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Jogo do Deita

Depois do Jogo do Senta, acontecido há quase setenta anos e tema do post publicado na última quarta-feira, semana passada tivemos o Jogo do Deita. Sem receber salários há dois meses e direitos de imagem há quatro, os jogadores do Grêmio Barueri decidiram não ir a campo para enfrentar o Operário de Mato Grosso, pela série D. Em solidariedade, os onze do Operário deitaram no gramado, dando boa contribuição ao repertório de protestos criativos lançados pelo Bom Senso FC, a fim de denunciar o atraso na organização do futebol brasileiro, pressionar a CBF por mudanças, neutralizar a Bancada da Bola e pedir ao governo que pare de se fingir de morto.

| 26 ago 2014_15h54
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Depois do Jogo do Senta, acontecido há quase setenta anos e tema do post publicado na última quarta-feira, semana passada tivemos o Jogo do Deita. Sem receber salários há dois meses e direitos de imagem há quatro, os jogadores do Grêmio Barueri decidiram não ir a campo para enfrentar o Operário de Mato Grosso, pela série D. Em solidariedade, os onze do Operário deitaram no gramado, dando boa contribuição ao repertório de protestos criativos lançados pelo Bom Senso FC, a fim de denunciar o atraso na organização do futebol brasileiro, pressionar a CBF por mudanças, neutralizar a Bancada da Bola e pedir ao governo que pare de se fingir de morto.

Ano passado, os jogadores entraram em campo com faixas, fizeram minuto de silêncio, cruzaram os braços após o apito inicial, sentaram no gramado e, na mais bacana de todas as ações, trocaram bolas de um lado a outro do campo, de um time para o outro, durante quase um minuto. O gesto dos jogadores do Operário valeu pela simbologia: mostrar um futebol que parece deitado em berço não tão esplêndido.

Além disso, o fato de ter acontecido por um problema com o Grêmio Barueri é sugestivo, e poderia ser a senha para o Bom Senso enquadrar os clubes de aluguel, esses estranhos jabutis depositados na árvore do futebol brasileiro e entre os quais o Grêmio Barueri é um dos destaques. Estreou na série A em 2009, e não fez feio. Surpreendentemente, na temporada seguinte o time mudou de nome e de cidade, virou Grêmio Prudente e se desfez de nove titulares. Não houve o menor cuidado em disfarçar que não se tratava de um clube, e sim de um balcão de negócios. No final de 2010 o Grêmio Prudente caiu para a segundona e, talvez por não se adaptar à culinária do oeste paulista, retornou a Barueri e recuperou o nome de batismo. O regresso à terra natal de nada adiantou, o time continuou despencando e hoje disputa a série D.

Numa tarde de sábado de 2009, eu estava em frente à tevê no jogo em que o Guarani garantiu sua volta à primeira divisão. Em meio à festa, um repórter perguntou ao então treinador Vadão quais eram os planos para 2010. Vadão respondeu que não tinha plano algum, já que nenhum dos jogadores pertencia ao clube e ele não sabia com quais poderia contar. Aquele Guarani apenas emprestava sua camisa – que já conquistara um Campeonato Brasileiro, em 1978, além de um vice em 1986 – para vestir os investimentos de um grupo de empresários. Da mesma forma que o Grêmio Barueri, ou Grêmio Prudente, ou seja lá que nome tenha o time quando você estiver lendo esse post, o Guarani voltou para a segundona em 2010 e caiu para a terceira em 2012, onde segue patinando (em 2013 terminou em 14º lugar e este ano faz campanha medíocre).

O Ipatinga, que também já passou pela série A do Brasileirão, em 2013 fez as malas e partiu para Betim, adotando o nome de sua nova cidade. Sofrendo de crise de identidade, voltou para Ipatinga mas manteve o nome de Betim, e hoje faz companhia ao Grêmio Barueri na série D. E por aí vai. São inúmeros os tais “clubes-vitrines” (irônico nome oficialmente adotado por quem deles se utiliza), que servem aos interesses de fundos de investimento, de prefeitos que enxergam no futebol um meio de melhorar a percepção de suas administrações ou de arrivistas que tudo o que querem daquele time é uma efêmera passagem pela primeira divisão, suficiente para enriquecer o currículo de seus contratados e, a curto prazo, os próprios bolsos. Clubes, torcidas e tradição que se danem.

Provavelmente não resolveria de vez, mas uma das saídas seria rever o critério de subida e descida entre a primeira e a segunda divisões. Poderíamos pelo menos pôr em discussão outras fórmulas existentes, como a que leva em conta a média dos pontos conquistados nas três últimas temporadas. Ou pensar em algo semelhante a um torneio da morte, promovendo confrontos diretos, ou triangulares, ou quadrangulares, seja o que for, para decidir se alguém cairá ou subirá. Tornar mais lento e trabalhoso o acesso à série A dificultaria a vida de quem só pensa em lucros imediatos, já que os clubes teriam que ralar alguns bons anos até alcançar a visibilidade garantida pelos jogos contra os grandes.

Sim: não há espaço para uma discussão como essa no futebol do século XXI, em que o dinheiro virou senhor absoluto e atua sem que se pergunte de onde ele vem ou a que está servindo. Mas não precisamos de mais coisas que puxem o nosso futebol para baixo.

Também não é justo exigir do Bom Senso solução para tudo, sob o risco de daqui a pouco cobrarmos uma posição do grupo em relação aos baixos níveis da reserva da Cantareira. No entanto, conhecidas as propostas iniciais do movimento e – batidinhas na madeira – obtidas suas primeiras vitórias, talvez seja o caso de apontar o foco para essas aberrações que hoje inundam o futebol brasileiro.

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