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questões ambientais

“Um menino que luta”

Aos 16 anos, o paraense João do Clima amplifica a voz da juventude das ilhas

21dez2025_07h08
Daniel Bergamasco

Um dia João Victor se cansou do lixão que entupia a vizinhança e decidiu convocar uma manifestação. Começava a nascer ali o João do Clima

Nem faz muitos anos que deixou a infância, mas João Victor da Costa da Silva, de 16 anos, diz que se lembra pouco dela. Brincadeiras? Referências? Ele pensa, instaura-se um silêncio na conversa, e então lhe vem à cabeça o longa-metragem de animação Lorax, que descreve em detalhes.

 

“É sobre uma cidade onde não existem mais árvores naturais. Só árvores de plásticos, artificiais. E o ar é vendido”, diz. “E existe um menino que luta”, continua. “Ele gosta de uma menina. Ela desenha árvores naturais e o sonho dela é ter uma árvore natural. E ele, em busca do amor dela, vai buscar uma semente. E aí tem toda uma história por trás. Ele acha a semente e traz para a cidade. Planta de novo a árvore e as pessoas da cidade começam a ter o amor, resgatam esse amor de novo pela natureza e tal. E aí o grande empresário que vendia o ar é derrotado e expulso da cidade.”

 

São meados de junho e o adolescente fala à piauí no pátio de um hotel de Belém, cidade aonde havia chegado para se apresentar no palco do evento TedEx Amazônia. Não como João Victor, mas sob o apelido que adotou, João do Clima.

 

 

 

A série de palestras aconteceu no Theatro da Paz, um colosso de 900 lugares com balaústres folheados a ouro, piso de madeiras em mosaico de pau-amarelo e acapu, e escadas de mármore italiano, construído há quase um século e meio, graças ao dinheiro que escorria abundante no ciclo da borracha. João foi do hotel para lá de van, acompanhado do avô, o mestre de obras aposentado José Ribamar Araújo, um sujeito tranquilo e afetuoso de 78 anos. 

 

No palco, contou sua história. Ele vive na ilha de Caratateua, conhecida como Outeiro, repleto de praias de água doce, com os avós maternos, uma irmã e uma prima. Desde 2023, tem se tornado um militante pela “juventude insular”, dedicado aos problemas de quem mora nas ilhas, como o isolamento que atrasa a chegada de serviços públicos. 

 

“A Amazônia também é feita por ilhas”, lembrou no palco do teatro, no qual apresentou números sobre a queda da cobertura vegetal da península, a erosão costeira e a polêmica extinção da Funbosque, uma fundação municipal de ensino ambiental. Encerrou sua apresentação com a frase: “Não vamos deixar que arranquem do chão as raízes do nosso amanhã.” Ao dar o ponto final, se abaixou para pegar do chão um pequeno cartaz impresso em verde, amarelo e preto, que ergueu acima da cabeça: “Não há Justiça climática sem Justiça social.”

 

 

 

É uma frase muito repetida por ele, ao tocar em diferentes assuntos, até mesmo a morte da mãe, por câncer de pele, quando o garoto tinha cerca de 6 anos de idade. Ela trabalhava em uma loja em Belém e tinha que pegar múltiplos ônibus e andar longos trechos a pé para ir da ilha ao centro da cidade. “Ela pegava muito Sol no caminho. Surgiu um sinal de pele, que depois virou um câncer. Essa falta de estrutura de transporte, de logística [a prejudicou]. Em um mundo socialmente e ambientalmente mais justo, isso não aconteceria.”

 

Ele prossegue:

 

“Eu aprendi um termo muito interessante que é a necropolítica [termo cunhado pelo cientista político e filósofo Achille Mbembe para se referir a correntes ideológicas que empregam a violência e a desigualdade como forma de manutenção e extensão do poder], essa política na qual a gente tem que trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar, e o pai não tem tempo para ouvir seu filho, a pessoa não tem tempo para curtir a natureza. A ilha de Caratateua já foi conhecida como dormitório, de onde nossos pais saíam para trabalhar no Centro. Só vinham para casa para dormir e não curtiam a praia que as pessoas de fora vêm para usufruir.”

 

 

 

A primeira causa na qual se engajou estava praticamente debaixo de seu nariz. Existia um lixão enorme ali na rua de casa, que cheirava mal, atraía ratos e insetos. “E estava quase fechando a rua, já que os carros não passavam mais”, conta. “E aí, um belo dia, sentado na frente da minha casa com a minha tia, a gente sentiu no coração o desejo de fazer algo. E aí em casa eu preparei um post e publiquei na internet [um aviso de] manifestação. Quando chegou o dia, não apareceu ninguém. Aí passou uma senhorinha com uma enxada e disse: ‘Já tô indo.’ Renasceu a esperança. Começou a aparecer muita gente e, em três dias de luta, acabamos conseguindo que a prefeitura tirasse o lixão da comunidade. Hoje nossa rua está limpa, graças a Deus. Conseguimos renascer aquele local, que é agora uma praça, um espaço para a juventude, para as crianças. Foi a primeira vez que fui para a rua para uma causa, por uma pauta.”

 

A atuação virou notícia na imprensa local e ele foi convidado para o evento Diálogos Amazônicos, em agosto de 2023, onde teve direito a fazer um discurso. De lá para cá, acumula títulos e eventos nos quais se consolidou. Neste ano, viajou a Brasília para ser empossado conselheiro jovem do Unicef Brasil e, na COP30, em novembro, ganhou outro título, o de ativista global do Unicef. 

 

Em junho, celebrava os primeiros mil seguidores no Instagram. “Somos 1K!”, postou. Agora, já passam dos 18 mil. E faz da rede social um instrumento para passar suas mensagens.

 

 

 

 

João sempre gostou de visitar museus, aprendeu a ler cedo e costumava retirar três livros por vez na biblioteca. Tem em casa uma edição de Pigmeus – Defensores da Floresta, de Rogério Andrade Barbosa. “Eu sempre fui chamado de muito baixinho e também me chamavam de pigmeu. Um dia desses estava lendo para o vovô que os pigmeus eram um povo da África, que eram muito baixinhos também, que o Criador desenhou eles pelo barro e deu uma ordem que era para eles cuidarem da natureza. Muitas pessoas ofendiam eles por serem pequenos, mas eles que preservavam tudo aquilo. E eu sou muito ofendido também pela minha deficiência física, né? Eu tenho 15 anos, mas tenho baixa estatura por uma deficiência óssea. E aí, quando eu vejo essa história, eu me identifico demais, sabe? Muito bonito.”

 

A deficiência de João ainda não foi diagnosticada. Segundo ele e seu avô, nenhum médico dos hospitais públicos que procuraram (“eles não têm plano de saúde complementar), e onde fizeram exames de sangue e de imagem, chegaram a uma conclusão.

 

 

Aluno mais afeito às ciências humanas (quando perguntado sobre matemática, responde: “Misericórdia!”), João pensa em fazer faculdade de direito. É bom de oratória no palco ou fora dele, com uma fala clara e firme treinada nos anos em que frequentou os cultos da igreja Adventista do Sétimo Dia e na campanha vencedora para o grêmio da escola. Nas entrevistas, se mostra sempre assertivo. É admirador da ativista sueca Greta Thunberg, que também se projetou na adolescência como ativista ambiental. “Só tem algumas pautas dela que não se encaixam com a minha, algumas falas dela sobre não acreditar mais na conferência do clima”, exemplifica.

 

Já cogitou entrar para a política no futuro, mas andou revendo a ideia depois de notar a aproximação de oportunistas tentando cavar uma foto. E eles chegam como? “Com uma lábia, meu amigo!”, sorri.

 

Por falar em política, seu avô diz que, em um país tão polarizado, tratar do assunto na comunidade da igreja também é um desafio.

 

 

“A primeira lei ambiental foi instituída no Éden, né? ‘Cuidar e cultivar o jardim.’ Será que nós, os cristãos, fazemos isso? E ainda honramos o título de guardadores do jardim?”, comenta. “É irônico porque essa foi a primeira ordem de Deus para o homem. Mas a gente ainda sofre muitos tabus da Igreja e complexidade de falar sobre meio ambiente, falar sobre preservação ambiental, porque vai além de política, vai além de ideologia. Isso é a nossa ética, o nosso princípio de cuidar do próximo, amar o próximo e com isso, adorar o Criador, cuidando da criação.”

 

Na COP30, João foi nomeado “ativista global do Unicef”

 

 

 

 

 

Nos meses em que antecederam a COP30, um dos temas que inquietavam João eram os navios na Ilha de Caratateua como hospedagem alternativa para a conferência do clima. Passada o evento, ficou contrariado com a explosão de turistas no local e o descarte de lixo plástico.

 

Durante os dias de evento, teve atividades da militância dentro e fora da zona azul, o coração do evento, onde estavam lideranças do mundo inteiro. “Eu vinha acompanhando algumas COPs pelo computador. Estar nesse espaço é uma conquista”, diz. 

 

“Foi uma COP histórica, pela mobilização popular. A gente nunca teve uma outra COP assim, com o poder popular atuando, os povos indígenas ocupando a blue zone. Renasceu essa esperança popular contra a crise climática, contra a crise ambiental, e pelas pautas sociais no Brasil. Unificamos os povos e as vozes.”

 

 

Sobre os avanços de negociações dos países em prol do planeta, avalia que a COP no Brasil “prometeu muito e entregou pouco, porque enfrentou muitos obstáculos. Mas seguimos. Estamos ainda na COP30. Não é na trigésima que vai se resolver tudo”, diz o garoto, com uma vida toda pela frente. 

 

*O jornalista viajou a Belém a convite do evento TedEx Amazônia

 

 

 

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