Um ano e cinco meses após ter entrado em recuperação judicial, abatida por uma dívida de 65,4 bilhões de reais, a Oi, a maior operadora de telefonia fixa do país, ainda está longe de sair do atoleiro em que mergulhou. As partes – credores e acionistas –, em vez de apresentarem um plano negociado para recuperar a companhia, envolveram-se numa luta encarniçada que deixou a empresa ainda mais vulnerável. O fato é que a Oi – que atende a 50 milhões de clientes em todos os municípios brasileiros, em um sistema com 330 mil quilômetros de cabos – tornou-se alvo de uma disputa predatória que ameaça levar a companhia de vez para o abismo.
Na semana passada, o CEO da empresa, Marco Schroeder, que comandava a companhia há apenas um ano e meio, pediu demissão queixando-se da impossibilidade de gerir a operadora. Em seu lugar assumiu o diretor jurídico da Oi, Eurico Teles, leal ao ex-presidente da companhia. Schroeder, desde o início da recuperação judicial, reclamava das pressões que vinha sofrendo por parte de alguns integrantes do conselho de acionistas, que vivem numa queda de braço com a diretoria e outros conselheiros.
Na briga pelo controle da operadora, o competidor mais agressivo é o empresário Nelson Tanure. Sócio minoritário (com cerca de 5% de ações da operadora), ele tem sido o principal fator de desestabilização nas negociações, desde que conseguiu dois assentos no conselho da companhia, no ano passado, valendo-se de uma expertise bem particular em sua trajetória. Especializou-se em gerenciar negócios em situação falimentar para conseguir o máximo de ganho com o mínimo de perdas, usando, para isso, o caminho judicial. Desde que começou na Oi, ele tem jogado em duas pontas: é acionista da companhia por meio do fundo Societé Mondiale, e se aliou a um grupo de detentores dos títulos da dívida da operadora, os chamados bondholders, credores de 32,3 bilhões de reais no total.
Há uma incongruência no jogo duplo de Tanure. De um lado, como acionista, ele deveria, em tese, defender os interesses da companhia. Como aliado de detentores de títulos da dívida, no entanto, acaba defendendo os credores – a maior parte deles, fundos especializados em comprar títulos de empresas em dificuldades, com preços mínimos, para então se apossar das companhias e depois vendê-las, conseguindo ganhos expressivos. No caso da Oi, por exemplo, eles sabem que nunca receberão o valor da dívida, mas a estratégia é pressionar a empresa para conseguir a maior vantagem possível. Não por outra razão são conhecidos no mercado como fundos abutres.
Quando a empresa envolvida é a operadora responsável por boa parte das comunicações do governo federal, como a das Forças Armadas, e a transmissão dos votos nas urnas eletrônicas, a situação se torna ainda mais preocupante.
Tanure – um empresário baiano de 69 anos conhecido no mercado por negócios controversos desde os anos 70 – foi aos poucos retirando do seu caminho todos os que pudessem fazer sombra ao seu projeto de tomar conta da operadora. Seus adversários o acusam de usar métodos pouco ortodoxos para fazê-los abandonar a empresa, que vão da espionagem a ações judiciais e, no limite, ameaças à segurança física de seus opositores. Outra estratégia, segundo desafetos do empresário, é cooptar os oponentes por meio de ofertas financeiras vantajosas.
Um dos primeiros a cair foi Rafael Mora, representante dos acionistas na Pharol, empresa portuguesa detentora de 22,5% de participação na Oi – a maior acionista individual da operadora. Desde que emplacou dois representantes no conselho, Tanure vivia uma queda de braço com esses acionistas, especialmente com Mora, um espanhol de gênio irascível, que reagia às investidas de Tanure para conquistar poder na empresa. Em uma reunião do conselho, os dois quase partiram para a violência física. Repentinamente, Mora deixou a companhia, em março deste ano. A saída brusca do espanhol gerou especulações. Ninguém entendeu como o maior adversário de Tanure deixava, sem mais nem menos, o campo de batalha. Mora deixou vazar a informação de que Tanure teria pago 4 milhões de euros pela sua saída – relato que foi comprado pelo mercado. (Depois da publicação da primeira versão desta reportagem, Rafael Mora confirmou, por meio de sua assessoria, ter recebido os 4 milhões de euros para sair do conselho. Disse, contudo, que aceitou a proposta porque vinha recebendo “seguidas ameaças de morte” em telefonemas anônimos. Em um deles, o interlocutor o chamou de “espanhol filho da puta“ e o alertou para que “tomasse cuidado“, pois estaria correndo risco de vida.)
A venda de um assento no conselho da companhia, em si, já pode ser considerada um escândalo. Entretanto, fontes muito próximas a Tanure têm outra versão para a saída do espanhol. Tanure teria feito um alentado levantamento da situação da companhia e descoberto que Mora era dono de várias empresas prestadoras de serviço para a Oi. Algumas, inclusive, fantasmas, ajudando a sangrar o caixa da operadora.
De posse dessas informações, Mora foi chamado para uma conversa e avisado de que deveria deixar o conselho da Oi ou seria denunciado para a Polícia Federal. O espanhol capitulou. “Imagina se daríamos dinheiro para ele sair?”, disse-me um alto diretor de uma das empresas de Tanure, que só se pronunciou sob condição de anonimato. “Ele saiu porque a situação dele se complicaria muitíssimo com a Justiça brasileira.” O empresário espanhol é investigado em Portugal por ter participado de operações ruinosas que teriam levado a Portugal Telecom à falência. Mora, entretanto, nega ser dono de empresas fantasmas, como acusa Tanure.
Na mesma época da saída do espanhol, o empresário baiano conseguiu outro feito: comprou uma participação na Pharol e aumentou, dessa forma, sua participação na Oi. No mercado especula-se que ele usou da mesma técnica: ameaçou os adversários, os portugueses sócios da Pharol, com dossiês. “A estratégia de Tanure tem sido essa”, disse-me um executivo da companhia, que preferiu não se identificar por temer represálias por parte de alguns conselheiros. “Ele contrata empresas para espionar seus adversários e depois os ameaça, fazendo com que muitos desistam da peleja.” Por isso, muitos o temem.
O ex-CEO da empresa também foi alvo de intimidações. Com a saída de Mora e a aproximação com os portugueses, Marco Schroeder tornou-se o único a enfrentá-lo. Antes de deixar a companhia, ele disse a amigos que não estava mais disposto a se submeter às pressões de que dizia estar sendo vítima. Há duas semanas, Schroeder fez constar em ata da assembleia que vinha recebendo “ameaças à sua integridade física”. E relatou casos de telefonemas ameaçadores, tanto para seu telefone fixo quanto para o celular. A pessoas próximas a ele, Schroeder contou que as ligações pareciam ser de duas pessoas diferentes: no celular, era a voz de um homem mais articulado do que aquele que lhe chamava no fixo. O sujeito chegou inclusive a deixar na caixa postal recados como “nos encontraremos em algum momento, seja no Rio, São Paulo ou Brasília”. Mais traumática, contudo, foi uma ligação em que recebeu ameaças de ser alvejado nas pernas. Schroeder chegou a pedir uma investigação, mas o resultado foi frustrante. Os telefonemas eram protegidos, e foi impossível rastrear sua origem.
Outros diretores também reclamaram por ter suas vidas vasculhadas. O então diretor jurídico e hoje novo presidente da Oi, Eurico Teles, chegou a dar queixa na Delegacia Anti-Sequestro após descobrir que um homem o investigava, inclusive na Junta Comercial. O sujeito chegou a ser detido e deu a explicação de que teria a intenção de escrever um livro sobre o investigado.
Após a saída de Schroeder, dois conselheiros independentes, que representam o BNDES – um dos maiores credores da Oi – no conselho da companhia, enviaram uma carta indignada para a Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, em tese, a xerife do mercado. Eles protestavam contra o comportamento agressivo de integrantes do conselho contra os diretores da empresa. Em um dos itens da carta, de 27 de novembro, os dois conselheiros, Ricardo Reisen de Pinho e Marcos Duarte, pedem uma atitude da CVM contra práticas que vêm se repetindo na Oi. “Diferentes grupos têm exercido sistematicamente formas de pressão variadas, através do vazamento de informações confidenciais, de notícias inverídicas, factoides, ou a distorção de fatos na mídia, pouco contribuindo para a resolução de problemas.”
A briga entre a diretoria e o conselho subiu tanto de temperatura que a Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, preocupada com os efeitos que pudessem ter sobre o resultado da empresa, indicou dois de seus fiscais para acompanharem todas as reuniões. O próprio presidente da agência, Juarez Quadros, acabou afastando, por questões morais, um desses fiscais, Filipe Simas, após descobrir que ele estava frequentando o escritório de Nelson Tanure.
Episódios como esses fazem de Tanure um dos mais controvertidos empresários brasileiros das últimas décadas. Ele já se aventurou por vários setores da economia brasileira – em investidas que, muitas vezes, resultaram em fracassos retumbantes. Seu histórico de negócios polêmicos é alentado. Nos anos 70, ainda em Salvador, foi acusado de construir casas populares e não entregá-las, deixando os compradores sem moradia e sem dinheiro. Depois, ele mudou-se para o Rio, onde se envolveu, novamente, em negócios problemáticos.
Em 1990, num questionável episódio do governo Collor, um grupo de fundos de pensão de empresas estatais pagou 11 milhões de dólares pela Sade, produtora de turbinas para geração de energia elétrica, pertencente a Tanure, que enfrentava dificuldades financeiras. Ninguém nunca entendeu por que os fundos enterraram o dinheiro dos participantes em um negócio falimentar. O que se sabe é que, por trás do negócio, estava a então ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello, amiga do empresário. Tanure pulou fora do empreendimento e os fundos ficaram com o mico.
Envolvido com o ramo naval, o empresário chegou a ser dono dos três maiores estaleiros do Rio de Janeiro, que detinham 80% da capacidade instalada da indústria naval brasileira, mas afundavam em dívidas: o Verolme, o Emaq (atual Eisa) e o Ishikawajima. Apesar das promessas do empresário de recuperá-los, os três quebraram deixando um enorme passivo trabalhista e uma centena de desempregados. Anos depois, Tanure arrendou a área do Verolme para o estaleiro Keppel FELS, recebendo, até hoje, ganhos expressivos com o negócio.
O ramo editorial também entrou na mira de Tanure. Em 2001, ele arrendou um dos mais importantes diários brasileiros, o Jornal do Brasil, da família Nascimento Brito, praticamente quebrado. Fez o mesmo com o diário econômico paulista Gazeta Mercantil, na mesma situação. O discurso de que iria recuperá-los não passou de promessa. Sob sua gestão, ambos fecharam, e os funcionários foram para a rua. O fracasso desses negócios, junto com outras situações de calote em empresas em que se aventurou, levou um de seus desafetos a apelidá-lo, jocosamente, de Cidadão Cano, em alusão ao personagem do filme Cidadão Kane, de Orson Welles, que conta a história de um magnata da mídia impressa americana.
Uma das jogadas astuciosas de Tanure se deu na companhia Docas, que ele comprara da família Paula Machado. A Docas tinha uma participação no Banco Boavista Interatlântico – mais um em dificuldades financeiras. Quando o Bradesco tentou comprar o banco, Tanure entrou na Justiça alegando que o Boavista, no qual tinha uma participação minoritária, valia muito mais do que o avaliado. E só liberou a venda depois de receber 140 milhões de reais dos acionistas do Boavista. A mesma estratégia foi usada na compra da operadora Intelig, repassada depois com ganhos espetaculares para a italiana TIM – não sem antes se envolver, novamente, numa briga judicial com os italianos. No final da briga, Tanure conseguiu um bônus: ficou com o prédio da companhia, situado na praia de Botafogo, no Rio de Janeiro.
Sua última investida foi na área de petróleo. Em 2013, Tanure comprou a empresa HRT, também após uma disputa judicial com os americanos do fundo Discovery. Ele levou a melhor e hoje é dono da companhia, rebatizada de PetroRio e com a qual pretende explorar óleo na bacia de Campos. O empresário está sendo agora investigado pela CVM por ter sacado 250 milhões do caixa de 300 milhões da PetroRio para comprar ações da Oi, que permitiram que ele se tornasse acionista da empresa. Por causa dessa operação, segundo o jornal Valor, Tanure é réu na CVM, alvo de quatro acusações relacionadas à falta do dever de diligência, ou de lealdade às companhias que administra, entre elas a PetroRio.
Por causa desse histórico, o governo e a Anatel têm imposto barreiras para evitar que Tanure assuma a Oi. Entre os técnicos da agência, existe a preocupação de que a intenção do empresário seja apenas a de se aproveitar da companhia sem criar valor. Ou pior, que ele ajude a afundá-la de vez. Um problema que, no fim, pode cair no colo do governo, levando-se em consideração a importância da Oi para o mercado de telecomunicações nacional. O setor público é o segundo maior credor da empresa. Só para a Anatel a Oi deve 11 bilhões de reais em multas. Para o Banco do Brasil, quase 4 bilhões. O BNDES é credor em 3,3 bilhões e a Caixa Econômica Federal, em 1,8 bilhão. A empresa deve outros 800 milhões de reais para empresas públicas e bancos estaduais e até governos de estado.
Apesar disso, o governo de Michel Temer tem preferido não se meter na briga. Para credores, a falta de apetite do governo em encontrar uma solução para a operadora é resultado de fraqueza política. “O presidente Temer não tem força para tomar uma atitude mais ativa na Oi”, disse-me um credor. Dado o papel estratégico da empresa nas comunicações governamentais, o imobilismo assusta. Nem mesmo a saída de Schroeder fez o governo tomar uma atitude mais agressiva para barrar a intenção do empresário de se apossar da companhia. “Com o peso da dívida governamental, bastava um telefonema do presidente da República exigindo que Tanure recuasse na sua estratégia de tomar conta da Oi”, disse-me um executivo. “Isso só não acontece por se tratar de um presidente fraco, que tem como único objetivo se segurar no Planalto.”
A Justiça também parece assistir à briga a distância. Por um acerto feito no ano passado com o juiz Fernando Viana, da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, responsável pelo processo de recuperação, a Oi deveria ter apresentado, em outubro deste ano, uma proposta que viabilizasse sua operação. Mas, diante da atmosfera beligerante entre credores e acionistas – que contaminou até os gestores da empresa –, o juiz foi obrigado, por três vezes, a remarcar a assembleia que decidiria o destino da companhia. A última, que aconteceria no dia 10 de novembro, foi transferida para dezembro, sem garantias de que será realizada. Entre acionistas, a expectativa é que seja novamente adiada para fevereiro.
A forma como a recuperação judicial foi negociada também não escapa de críticas. A Anatel, à época da recuperação, indicou cinco empresas para acompanhar o processo. O juiz escolheu o escritório de advocacia Arnold Wald e a consultoria Price. Para assumir o processo, as empresas assinaram um contrato pelo qual receberiam 150 milhões de reais. O valor foi considerado escandaloso pelo mercado. Recentemente a Price abandonou a empreitada sem maiores explicações. O Arnold Wald abocanhará a maior parte da remuneração.
Na briga de Tanure com a gestão, os advogados do empresário também saíram ganhando. O conselho determinou que algumas das disputas judiciais da Oi sejam tocadas pelo escritório de advocacia que também cuida das causas de Tanure, o Galdino, Coelho e Mendes Advogados. E garantiu também que caberá ao combalido caixa da Oi arcar com despesas de ações passadas. Recentemente o escritório envolveu-se numa questão polêmica. Aurélio Valporto, presidente de uma associação de acionistas minoritários, entrou com uma ação contra o então presidente da Oi, Marco Schroeder. Descobriu-se, depois, que a ação tinha sido redigida pelo escritório contratado por Tanure. “Como é possível uma coisa dessas?”, reclamou um executivo. “O escritório que é pago pela Oi para defender a empresa redige uma ação contra a companhia. Isso é crime.”
Os problemas na Oi começaram já no dia seguinte à sua aquisição no leilão do sistema Telebrás, em 1998, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Comprada por um consórcio liderado pela empreiteira Andrade Gutierrez, do empresário Sérgio Andrade, pelo grupo La Fonte, de Carlos Jereissati (irmão do senador Tasso Jereissati, do PSDB), pelo grupo GP, além dos fundos de pensão das empresas estatais, a Oi, batizada inicialmente de Telemar, nasceu com um enorme endividamento. Para comprar a companhia, os controladores se financiaram quase que integralmente junto ao BNDES. O enorme passivo, associado a estratégias equivocadas de gestão, ao mau uso da companhia pelos controladores, e à ausência de um operador em telefonia, foram ruinosos para empresa.
A crise da operadora se agravou em 2008, com a decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva de criar uma supertele nacional, forçando a compra pela Oi, que operava em dezesseis estados, da BrT, que atuava na região Sul e parte do Centro-Oeste. A ideia era proteger a – já então – combalida Oi de ser comprada por uma operadora internacional, o que deixaria as telecomunicações brasileiras nas mãos de estrangeiros. O projeto deu errado.
Além de pagar 5,8 bilhões de reais pela BrT, um valor considerado elevado, logo após a aquisição da concorrente a Oi descobriu que a companhia tinha um passivo de 2,5 bilhões de reais em ações judiciais não contabilizadas no balanço. A dívida da operadora, que era de 9,4 bilhões em 2007, saltou para 29,9 bilhões de reais em 2009. Com a dívida destruindo seu caixa, a Oi, também por influência dos governos brasileiro e português, à época comandados por Lula e José Sócrates, associou-se em 2011 à Portugal Telecom, que ficou com 25,6% do capital da companhia. Novamente, um negócio desastroso. Na associação, ficou acertado que a Oi teria que pagar 2 bilhões de reais ao ano em dividendos aos acionistas brasileiros e portugueses até 2014. Com isso, os recursos que a Portugal Telecom colocou na empresa rapidamente desapareceram, em forma de remuneração aos acionistas.
Com a chegada dos portugueses, o moçambicano Zeinal Bava foi indicado presidente da companhia. Bava era considerado, na Europa, o “Messi” das telecomunicações por ter modernizado a Portugal Telecom e a ter colocado no mesmo patamar das grandes operadoras europeias. Tempos depois, se descobriria que sua gestão fora desastrosa. Ele escondeu os problemas de caixa da empresa, deixando um rombo impossível de ser administrado. Os erros se repetiriam depois na própria Oi.
Em 2014, foi acordado que haveria uma fusão das duas companhias, para a criação de uma multinacional das telecomunicações. Com esse objetivo, Bava fez uma bem-sucedida captação no mercado para fortalecer o caixa da Oi. Na transação, a participação dos portugueses aumentaria para 38%, dado que a Portugal Telecom faria um aumento de capital na empresa surgida da união das duas operadoras. Mais uma vez, no entanto, em vez de os recursos irem para a empresa, foram usados na compra da participação de Sérgio Andrade e de Carlos Jereissati, que, numa hábil jogada, usaram o dinheiro para pagar sua dívida com o BNDES e pular fora do negócio que ajudaram a arruinar.
Para piorar, o dinheiro que os portugueses prometeram colocar na operadora estava investido em títulos podres de uma empresa de um dos controladores portugueses, Ricardo Salgado, dono do banco Espírito Santo, que quebraria logo depois. Para compensar o calote que deram na Oi, os portugueses reduziram a participação, de 38% para 22,4%. De qualquer forma, continuam sendo, até agora, os maiores acionistas individuais, por meio da Pharol.
Abalada pela enorme dívida, pela queda na receita, perda de clientes e gestão errática, a única saída para a Oi foi entrar em recuperação judicial. A ideia era que, com a suspensão do pagamento das dívidas dos 55 mil credores, a companhia ganharia tempo para montar um plano de recuperação para se reerguer. Não foi o que ocorreu.
Desde que a recuperação foi anunciada, em junho de 2016, os credores – detentores de títulos da dívida da operadora, nacionais e internacionais, os chamados bondholders – passaram a atacar a companhia. A maioria desses credores comprou títulos da empresa na bacia das almas, quando o seu valor de mercado despencou de 20 bilhões para menos de 1 bilhão de reais.
Assim, embora tendo comprado estes títulos a valores que podem ter chegado a 20% do seu valor de face, algo em torno de 20 centavos de dólar, os detentores de títulos da dívida exigem que a empresa os ressarça pelo valor cheio, ou seja, pelo que valiam antes da desvalorização.
Na outra ponta dessa briga estão os maiores acionistas da empresa, liderados pelos portugueses da Pharol, que lutam para preservar sua participação no negócio. Dessa forma, deu-se uma queda de braço que tem inviabilizado a salvação da Oi. Parte dessa confusão, para muitos especialistas, ocorre por causa da legislação brasileira. Essa, inclusive, tem sido uma das razões que têm impedido a companhia de telecomunicações chinesa China Telecom de investir na Oi e assumir a empresa. Os chineses propuseram capitalizar a empresa em 10 bilhões de reais ao ano caso assumam o seu controle, mas, para isso, exigem a saída de todos os acionistas. Caso o negócio vingue, o Brasil perderá sua última operadora em telefonia, e as telecomunicações nacionais ficarão totalmente em mãos de estrangeiros.
Uma saída para evitar o buraco em que se meteu a Oi poderia vir de outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando uma empresa entra em recuperação judicial, normalmente os acionistas são retirados do controle, que passa a ser ocupado pelos credores. Considera-se que os responsáveis pela gestão temerária que levou a empresa a um estado falimentar não podem continuar dando as cartas no negócio. No Brasil, estabeleceu-se que os acionistas permanecem no controle. Uma situação como essa acabou levando a Varig, a primeira companhia brasileira a entrar em recuperação judicial, à bancarrota. Os acionistas – representados pela Fundação Ruben Berta, dos funcionários da empresa – recusaram todas as soluções propostas, o que resultou na falência da companhia aérea. O temor é que o mesmo aconteça com a Oi.
No dia 17 de novembro, Tanure sofreu uma derrota na Justiça na sua tentativa de ganhar mais espaço na companhia. O juiz Fernando Viana proibiu que os dois diretores indicados pelo conselho de administração da Oi – manobrado por Tanure – interfiram no processo de recuperação. Os dois diretores – o ex-ministro das Comunicações, Hélio Costa, e João Vicente Ribeiro, indicado pelos portugueses da Pharol –, tomaram assento na gestão da empresa em novembro, por meio de uma manobra de Tanure.
As decisões importantes sobre os destinos da companhia exigem apenas as assinaturas de dois diretores, e dessa forma, caso conseguissem emplacar seus indicados, Tanure e a Pharol poderiam mandar no negócio. Um grupo de bondholders entrou na Justiça e o juiz Fernando Viana lhes deu razão. Entendeu que a indicação de dois acionistas como diretores poderia esvaziar a atual gestão e proibiu que eles participassem das discussões sobre a recuperação judicial. De qualquer forma, os executivos indicados continuam dando ordens aos funcionários e desrespeitando decisões da diretoria da empresa.
Ao realizar essas indicações, Tanure tinha a intenção de fazer aprovar o PSA, sigla em inglês para Plan Support Agreement, o plano de recuperação da empresa, elaborado por ele próprio. A diretoria, sob comando de Schroeder, era contrária ao plano e, nesse momento, lançou mão de uma das artimanhas de Tanure para contra-atacar: usou a mídia.
Os diretores da operadora costumam plantar notas nos jornais denunciando todas as investidas de Tanure contra eles, numa tentativa de barrar as táticas do empresário para tentar desmoralizá-los.
Um exemplo foi o próprio PSA da Oi. Completamente rejeitado pela gestão, o plano chegou à imprensa como sendo a ruína da operadora. Os diretores criticaram o projeto de Tanure, feito para um grupo de seis bondholders, chamado de G6, que se aliou a ele. Este grupo tem cerca de 2 bilhões de reais de crédito a receber e também é acionista. Pela proposta, o G6 receberia cerca de 700 milhões de reais a título de pagamento de taxas no caso de sucesso do PSA. Em troca, teriam que investir 3,5 bilhões de reais para capitalizar a companhia. O problema da proposta, segundo os diretores da Oi, é que as taxas seriam pagas antecipadamente e não dariam nenhuma garantia de realização dos investimentos.
A direção da operadora se recusou a assinar o plano alegando que os bondholders, após sacarem os 700 milhões de reais do caixa da companhia, podiam desistir e não providenciar a capitalização prometida. Inconformado com a reação da diretoria, Tanure, numa manobra judicial, conseguiu emplacar dois acionistas na gestão – aqueles que foram barrados pelo juiz Fernando Viana na semana passada.
No começo da noite desta quarta-feira, 29 de novembro, Tanure sofreu mais uma derrota em sua tentativa de comandar as negociações de apresentação do plano de recuperação da companhia. O juiz Fernando Vianna decidiu a favor da ação movida pela Oi e por alguns de seus credores, determinando que caberá à direção da operadora e não ao conselho de administração negociar a dívida com os credores públicos e privados e os bondholders. Dessa forma, o plano elaborado por Tanure fica praticamente descartado. A expectativa agora é se o empresário entrará com recurso contra a decisão do juiz.
Na briga com os gestores, que ocorre desde a entrada de representantes de Tanure no conselho, o empresário acusa a diretoria de ser inoperante, de não recuperar a companhia, de fazê-la perder caixa e clientes. E afirma que, apesar dos resultados pífios, os diretores ganham, no total, 45,8 milhões de reais em bônus, salários e retenção (uma espécie de bônus que estimula a permanência do executivo na companhia). Valores estes que foram aprovados na reunião do conselho, este ano. Essa seria a razão, segundo Tanure, para se agarrarem tão fortemente ao posto. “Como pode um absurdo desses?”, questionou um alto diretor de uma das empresas de Tanure. “Nem a Vivo, que tem resultados infinitamente superiores aos da Oi, paga esses bônus.”
Depois da recuperação judicial, os números da Oi melhoraram um pouco. A empresa fechou o terceiro trimestre deste ano com um lucro líquido de 217,5 milhões de reais. É o primeiro resultado positivo desde setembro de 2015. O caixa da empresa também reagiu. De janeiro a setembro deste ano, fechou em 7,7 bilhões de reais contra os 5 bilhões de reais de antes do começo de 2016. Nada espetacular, mas pode ser um sinal de que a empresa voltou a respirar. De qualquer forma, com o conselho em permanente conflito com a gestão, fica difícil imaginar uma recuperação mais expressiva da empresa.
Tanure acusa os gestores da Oi de reagir às suas propostas aos bondholders por saber que se o seu plano para tirar a operadora da recuperação judicial for aprovado, eles serão demitidos. “É óbvio que não trabalharíamos com eles”, me disse o mesmo alto executivo das empresas de Tanure. “A maioria está na Oi desde a época do Jereissatti e do Sérgio Andrade. Não é possível que não soubessem dos desmandos na companhia.”
Na disputa pela Oi, também estão envolvidos outros bondholders, agrupados no G5, mais o fundo Moelis. Eles têm 17 bilhões de reais em crédito e estão dispostos a capitalizar a empresa em 4 bilhões, com taxas mais baixas do que as que seriam pagas ao G6 e sem recebimento antecipado. Somente após a capitalização eles receberiam as taxas no valor de 300 milhões de reais. Além disso, oferecem financiamento de 4,5 bilhões de reais à Oi.
Esses bondholders são representados pelo escritório de advocacia de Sérgio Bermudes, que conseguiu na Justiça impedir a interferência dos diretores indicados por Tanure na recuperação judicial. Se aproximaram dos credores públicos e preparam, em conjunto, um plano alternativo para a companhia, a ser proposto na assembleia prevista para a primeira semana de dezembro. No entanto, com a temperatura subindo e a briga da Oi transformada em batalha judicial, não há garantia de que ela se realize.
A operadora sofre as consequências da disputa. Apesar dos esforços, tem perdido clientes. Com o caixa afetado, a Oi não consegue tocar ações básicas do dia a dia, como campanhas publicitárias para atrair novos consumidores, enquanto suas concorrentes inundam o mercado com anúncios. A queda de braço não tem prazo para terminar. A alternativa, na falta de um acordo, seria uma intervenção do governo. Mas essa opção só seria adotada em último caso. Intervenção numa empresa com uma dívida de 65 bilhões de reais afasta qualquer governo. Caso não funcione, o prejuízo recairia sobre o caixa da União.
Os problemas da Oi são opostos aos benefícios de Tanure e seu grupo. Desde a recuperação judicial, as ações da empresa saltaram de 68 centavos para um pico de 5,10 reais em 16 de outubro. Nesta semana, a cotação chegou a 3,90 reais. Só Tanure, que entrou com 100 milhões para comprar as ações no passado, já acumulou, neste período, um ganho de 400 milhões de reais. É um especialista.
Alguns diretores da Oi alegam que todo o esforço para melhorar os números da empresa, como corte de custos e ampliação de investimentos, passou ao largo do conselho. Segundo esses executivos, que preferem não se identificar, Tanure, como a maior parte dos conselheiros, pouco olha para a gestão da companhia. Eles estariam focados na elaboração do plano de renegociação da dívida para tirar a Oi da recuperação judicial. Acreditam que, se o que estão propondo passar na Justiça, eles continuarão no controle da empresa. Enquanto não chegam a um acordo, todos ganham: bondholders e acionistas, beneficiados pela alta das ações, e os executivos, que têm garantida uma remuneração expressiva. Com a briga, a maior perdedora tem sido, unicamente, a própria Oi.
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Atualizações: Esta reportagem foi atualizada às 20h58 desta quarta-feira, 29 de novembro, com o resultado de ação judicial contra o conselho da Oi. Uma nova atualização foi feita às 19h53 de quinta-feira, 30 de novembro, com a confirmação da assessoria de Rafael Mora de que ele, de fato, recebeu 4 milhões de euros para deixar o conselho da operadora.