minha conta a revista fazer logout faça seu login assinaturas a revista
piauí jogos

    Ilustração: Paula Cardoso

questões digitais

Instagram tira do ar post que fazia propaganda de sorteio de vacina

Medicamentos, cosméticos e saúde respondem por 16% dos processos sobre publicidade irregular instaurados pelo Conar no ano passado

João Batista Jr. | 19 mar 2021_18h04
A+ A- A

Na segunda-feira, dia 15 de março, a gaúcha Malu Schmidt fez propaganda no Instagram de um sorteio de vacina contra a gripe que seria realizado pela Clínica Imuniza. O perfil da influenciadora soma 282 mil seguidores. Já a clínica que patrocinou o post de Schmidt dispõe de quatro unidades no Rio Grande do Sul, estado que tem hoje quase 100% dos leitos de UTI ocupados por causa da pandemia de Covid-19. O Instagram, porém, veta conteúdos dessa natureza. A plataforma, com 1 bilhão de usuários ativos no mundo, proíbe que indivíduos, fabricantes e varejistas a utilizem para comprar, vender ou divulgar toda espécie de droga, desde as não medicinais até remédios controlados e vacinas. Embora não forneça dados precisos sobre o assunto, o Instagram derruba diariamente publicações que violam essas e outras regras, como posts que exibem seios femininos ou volumes excessivos na sunga e na cueca de homens.

A propaganda de Schmidt permaneceu online durante doze horas. Só saiu do ar depois que a piauí procurou o Instagram para comentar o caso. O uso da plataforma para a divulgação de sorteio de vacinas é, até onde se sabe, algo inédito. “Conteúdos que violam as políticas e diretrizes da comunidade do Instagram são removidos”, explicou a companhia numa nota. Sortear vacinas é ilegal no Brasil. Apenas bens de consumo – como carros, geladeiras, smartphones, passagens aéreas e ingressos de shows – podem ser oferecidos dessa maneira, desde que a iniciativa tenha autorização do Ministério da Economia, responsável por chancelar a lisura do processo.

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) não faz controle prévio de anúncios, mas reforça que propagandas como a de Schmidt e da Imuniza ferem tanto a lei brasileira quanto o código de ética da publicidade. O órgão não tomou nenhuma providência contra a influenciadora e a clínica porque só soube do post depois que o Instagram o derrubara. A entidade pede que, em casos semelhantes, os próprios usuários da plataforma façam uma denúncia. “Se verificarmos indícios concretos de infração, abriremos uma investigação e poderemos até requerer uma liminar para a remoção do anúncio”, diz a advogada Juliana Nakata Albuquerque, diretora de acompanhamento processual e coordenação do Conar. Entre os 276 processos instaurados pelo conselho em 2020, 16,3% são ligados ao setor de medicamentos e cosméticos. 

A propaganda retirada de circulação pretendia atrair clientes para a clínica, que começou a fazer uma lista de espera dos interessados em tomar a vacina da gripe. Quem quisesse entrar na fila precisaria desembolsar 130 reais (em dinheiro) ou 150 reais (no cartão de crédito). Numa série de stories, que totalizava três minutos de duração, a influenciadora também dizia que vai faltar imunizante contra a gripe no Brasil em 2021. Recomendava, então, que seus seguidores garantissem o nome na fila de espera da Imuniza. Ela dava a entender que a vacina fornecida pela rede privada, a quadrivalente, é melhor do que a administrada pela rede pública, a trivalente. Prometia, ainda, mochilas do Batman, quebra-cabeças do Mickey e outros brindes para os filhos das “mamães” que participassem do sorteio.

“Oi, oi, oi. Já estou aqui na salinha da Imuniza”, avisava Schmidt no post patrocinado. “Hoje eu vim aqui garantir e já colocar na fila o meu nome e o nominho do… (menciona o nome de seu filho) para a vacinação da gripe. Como eu falei para vocês, a Imuniza já se preparou para a chegada da vacina para este ano. Como vocês sabem, a rede privada começa a vacinação bem antes da rede pública. Porém, por mais um ano consecutivo, já tem previsão de que vai estar faltando a vacina da gripe também na rede privada. Então, gente, para garantir, a Imuniza já está fazendo a lista para a chegada imediata das vacinas. Vocês podem estar entrando em contato por Instagram e telefone aqui da clínica. A vacina tem valor superbom.”

Em seguida, a influenciadora afirmava: “A vacina da rede privada [oferece] proteção quadrivalente e a da rede pública, trivalente. Vale a pena se imunizar e se garantir, porque vai faltar. No ano passado, tinha filas atrás da vacina da gripe. Então, se antecipem. Liguem e deixem reservados os nomes. Também lembrando que os sintomas da gripe são muito parecidos com os da Covid. Então, até para evitar estar se deslocando para o hospital, com sintomas e tudo mais. Evitar mais aglomeração nos hospitais…”

“Esse sorteio é uma tremenda barbaridade e abre um precedente: daqui a pouco, vão sortear e vender vacina para a Covid pela rede social?”, questiona o pediatra e geneticista Salmo Raskin, presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria. “Além do mais, é mentirosa essa história de que vai faltar vacina no Brasil.” À piauí, o Ministério da Saúde negou o apagão do imunizante: “No dia 12 de abril, iniciaremos a 23ª. Campanha Nacional de Vacinação contra a gripe, com público-alvo estimado em 79,7 milhões de brasileiros. Serão entregues a todos os estados – responsáveis pela distribuição aos municípios – 80 milhões de doses da vacina influenza trivalente para imunização do público-alvo pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A meta é vacinar, pelo menos, 90% dos grupos prioritários.”

Quanto à comparação entre os imunizantes das redes pública e privada, Raskin é igualmente taxativo: “Não faz sentido compará-los. Um é ótimo e o outro é excelente.” A vacina trivalente, da rede pública, protege contra as três principais cepas do vírus influenza que circulam pelo Brasil. Já a quadrivalente, da rede privada, protege contra quatro. “Quem usar qualquer uma delas pode e deve se sentir seguro”, enfatiza o médico.

A influenciadora gaúcha não colocou em sua postagem e nos stories a #Publi, conforme determina o Conar. Ela pediu desculpas caso tenha parecido que desmereceu a vacina pública. “Em nenhum momento, tive a intenção de desqualificar o SUS.” Para Fernanda Bastos, dona da Clínica Imuniza, a ação publicitária equivalia quase a um trabalho social. “Nosso objetivo era desafogar o SUS, deixando-o mais livre para aqueles que realmente necessitam dele. O que fizemos foi unir forças em prol da sociedade: Malu Schmidt, como cidadã que agrega um grande número de seguidores, utilizou sua rede social para dar voz à nossa luta de informar que as pessoas não precisam, necessariamente, depender de uma esfera se, porventura, tiverem condições de alcançar a outra.” Nem a influenciadora nem a Imuniza informaram o cachê envolvido na ação publicitária.

De acordo com Carlos Orsi, cofundador do Instituto Questão de Ciência, a desinformação sobre assuntos relativos à saúde teve impacto direto na dimensão que o novo coronavírus alcançou no país. O instituto é uma associação sem fins lucrativos que estimula o uso de evidências científicas nas políticas públicas. “Dois fatores ajudaram a amplificar a pandemia no Brasil: a omissão do governo em transmitir mensagens importantes, como a necessidade de as pessoas utilizarem máscara, e o emprego da máquina estatal para promover o tratamento precoce da doença, já rechaçado pela ciência”, afirma Orsi. “Esses dois aspectos acabaram legitimando a ação de médicos que defendem a cloroquina (os ‘cloroquiners’) e de influenciadores sem compromisso com a verdade.”

Assine nossa newsletter

Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí