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    O diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, na entrevista coletiva sobre a Operação Eleições 2022 no segundo turno Marcelo Camargo/Agência Brasil

questões do aparelhamento policial

Investigações sobre o diretor da PRF estão protegidas por sigilo de 100 anos

* Bloqueio de ônibus no domingo foi ordem do diretor da PRF
* Como a polícia rodoviária virou instrumento do bolsonarismo

Allan de Abreu | 01 nov 2022_12h24
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O repórter Allan de Abreu é autor de uma reportagem, publicada na edição de agosto da piauí, que mostra como a Polícia Rodoviária Federal foi cooptada pelo bolsonarismo e como seu atual diretor, Silvinei Vasques, é protegido em investigações internas. No dia da eleição, a PRF instalou barreiras nas estradas, sobretudo no Nordeste, para dificultar o acesso dos eleitores à urna. A piauí apurou que o bloqueio de domingo partiu de uma ordem expressa do próprio diretor da PRF. Depois, com o anúncio da vitória de Lula na noite de domingo, caminhoneiros bolsonaristas começaram a obstruir algumas rodovias pelo país, contando com a leniência – e, às vezes, o apoio – de agentes da PRF.

Os principais pontos da reportagem:

* O atual diretor da PRF, Silvinei Vasques, foi indicado para o cargo por Flávio Bolsonaro. Ele já foi investigado por cobrar propina de uma empresa de guincho interessada em atuar nas rodovias federais da região de Joinville, em Santa Catarina. Segundo consta no inquérito, Vasques ameaçou matar um dos chantageados “com um tiro na testa”, pois “nada tinha a perder”. O caso se arrastou tanto na Justiça que acabou prescrito. Em 2000, foi processado por espancar um frentista de posto de combustível. A vítima ganhou indenização de 71 mil reais na Justiça, valor que a Advocacia-Geral da União cobra de Vasques até hoje. O caso levou a corregedoria da PRF e o Ministério da Justiça a pedirem a expulsão de Vasques da corporação. A investigação, de novo, prescreveu.

* Ao longo de sua carreira, Vasques respondeu a oito sindicâncias internas da PRF. Quem quiser saber detalhes de cada uma delas só terá acesso aos dados no ano de 2121, pois o governo federal, para proteger o policial, decretou sigilo de 100 anos sobre os processos. A decisão do governo foi tomada quando o portal Metrópoles, com base na Lei de Acesso à Informação, pediu para conhecer o conteúdo das sindicâncias.

* A gestão de Vasques, iniciada em abril do ano passado, tem sido marcada pelo investimento em inteligência da PRF, com a compra de softwares de rastreamento, identificação e interceptação de números de aparelhos celulares. É um mau sinal. A PRF é uma polícia ostensiva, e não judiciária, como a Polícia Federal, a quem cabe investigar crimes. Por isso, é estranho seu interesse em investigações sigilosas, muitas delas com equipamentos invasivos, cujo uso só é possível com autorização judicial. “Não há controle nem transparência sobre a atividade de inteligência policial no Brasil, o que aumenta o risco de que esses equipamentos sejam utilizados com fins políticos, violando uma série de garantias fundamentais”, alerta Gabriel de Carvalho Sampaio, da Conectas Direitos Humanos, uma ONG na qual ele coordena um programa de combate à violência institucional.

* De todas as forças policiais do Estado, incluindo as polícias militares, a PRF tem sido a mais maleável às intenções do presidente de colocar uma força armada a serviço de seus interesses e, se for o caso, acima da lei. “A PRF não se constrange em ser bolsonarista porque não há uma cultura organizacional de resistência às ingerências políticas”, diz Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma ONG que estuda o assunto e busca dar transparência aos dados sobre violência e políticas de segurança.

* As manobras do governo de Bolsonaro para ampliar os poderes da Polícia Rodoviária Federal, antes claramente limitados à vigilância ostensiva nas estradas federais, criou um contencioso com a Polícia Federal, que se incomodou com a usurpação de suas prerrogativas. De 2019 a 2021, o órgão recebeu 54% mais recursos do que no triênio anterior. Em 2022, os irmãos Flávio e Eduardo Bolsonaro mandaram 3,6 milhões de reais para a PRF por meio do orçamento secreto.

* Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas, ONG que trabalha para reduzir os acidentes nas rodovias, resume a situação: “No atual governo, a Polícia Rodoviária tornou-se um instrumento político nas mãos do presidente. Negligenciaram a fiscalização do trânsito para assumir outras funções fora das rodovias.” De fato, no processo de bolsonarização, a PRF expandiu suas ações longe das estradas. De 2019 até o mês de junho passado, policiais rodoviários prenderam 1 226 pessoas em municípios onde não há nenhuma estrada federal.

* Em outubro do ano passado, a tropa de elite da PRF deflagrou uma operação para desbaratar a quadrilha de assaltantes de banco em Varginha, no Sul de Minas Gerais. A operação resultou na execução de todos os 26 assaltantes – alguns estavam dormindo, outros desarmados –, num festival de irregularidades. Eram tantas as ilegalidades da ação, que começou com a instalação de uma escuta clandestina irregular, que a superintendência da Polícia Federal em Minas Gerais se recusou a participar da operação. Os filhos do presidente, Flávio e Eduardo, comemoraram a operação nas redes e parabenizaram a PRF.

* A PRF parece hoje uma sombra da força que surgiu em 1928 com o nome singelo de Polícia de Estradas e que, na década de 1960, já batizada de Patrulha Rodoviária Federal, ganhou popularidade entre a garotada com o seriado Vigilante Rodoviário, exibido na TV Tupi, em que o inspetor Carlos e seu cão Lobo combatiam o crime nas estradas a bordo de um Simca Chambord ou uma Harley-Davidson. Naquela época, a PRF era apenas uma guarda armada. Ao flagrar algum crime na estrada, detinha o infrator e o levava até a delegacia.

A íntegra da reportagem está aqui.

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Após a publicação desta reportagem, a assessoria de comunicação da PRF contatou a piauí para acrescentar a seguinte informação: no caso da suposta cobrança de propina de Silvinei Vasques contra donos de guinchos em Santa Catarina, a Justiça rejeitou a denúncia não apenas pela prescrição do caso, mas também por mas também por entender que faltava “justa causa para o exercício da ação penal”, conforme estabelece o artigo 395 do Código de Processo Penal.
Texto atualizado em 11 de novembro de 2022

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