dos alunos usa, sim, o celular dentro de sala. Usam também na hora do lanche, nos horários livres e no recreio – momentos em que eles deveriam interagir com os colegas face a face. A única maneira de fazer com que os alunos não pensem no celular durante as aulas é exigir que todos guardem o aparelho (assim como outros dispositivos que possam enviar ou receber mensagens) em um armário ou bolsa trancada no início do dia. As escolas que adotaram essa norma relatam consistentemente que isso melhorou os hábitos dos alunos. Eles se tornaram mais atentos e interativos. Há estudos que confirmam essas afirmações.
Mais independência, mais brincadeiras e mais responsabilidade no mundo real
Muitos pais têm medo de dar aos filhos o mesmo nível de independência que eles próprios tiveram na juventude – embora, ao menos nos Estados Unidos, a ocorrência de homicídios, embriaguez ao volante e outras ameaças tenha diminuído nas últimas décadas. O medo também provém do fato de que os pais se baseiam uns nos outros para definir o que é normal, e veem poucos exemplos de famílias que deixam uma criança de 9 anos caminhar sozinha até uma loja. Mas se muitos pais começassem a mandar as crianças brincar fora de casa ou fazer pequenas tarefas na rua, a régua que mede o que é seguro ou não aos poucos mudaria – assim como as noções sobre o que significa ser um bom pai. E se mais famílias confiassem tarefas aos filhos – por exemplo, pedindo que eles ajudem mais em casa, ou cuidem de parentes –, a falta de propósito sentida por muitos desses jovens começaria a se dissipar.
O celular é um bloqueador de experiências. Nosso objetivo, como sociedade, não deve ser aposentar totalmente as telas, nem fazer com que a infância volte a ser como era em 1960. O intuito é criar uma versão de infância e adolescência que mantenha os jovens ancorados no mundo real e, ao mesmo tempo, se desenvolvendo na era digital.
Uma função essencial do Estado é resolver problemas de ação coletiva. Nos Estados Unidos, o Congresso poderia ajudar com alguns desses problemas – por exemplo, elevando a maioridade na internet para 16 anos e exigindo que as empresas de tecnologia excluam as crianças que estão cadastradas nos seus sites. Mas a verdade é que, para transformar a realidade imediata, nós mesmos precisaremos fazer a maior parte do trabalho – agindo aos poucos, em grupos de bairro, nas escolas e em todos os tipos de comunidade.
Existem nos Estados Unidos centenas de organizações – a maioria criada por mães – que tentam reverter os danos que o celular causou em crianças e jovens. Fui cofundador de uma delas, a LetGrow.org. Nosso grupo sugere ações simples que podem ser adotadas pelos pais ou pelas escolas. Uma delas é o play club: o colégio mantém seu playground aberto pelo menos um dia por semana, antes ou depois do horário escolar, e as crianças se inscrevem para brincar sem celular, livremente, com alunos de várias idades, como uma atividade semanal regular. Outra é a Let Grow Experience: uma série de tarefas domésticas em que os alunos – com o consentimento dos pais – escolhem algo para fazer por conta própria que nunca fizeram antes, como passear com o cachorro, escalar uma árvore, preparar o jantar.
Mesmo sem a ajuda de uma instituição, os pais são capazes de superar as armadilhas das redes sociais quando se coordenam com outros pais. Juntos, podem criar regras para o uso do celular que valham para todos, organizar horas em que as crianças possam brincar livremente sem supervisão, ou incentivar encontros em casa, no parque ou no shopping center.
As quatro normas que propus não custam quase nada para serem implementadas, não causam danos a ninguém e, embora possam ser transformadas em lei, não dependem disso. Podemos começar a aplicar todas de imediato, este ano, especialmente em lugares onde há uma boa cooperação entre escolas e pais. Um simples comunicado de um diretor escolar, pedindo aos pais para reter o uso do celular e das redes sociais, poderia catalisar uma ação coletiva.
No início da década de 2010, nós não sabíamos o que estávamos fazendo quando permitimos que nossos filhos tivessem celulares. Agora sabemos – e precisamos corrigir o estrago.
Este artigo foi publicado originalmente na revista The Atlantic. Trata-se de um trecho adaptado do livro The Anxious Generation: How the Great Rewiring of Childhood Is Causing an Epidemic of Mental Illness (A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais).