A rede Jovem Pan, que teve seus canais no YouTube desmonetizados em novembro pela plataforma, tentará reverter a decisão nos tribunais. Até a desmonetização, a receita com a venda de publicidade nos canais de vídeo representava mais de 20% do faturamento da empresa. Para conduzir a empreitada, o dono da Jovem Pan, Antonio Augusto Amaral de Carvalho Filho, conhecido como Tutinha, consultou o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que tem boa relação com ministros de tribunais superiores e com a cúpula do PT. Foi na casa de Kakay, em Brasília, a confraternização em torno de Lula na noite da diplomação do presidente, em dezembro, na qual compareceram ministros do Supremo Tribunal Federal, como Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. O advogado também recebeu petistas e ministeriáveis, como Márcio Macedo e Silvio de Almeida, para uma festa de Ano-Novo no dia 31, antes da posse de Lula.
Embora Kakay seja criminalista, o caso da Jovem Pan envolve direito privado cível, não penal. Por ter uma relação privada com a Jovem Pan, o YouTube determinou que a rede fosse desmonetizada por considerar que a emissora infringiu as regras de utilização da plataforma e propagou discursos de ódio, além de incitar ataques ao processo eleitoral e à democracia. A rede, contudo, deseja contestar detalhadamente os pontos que teriam infringido as regras – quer saber que vídeos violaram as regras e em quais trechos específicos. Ao desmonetizar um canal, o YouTube apenas informa, em linhas gerais, que houve desrespeito às regras. Mas não detalha todos os episódios em que houve violação. No caso da Jovem Pan, que publicou vídeos em que seus comentaristas defendiam o uso de cloroquina contra a Covid, desaconselhavam a aplicação da vacina, questionavam a credibilidade das urnas eletrônicas e atacavam o Tribunal Superior Eleitoral e o STF, a suspeita de executivos da própria rede é de que a desmonetização tenha decorrido do “conjunto da obra”.
A estratégia da Jovem Pan de requerer do YouTube maior transparência sobre as regras de desmonetização coincide com as declarações do governo Lula de regular o uso das plataformas digitais. Em seu discurso de posse, o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, disse que o governo integrará um “esforço global” na regulamentação das plataformas. O ministro criou uma secretaria especialmente para tratar do assunto (Políticas Digitais), comandada pelo secretário João Brant. Ao assumir, o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que “não podemos imaginar a internet como uma ágora sem lei” e que “temos de imaginar a internet como um terreno regulado”, em nome da “liberdade de expressão”. Lula, ao ser diplomado, disse que “inimigos da democracia” manipulam e contam mentiras graças a mecanismos “disponibilizados por plataformas digitais que atuam de maneira gananciosa e absolutamente irresponsável”, e acenou com regras mais rígidas.
Além das boas relações, Kakay atuou em casos de ampla repercussão envolvendo a internet. O criminalista defendeu a atriz Carolina Dieckman quando um hacker invadiu seu computador e roubou fotos íntimas, em maio de 2012. Poucos dias depois, foi desengavetado na Câmara dos Deputados um projeto do parlamentar petista Paulo Teixeira (hoje ministro de Lula) que tipificava no Código Penal os crimes cibernéticos. Ao ser aprovado na Câmara, o texto ficou conhecido como Lei Carolina Dieckmann.
Depois de perder os ganhos com o YouTube, a Jovem Pan vem sendo alvo de campanhas de boicote pelo perfil SleepingGiants, que acusa a rede de promover discursos de ódio. O perfil publicou um vídeo mostrando jornalistas da emissora defendendo conflito armado e intervenção militar, além de desestimular a vacinação contra a Covid e o uso de máscara. Depois, o SleepingGiants expôs nomes de anunciantes da rede e cobrou publicamente das empresas um posicionamento sobre por que exibir sua marca na grade da programação da Jovem Pan. Até agora, anunciantes como a Natura, o Burger King, a TIM e o QuintoAndar declararam terem retirado seus anúncios. Em meio a esse boicote, a rede publicou um editorial dizendo não apoiar “qualquer manifestação que caminhe na direção do enfraquecimento ou da destruição de nossas instituições”.
Antes da busca por Kakay, a Jovem Pan tentou emitir sinais de cooperação ao YouTube. Primeiro, demitiu algumas das principais estrelas de seu programa de maior audiência, Os Pingos nos Is: os jornalistas Augusto Nunes e Guilherme Fiuza. A ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel, também comentarista do Pingos, deixou a rede em protesto. Depois, a emissora tirou do ar, até esta sexta-feira, 1.209 vídeos já publicados e que poderiam infringir as regras do YouTube, segundo levantamento feito pela Novelo Data. Nenhuma das estratégias deu resultado e desmonetização não foi revista pelo YouTube.
Por outro lado, os comentaristas que ficaram na emissora partiram para discursos ainda mais radicais do que os que foram demitidos. Um deles foi Paulo Figueiredo, que chegou a propor uma “guerra civil” contra o STF. “Ou a gente aceita tudo isso e abaixa a cabeça, ou então a gente vai ter guerra civil? Ora, então que tenha guerra civil, pô”. Que porcaria de frouxidão é essa?”. Figueiredo e outro comentarista da rede, Rodrigo Constantino, tiveram recentemente suas contas em redes sociais bloqueadas por determinação de Alexandre de Moraes. Ambos são investigados por participação em atos antidemocráticos.
Kakay confirmou à piauí ter sido procurado pela Jovem Pan, mas disse que ainda não deu uma resposta sobre sua participação no caso. Fontes ouvidas pela reportagem, no entanto, relatam que o advogado já procurou a Secom do novo governo para tratar do assunto e que o ministro Pimenta se mostrou simpático à ideia de cobrar mais transparência das plataformas. Antes de ser procurado para defender a emissora, Kakay era frequentemente criticado por comentaristas da Jovem Pan em razão de sua defesa de Lula e críticas a Jair Bolsonaro. Numa das ocasiões, Augusto Nunes disparou que “inocentes não costumam procurar Kakay”, e que “Kakay não decora leis, e sim telefones de ministros do STF”.