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    Eduardo Paes, prefeito eleito do Rio - Intervenção de Paula Cardoso sobre fotos de Yuri Barichivich/Folhapress e Marcelo Fonseca/Folhapress

questões eleitorais

Inválidos, Paes e o Bispo

Paes derrota Crivella em todas as 49 zonas eleitorais, mas perde para abstenções em números absolutos

Hellen Guimarães | 30 nov 2020_17h07
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“Com ela não tem caô”, garante MC Maneirinho no hit Que Saudade da Minha Ex, compartilhado à exaustão por parcela do eleitorado do Rio de Janeiro nos últimos quatro anos. Boa parte dos cariocas até vê caô no ex, agora prefeito eleito, mas a vontade de mandar embora o atual titular do cargo supera qualquer tipo de reserva ou ressentimento, conforme atestam as estatísticas do pleito. Na tentativa frustrada de reeleição, numa campanha que favorecia este resultado mais do que qualquer outra, Marcelo Crivella (Republicanos) não conquistou nem 1 milhão de votos dos 4,8 milhões possíveis. Perdeu até as cinco zonas eleitorais onde venceu no primeiro turno: todos os 49 locais de votação da cidade preferiram seu adversário no segundo. A derrota de Crivella é acachapante, mas Paes também foi batido por outro rival: o número de abstenções supera em quase 100 mil o total de votos obtidos pelo prefeito eleito. Somado a brancos e nulos, o “não voto” vai a 2,3 milhões, quase 680 mil a mais que o total de Paes.

Terceiro prefeito de capital mais votado do país em 2020, o candidato do DEM teve 64,07% dos votos válidos. Ao primeiro anúncio do resultado, muitas janelas pela cidade ecoavam não seu nome, mas gritos de “Fora Crivella” — ao contrário de 2018, por exemplo, quando o presidente Jair Bolsonaro foi ovacionado por seus eleitores nos quatro cantos do Rio. O apoio explícito do presidente, aliás, era o guardião dos sonhos de Crivella, mas não evitou a queda do bispo no xadrez eleitoral carioca.  Entre os 1,63 milhões de votos em Paes há, além de apoiadores convictos, esquerdistas e bolsonaristas igualmente insatisfeitos com a atual administração;; servidores municipais da Saúde e da Educação queixosos de atrasos e falta de reajustes salariais; cidadãos carentes desses mesmos serviços e um consenso de que “a cidade está largada” em termos de zeladoria. Entretanto, assim como Bolsonaro anunciou o apoio a Crivella dizendo que “não brigaria” caso seus apoiadores votassem no “bom gestor” Eduardo Paes, o prefeito eleito acenou a um dos filhos do presidente, Flávio, numa de suas primeiras entrevistas, dando indícios de que a derrota do candidato bolsonarista pode não contrariar o Planalto tanto assim.

Os maiores percentuais de Paes foram obtidos nas cinco zonas eleitorais da Zona Sul, vinculadas a Copacabana, Jardim Botânico e Laranjeiras. Nas três regiões, ele obteve mais de 80% dos votos. No Maracanã, Tijuca, Méier e em uma zona eleitoral da Barra, o percentual de Paes ultrapassou 70%. Já Crivella encostou no placar principalmente na Zona Oeste, obtendo mais de 45% dos votos em doze zonas, espalhadas por Santa Cruz, Campo Grande, Jardim Sulacap e Deodoro, além de Irajá e Olaria (essas duas últimas na Zona Norte).

No primeiro turno, Crivella ganhou em três das quatro zonas eleitorais de Campo Grande, em uma de Jardim Sulacap e outra de Olaria. Mesmo assim, foi por muito pouco: somente em uma delas a vantagem sobre Paes passou de 1 ponto percentual, na 122ª (Campo Grande), totalizando 1,31 (29,77% x 28,46%). No segundo turno, o local também concedeu votação expressiva para Crivella, mas a vantagem de Paes, de 4,22 pontos, foi mais que o triplo daquela obtida pelo atual prefeito no dia 15.

Outros 1,72 milhões preferiram sequer ir às urnas neste domingo, totalizando uma abstenção de 35,45% do total do eleitorado. A taxa é alta, bem superior a 2016, quando Crivella foi eleito com cerca de 500 mil votos a mais que Marcelo Freixo (Psol), mas superando as 1,31 milhões de ausências (26,85%). Em 2012, Paes levou o pleito ainda no primeiro turno, também contra Freixo, com abstenção de 20,45%. Ressalvando-se que a abstenção tem crescido no país nos últimos anos e é tradicionalmente maior no segundo turno que no primeiro, a do Rio esteve acima da média nacional nos últimos dois pleitos municipais (de 23,14% no primeiro turno de 2016 e 29,5% no segundo em 2020). 

Enquanto o PDT de Martha Rocha adotou a neutralidade neste segundo turno, o PT de Benedita da Silva e o Psol de Renata Souza declararam voto “contra Crivella”, sem defender explicitamente o nome de Paes, mas reforçando a posição de tirar o atual prefeito do cargo. Deixando o pudor de lado, outro grupo de opositores foi mais eloquente, num resumo perfeito do que foi esta eleição no Rio: a página “Fora Eduardo Paes”, com quase 30 mil curtidas no Facebook, declarou voto em Eduardo Paes assim que saiu o resultado do primeiro turno. Criada em 2011, ainda no fim do primeiro mandato de Paes na prefeitura, a página já o havia apoiado em 2018, na disputa contra Wilson Witzel pelo governo do estado.

É difícil mensurar o quanto de descrença no bispo se transformou em fé genuína no ex. O próprio Paes admitiu, em seu discurso de vitória, que a alta rejeição ao adversário foi determinante na campanha. “Eu sei que esse é um momento em que os cariocas não só disseram sim às nossas propostas, mas quero anunciar aqui, decretar, enfim, comemorar junto com todos os cariocas que o Rio está livre do pior governo de sua história. […] Essa vitória de hoje é muito significativa, mas tenho certeza também que, independentemente das forças políticas que foram às urnas hoje, nos apoiar em nossa campanha, direita, esquerda, ao centro, elas também queriam dar um não muito contundente a esse governo reacionário, que foi ruim na gestão, piorou a vida das pessoas e olhou a cidade com muito preconceito”, disse, agradecendo a partidos como Psol e PT pelo “voto crítico” e defendendo o diálogo na política.

Sufocadas pelo bispo nos quatro anos de mandato, a maioria das grandes escolas de samba do Rio declarou apoio a Paes ainda no início do primeiro turno. Com vantagem de 15 pontos percentuais nas urnas, ele não compareceu ao primeiro debate do segundo turno, na CNN, porque estava na quadra da Portela comemorando o aniversário de 80 anos de Tia Surica. A maior campeã do carnaval carioca, da qual Paes é sócio benemérito, comemorou efusivamente o resultado deste domingo em nota oficialMas até a escola do coração do prefeito eleito viralizou pela rejeição ao bispo: a matriarca octagenária e sua sincera declaração de voto, transmitida ao vivo pelo YouTube, desconcertaram até o candidato com fama de malandro.

A bala de prata do prefeito saiu pela culatra: ao partir para o ataque no último debate, na Globo, em meio a falas sobre mandamentos e juízo final, Crivella disse que Paes gostava de desfilar no Carnaval “com chapeuzinho de Zé Pelintra”. A referência em tom de desdém a uma entidade da umbanda e ao chapéu panamá, símbolo dos sambistas, foi recebida como mais um ataque do prefeito à festa e uma demonstração de intolerância religiosa. Resultado: milhares de cariocas, anônimos e famosos, saíram para votar com os chapéus panamá neste domingo. A loja do Salgueiro viu o estoque se esgotar. Alguns mais animados providenciaram até a camisa listrada de malandro e, nas redes, não faltou quem brincasse que estava indo votar no “Zé Pilantra” para tirar o prefeito “preconceituoso” do cargo.

Marcelo Crivella começou a campanha como o prefeito de capital mais rejeitado do país, com 66% dos entrevistados avaliando sua administração como ruim/péssima. Termina com 57% de ruim/péssimo e o segundo pior resultado entre os postulantes à reeleição, atrás apenas de Nelson Marchezan Jr., que sequer chegou ao segundo turno em Porto Alegre. Difícil acreditar que deixará saudades.

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