Cena Externa. Dia. Câmera fixa. Vestindo calças jeans meio frouxas nos joelhos, com camisas largas para fora do cinto, o prefeito Juninho Gaspar e seu vice Ricardo Mele Júnior caminham meio trôpegos pela terra seca. Eis que, susto!, são surpreendidos por dois braços sacolejantes que brotam do solo. Cada mão pega a canela de um dos políticos.
Juninho reage, enfático:
– Ah, agora? Quatro anos sumidos, vêm pegar no nosso pé agora?
Mele dá uma olhada para a câmera, quebrando a quarta parede, e diz:
– Quatro anos sumidos, cuidando de suas fazendas? Dos pés de café? Ah, vai plantar florzinha!
As mãos seguem chacoalhando, em um movimento meio jazz hands, meio boneco de posto de gasolina.
O jogral volta para Juninho:
– Enquanto isso, doutor, a gente continua cuidando da nossa cidade (…) trabalhando muito para cuidar bem do nosso povo. O trabalho não para!
A sequência se encerra com uma cena de impacto: em sincronia, cada um deles desfere dois “joinhas” no ar (totalizando quatro “joinhas”).
Fim.
O vídeo, com indiretas a inominados opositores da dupla candidata à reeleição, foi postado no Instagram em 7 de setembro. Bombou: passou das 50 mil visualizações. É um número superior ao dos cerca de 42 mil eleitores da cidade paulista de Batatais, localizada a cerca de 40 km de Ribeirão Preto. Mas eles nem precisam cativar tanta gente. Basta um voto válido e a eleição do próximo domingo estará ganha.
Com 58,4 mil habitantes, Batatais é a maior entre as 214 cidades do Brasil que terão apenas um postulante a prefeitura neste ano. Segundo levantamento do Confederação Nacional dos Municípios, essas candidaturas únicas são em sua maioria representadas por um candidato homem (89%) branco (74%) e, em boa parte, que está concorrendo à reeleição (72%). Juninho Gaspar gabarita os três quesitos.
Sua candidatura é fruto de uma salada partidária: o Progressistas, seu partido, formou uma coligação que une o PL (de Bolsonaro), com a Federação do PT com o PCdoB e o PV. Além desses, participam também a Federação PSDB Cidadania, o Republicanos, o PSD, o Avante e o União. “Nós nos preparamos para uma disputa de três candidatos. Para nós, inclusive, foi uma surpresa [a falta de concorrentes]”, conta Juninho.
Na cidade, ficaram de fora da chapa apenas PSB e a Federação Psol Rede, que não lançaram candidaturas. Agora, ambos representam uma oposição mínima, que se concentra na disputa pelas 15 vagas de vereador.
José Luis Romagnoli, figura mais eminente do PSB, explica que não sairá mais em novas eleições por motivos pessoais. “Já fui quatro vezes prefeito e a minha família concordou comigo em todas. Agora, eu tive que concordar com a minha família.”
Antes de decidir por ficar de fora da urna, o Psol analisou o cenário. “Não tem partido de esquerda em Batatais. Hoje só existe o Psol, porque o PT e o PCdoB estão nessa composição junto com partidos bolsonaristas”, diz Fernando Ferreira, um dos líderes psolistas na cidade. Ele e seus correligionários avaliaram que, “para o prefeito, seria interessante ter um oponente” como forma de se fortalecer, e então deixaram a disputa em um protesto silencioso. “Se não tivéssemos um candidato único, você estaria aqui [na cidade]?”, questiona ele à piauí.
Juninho – um sujeito alto, parrudo e carismático de 42 anos – tem sido cordial. Com sabedoria, não fala mal de ninguém e minimiza as rusgas políticas mais tradicionais da nação. “Não tenho nada contra nem favorável a nenhum político”, posiciona-se.
“Nunca estive com Lula nem com Bolsonaro, não os conheço”, avisa aos haters dos dois. “Mas qualquer um dos dois que quiser ajudar a minha cidade, eu vou querer a ajuda”, tranquiliza. Para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), é só elogios.
No mais, explica, o grande relacionamento que trava é com os parlamentares da região. “Praticamente 99% do meu relacionamento é com os deputados de Ribeirão Preto.” Ele cita os federais Ricardo Silva, do PSD, e Baleia Rossi, do MDB; e os estaduais Léo Oliveira, do MDB, e Rafael Silva, do PSD. “O nosso relacionamento não está intimamente ligado à questão partidária, mas sim à questão de afinidade e de proximidade.”
Em uma eleição tranquila, sem as cadeiradas e os sopapos vistos em terras mais cosmopolitas, o candidato afasta o clima de W.O. e se mantém engajado no papel. No corpo a corpo devidamente filmado para as redes sociais, abraça eleitores, pega criancinhas no colo, tira selfies, anda de ônibus, senta-se na calçada para conversar, toma cafezinho na casa dos cidadãos e dá expediente como presidente do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Ribeirão Preto, cargo que acumula com o de prefeito. “Ele realmente é uma celebridade. Conversa com todos como iguais”, diz André Luis da Silva, o André Calçados, presidente do PP e ele próprio candidato a vereador neste ano.
Ele não poupa esforços ou recursos. Até 30 de setembro, eram 98 mil reais gastos na campanha de Juninho, de um total de 190 mil reais arrecadados. Segundo André Calçados, entretanto, a expectativa é movimentar por completo todos os cerca de 224 mil reais do limite legal permitido.
Juninho atribui parte de sua popularidade à capacidade de pensar um pouco diferente da maioria das pessoas, sem confronto. “Quem pensa diferente de mim não é meu adversário, não tenho que brigar com ele. Acredito que esse perfil faz com que a gente tenha facilidade de conversar e de agregar as pessoas”, conta.
Diz, porém, que nem sempre consegue agradar. “É porque eu tenho uma Câmara que não é subserviente a mim. É uma Câmara que me cobra, que corrige os meus erros. No começo do meu mandato, principalmente, o pessoal que era naquele momento da oposição falava: ‘Ô, a tua base bate pra caramba em você.’”
“Temos sempre frisado que o atual prefeito fez um ótimo mandato. E talvez isso tenha tirado o desejo, a vontade de outros partidos que não fazem parte da coligação de lançar um candidato próprio também”, reflete Abdenor Maluf, presidente do PL na cidade e vereador candidato à reeleição.
Nascido em Ribeirão Preto e criado “na roça”, como diz, Juninho estudou em escolas públicas. Solteiro, se diz uma pessoa de gostos simples, “um eclético” por natureza. É torcedor do Palmeiras, mas não costuma ir a jogos, e já foi articulador do movimento hip-hop na cidade – nutre uma admiração por Mano Brown, dos Racionais MCs, que ele contar ter contratado para tocar na cidade décadas atrás. Hoje, traz ícones sertanejos como Jorge & Mateus para as festas locais. Um ecletismo musical coerente com o partidário.
No mais, evita ao máximo qualquer assunto pessoal, exceto a admiração que nutre pelo avô, falecido há três anos, sua grande referência. A aptidão política é herança genética. O tio-avô Alberto Gaspar Gomes foi prefeito por dois mandatos, de 1952 a 1955 e de 1960 a 1963. A irmã, Marcela Gaspar, é vereadora e estará novamente na urna.
Ele próprio está em sua sexta eleição. Formado em publicidade e direito, estreou na política aos 22 anos, com a alcunha Juninho do Pão de Queijo, em referência ao produto que vendia no comércio local. Candidatou-se a vereador pelo PTB, perdeu, mas conseguiu o cargo de suplente. Em 2008, conquistou uma vaga na Câmara Municipal e emplacou de novo em 2012. Em 2016, migrou para o PSB e concorreu pela primeira vez para prefeito com o nome Juninho Gaspar, sem sucesso. Passou quatro anos fora desses gramados, quando atuou como superintendente regional do Detran e gerente regional da Ceagesp de Franca. Em 2020, saltou para o PP, seu partido atual, e foi finalmente eleito prefeito com 16 mil votos. A chapa já tinha múltiplas siglas, inclusive o PT.
Janaína Castro, uma liderança local do partido de Lula, elogia: “O trabalho que o prefeito está fazendo vai muito ao encontro daquilo que a gente acredita.” Ela diz que, mesmo as esferas petistas superiores não se entusiasmando com a parceria, existe compreensão. “A orientação é que não se coliga com o PL, com a extrema direita. Mas precisamos olhar a realidade do município. Eu não concordo praticamente com quase nenhuma das bandeiras que o PL defende. Mas eu não posso ignorar o fato de que eles, através dos deputados deles, contribuíram com o município.”
Abdenor Maluf, do PL, vai pelo mesmo caminho: “Eu não me considero coligado com o Republicanos, assim como não sou coligado com partido de esquerda. Nós optamos, enquanto PL, por apoiar o atual prefeito e o atual vice-prefeito, apenas.”
Pela legislação eleitoral, os partidos podem se aliar de duas formas: nas federações os partidos estão unidos nacionalmente, e assim permanecem nas esferas estadual e municipal – atualmente, existem três Federações constituídas: Brasil da Esperança (que une PT, PCdoB e PV), PSDB Cidadania e Psol Rede. Localmente, entretanto, podem somar benefícios (como tempo de tevê e rádio).
Com a barbada na eleição para prefeito (Juninho já está convidando pessoas para a posse), todos os olhos se voltam para a disputa para vereadores. Em Batatais, cada partido pode ter até dezesseis candidatos. Neste ano, 173 se inscreveram. Os caciques da política batataense têm feito muitas contas. Em 2020, para ser eleito para o parlamento local, era preciso estar em um partido com no mínimo 1.748 votos, pelas regras de quociente eleitoral. Segundo André Calçados, neste ano o número pode baixar, e o perigo maior, acredita, é a abstenção, que da última vez passou dos 30%. “Estamos com medo disso e procurando explicar para o eleitor que é preciso ir votar.”
Batatais tem uma rica história política. No final do século XIX, entre 1897 e 1899, foi governada por Washington Luís, que foi presidente entre 1926 a 1930. É também a cidade natal de Altino Arantes, governador paulista de 1916 a 1920, que inspirou o nome da cidade vizinha, Altinópolis. Na cultura, o município conserva o maior acervo de obras sacras do pintor Candido Portinari (1903-1962), com 28 peças expostas no Santuário do Senhor Bom Jesus da Cana Verde, entre elas A Sagrada Família e A Fuga para o Egito.
Com seus 58,4 mil habitantes, é muito superior à média de 6,7 mil moradores registrada nos outros 214 municípios com candidato único. O menor é o paulista Borá, com 907 habitantes. Na região de Ribeirão Preto, onde está Batatais, há mais cinco municípios nessa situação: Boa Esperança do Sul, Fernando Prestes, Jaborandi, Nuporanga e Santa Lúcia.
O número de cidades com candidatos avulsos vêm crescendo. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, que compila esses dados há cerca de duas décadas, foram 95 em 2016 e 107 em 2020, até quase dobrar neste ano. Segundo levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos, de Brasília, desde as últimas eleições cresceu também a quantidade de prefeituras com apenas dois candidatos: de 2053 em 2020 para 2766 neste ano, do total dos 5569 municípios brasileiros com eleições).
O número total de nomes na disputa está em queda, como efeito de medidas de reforma política que tendem a desincentivar candidaturas pouco competitivas, como a cláusula de barreira, que restringe a atividade de agremiações com pouca representatividade no Congresso. Entre 2020 e 2024, o total de prefeituráveis caiu de 19,3 mil para 15,4 mil. Se forem levados em conta todos os inscritos nos pleitos municipais (incluindo vices-prefeitos e vereadores) o número vai de 543 mil para 463 mil, uma retração de 80 mil nomes.
Ainda assim, é difícil quem ache a candidatura única algo saudável. “A gestão do Juninho é boa. Mas não ter [mais um] candidato é muito ruim”, diz o apoiador André Calçados. “Democraticamente, seria muito bom ter um outro candidato.”