Nada deveria ser surpresa aos usuários das redes quando o assunto é o surgimento de figuras caras ao agrupamento bolsonarista. São inúmeros os exemplos de subcelebridades que, não mais que de repente, ressurgem repaginadas e adeptas do bolsonarismo. Nada mais tocante do que a forma como o cluster governista abraça essas figuras, de qualquer origem, passado ou presente. O mais novo herói é o cantor Sérgio Reis. Ex-deputado federal identificado com a população rural, intérprete célebre de sucessos do cancioneiro como Menino da Porteira e Panela Velha, e, coincidentemente, próximo de garimpeiros favoráveis ao garimpo em terras indígenas. Quase sempre há uma coincidência reveladora.
Nas redes, o perfil do cantor no Instagram teve um aumento de quase 30% no total de seguidores nos últimos dias, saindo de 281 mil, no dia 13 de agosto, para 363 mil, no dia 16 de agosto até as 12 horas. Menções ao seu nome explodiram no Twitter, registrando o pico de ocorrências em 2021, com mais de 111 mil publicações sobre ele na segunda-feira (16/08).
Sites bolsonaristas, alguns deles conhecidos e condenados por propagarem fake news, aproveitaram para convocar apoiadores do presidente a participarem de manifestações no dia 7 de setembro e registraram grande volume de interações, principalmente no Facebook.
Sérgio Reis é declaradamente apoiador de Bolsonaro há tempos. Inclusive teve um vídeo extraído de uma de suas lives publicado por Eduardo Bolsonaro em 15 de abril de 2021.
Algumas subcelebridades esquecidas no debate mainstream também foram ressuscitadas e são ovacionadas até hoje, como o ator Thiago Gagliasso, irmão de Bruno Gagliasso, que começou 2021 com 432 mil seguidores no Instagram e agora alcança 604 mil. Enquanto Bruno é opositor de Bolsonaro, Thiago publica com frequência prints de posts do presidente e ataques à mídia e à oposição.
Além dele e de Sérgio Reis, outros nomes “famosos” foram rapidamente abraçados pelo bolsonarismo, como Guilherme Fiuza, Alexandre Garcia e Rodrigo Constantino, jornalistas que fazem ginástica mental todos os dias para conseguir continuar explicando e defendendo o presidente.
E o que dizer do ex-deputado Roberto Jefferson? Do ostracismo político, foi alçado à categoria de herói bolsonarista com sua recente prisão (654 mil menções no Twitter nos últimos sete dias), com direito a duríssimo ataque do presidente aos ministros do Supremo após a decisão de Alexandre de Moraes na semana passada.
No entanto, se é cobrada fidelidade plena deles, não se pode dizer o mesmo do outro lado. O bolsonarismo pode chutar esses heróis em questão de horas. Vide o exemplo mais emblemático, Sergio Moro, ou mesmo alguns pseudo jornalistas que se submeteram ao negacionismo da pandemia, citando dados esdrúxulos como o de que pessoas morreriam mais engasgadas nos Estados Unidos do que acometidas pela Covid-19, como fez Caio Coppolla. O bacharel em direito pela USP já foi uma das figuras centrais da comunicação bolsonarista, tendo sua performance na Jovem Pan ou na CNN celebrada em vídeos cortados – sempre fora do contexto, beneficiando o argumento bolsonarista, é claro. Caiu em desgraça com governistas, principalmente após a descoberta de que ele havia feito o “marketing” da campanha de um candidato do Partido Novo, o que não é tolerado especialmente por olavistas. E olha que o Partido Novo é quase tão governista quanto qualquer outro partido do Centrão, em se tratando de votações favoráveis a Bolsonaro no Congresso.
Toda essa onda em torno de Sérgio Reis pode até aumentar ainda mais até o dia 7 de setembro. O cantor conseguiu ao menos mobilizar, ao lado do próprio presidente, as redes em torno das manifestações no fim de semana. Gravou um áudio, que circulou por WhatsApp, no qual afirmava que os caminhoneiros e produtores de soja parariam o país até que o Senado afastasse os ministros do Supremo.
No início da semana o clima começou a mudar. O líder das paralisações dos caminhoneiros de 2018, conhecido como “Chorão”, gravou vídeo desmentindo Sérgio Reis como líder da categoria. Parece que o cantor não representa tanto o movimento assim. Rapidamente Reis disse que não havia falado em nome dos caminhoneiros.
Também na segunda-feira (16/08), a companheira do cantor disse que Reis estava deprimido por conta da repercussão do áudio que causou revolta em Chorão. Teria sido um mal-entendido, segundo a companheira.
Com Sérgio Reis titubeante e sem representar os caminhoneiros, bolsonaristas se viram em menor número na defesa do cantor, com menções da oposição superando a investida governista nas redes para impulsionar os atos marcados para 7 de setembro.
Ainda na segunda à noite, mais um racha. O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Antonio Galvan, bolsonarista de primeira viagem, foi duramente criticado por Blairo Maggi, um dos maiores produtores do mundo, por associar a entidade ao apoio irrestrito aos rompantes de Bolsonaro contra as instituições e o STF.
GRAFO COM MENÇÕES A “SÉRGIO REIS” EM 16/08/2021
A oposição, juntando o agrupamento de esquerda, liberais e até retuítes da imprensa, foi responsável por 56% do debate em torno do cantor Sérgio Reis na segunda-feira (16), criticando sua atitude. Os governistas, tentando impulsionar a tese de que o cantor na realidade estaria preocupado com o “abatimento” de Bolsonaro, ficaram com 44%. Recuo estratégico diante dos desdobramentos após a circulação do fatídico áudio.
É mais uma história de um defensor de Bolsonaro que acaba se chamuscando num arroubo que pareceu impensado, dado seu arrependimento posterior. Se não bastasse a repercussão negativa nas redes sociais e a reclamação de uma das lideranças dos caminhoneiros, a exposição do cantor revirou seu passado e revelou suspeitas até de que ele tenha pago uma cirurgia íntima com dinheiro público. Como saldo final, o presidente – que outra vez piorou sua imagem na mais recente pesquisa de opinião – colocou mais um apoiador na sua boleia, e Reis desceu banguela abaixo.
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