Daquele Instante em Diante, documentário sobre Itamar Assumpção, é a pedida para este dia em que celebramos a Indepedência do Brasil. O filme dirigido por Rogério Velloso revela um artista maior que sua fama (de maldito, para muitos). É um retrato vivo deste que foi um dos mais agudos integrantes do hall dos músicos que definiram a música brasileira atual, quanto ao posicionamento mais autoral, de compositores como produtores, donos de suas carreiras.
Sem dar muita ênfase aos aspectos polêmicos da vida pessoal de Itamar, revelando inclusive um lado mais ameno, de pai e marido cuidadoso, cultivador de orquídeas – que lhe renderam o nome da sua banda Orquídeas do Brasil -, a escolha do diretor foi por um foco mais musical, destacando a controversa posição do músico, morto em 2003, aos 53 anos, vítima de câncer, perante o mercado fonográfico.
Os 20 anos da carreira de Itamar Assumpção, de fato, retratam nuances que cercam a trajetória da música independente do Brasil. Um luta de um artista inconformado com o seu tempo. Incondicional à sua verve autoral, ele não se curvou as concessões que o meio musical impunha. E sofreu com a falta de reconhecimento de sua obra em vida. Segundo a poeta e parceira musical Alice Ruiz, Itamar não aceitava “ter nascido para ser póstumo”.
Nove dos seus doze discos foram lançados por ele próprio ou por selos independentes, numa época em que isso significava uma divulgação e distribuição praticamente nulas. Um dilema para uma obra musical com potencial popular. Como disse o baixista do Isca de Polícia e fiel escudeiro Paulo Lepetit: “o sucesso bateu várias vezes na porta do Itamar, mas ele nunca atendeu”.
Itamar Assumpção sonegou o sucesso em nome da liberdade de criar, mesmo que isso significasse discos gravados de forma precária. Mas para muitos – eu incluso – é aí que reside a força discos da fase de Itamar à frente da banda Isca de Polícia, como “Sampa Midnight” e “Às Próprias Custas S/A”. São pedras preciosas brutas, sem lapidações.
Rogério Velloso se empenhou em desfazer a ideia de que Itamar se predispunha à vanguarda para se opor ao popular. “É como se, para chegar até as pessoas, eu precisasse evitar ser popular”, disse Itamar numa das suas declarações no filme. Numa outra, tendo ao fundo o verso “ser carioca e baiano/ por que que eu não pensei nisso antes?” da canção que dá título ao filme, Itamar questiona a renovação da música no Brasil: será que a música brasileira vai ser sempre Caetano e Gil?”.
Tive a oportunidade de assistir ao show da Isca com participação de Arrigo Barnabé – que, segundo Itamar, o ensinou sobre música atonal e música contemporânea – no Projeto Pixinguinha. Ali, entre as ações de Itamar Assumpção, do soberbo baterista Gigante Brazil, morto em 2008, do baixista Paulo Lepetit e do guitarrista Luiz Chagas, residia uma música que pulsava com intensa originalidade. À frente do seu tempo, desafiando tons, desconstruindo padrões rítmicos do samba, reggae, funk. Atropelando as restrições do mercado fonográfico com arte, mostrando “com quantos nãos se faz um sim”.
Ao final de Daquele Instante em Diante, ao vê-lo cantar a capella os versos de “Dor Elegante” – “ópio, édens, analgésicos/ não me toquem nessa dor/ ela é tudo que me sobra/ sofrer vai ser a minha última obra” – totalmente emocionado, por um momento pensei em Itamar como um herói, ou mártir, além de iconoclasta, da música independente brasileira.
Trailer do filme Daquele Instante em Diante