A convenção do diretório estadual do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro, o PRTB, terminara havia alguns minutos quando um de seus candidatos ao Senado, Rodrigo Reis, caminhando para deixar o salão cercado por apoiadores, ergueu a bandeira do Brasil que trazia numa das mãos e bradou: “Esta bandeira foi levada a Brasília por Deltan Dallagnol e Sergio Moro junto com as dez medidas contra a corrupção. Ela simboliza o PRTB.”
A bandeira, na verdade, não era dele. Fora levada à convenção – realizada num clube de classe média no Ahú, bairro da região norte de Curitiba onde também funciona a sede paranaense da Justiça Federal, local de trabalho de Moro – pela empresária Rafaela Pilagallo. A bonita morena liderou os protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff na cidade, atuação que lhe valeu o apelido de “musa da Lava Jato” e um convite de Reis para que fosse a suplente em sua chapa ao Senado.
O partido de Levy Fidelix – persistente aspirante à Presidência que defende o aerotrem como solução para o trânsito nas capitais brasileiras e ganhou notoriedade por uma declaração obtusa sobre a homossexualidade – busca ganhar na Lava Jato, e nos manifestantes de direita que foram às ruas defender a operação, o impulso necessário para fugir do nanismo político. Fidelix obteve 0,06% dos votos no primeiro turno de 2010 e – graças aos ataques verbais contra os homossexuais – 0,43% em 2014.
Moro e Dallagnol, claro, estiveram presentes apenas nos discursos dos candidatos. Mas o policial federal aposentado Newton Ishii, conhecido como o “Japonês da Federal” foi à convenção. Chegou justamente quando Reis, microfone em punho, tecia loas às investigações.
Ishii entrou mudo e saiu calado. Perfilou-se – de óculos escuros, naturalmente – ao lado de Reis e Pilagallo. Retirou-se em seguida, não sem antes parar para dezenas de selfies com os candidatos do PRTB – até o mestre de cerimônias da convenção deixou seu posto em busca de uma. Filiado ao Patriota, nova denominação do antigo Partido Ecológico Nacional, escolhida para a fracassada filiação de Jair Bolsonaro, o Japonês faz mistério sobre uma eventual candidatura sua a deputado federal.
“Não sei [se serei candidato]. Até dia 4 [de agosto] eu decido. Me aposentei pra descansar, queria ficar tranquilo. Mas quero convencer as pessoas a não votarem em branco ou nulo”, falou. Por via das dúvidas, porém, ele dedicou o sábado (28) a visitar convenções partidárias. Pela manhã, passou pela do PMN, partido do parnasiano prefeito de Curitiba, Rafael Greca. À tarde, foi à do PRTB. Também esteve em convenções do Patriota em cidades de São Paulo e em Manaus. A eventual candidatura, porém, pode parar na lei da Ficha Limpa: Ishii foi condenado por corrupção e descaminho em 2009. Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça manteve a sentença.
“No dia em que o Moro decretou a prisão do Lula, eu falei: é hoje. Foi quando me filiei”, contou Pilagallo à piauí, já do lado de fora do salão em que ocorrera a convenção. Cercada de correligionárias do movimento que fundou, chamado “Mais Brasil – Eu acredito”, ela parecia aliviada depois de ter passado pela prova de discursar para centenas de pessoas (613, ao todo, participaram do evento, segundo o administrador do salão, obrigado a controlar o acesso por norma do Corpo de Bombeiros).
“O dia foi bem histórico pra mim”, ela resumiu. Recém-apresentadas, a ativista e a política partidária mostraram alguma falta de afinidade. O mestre de cerimônias errou o nome da moça ao apresentá-la como Rafaela “Pilagato”. Ela, atropelando as palavras, admitiu o noviciado ao começar seu discurso. “Estou um pouco nervosa, porque meu trabalho sempre foi na rua fazendo ativismo político”, desculpou-se. Mas logo pegou o jeito: “Achei que seria o momento de sair do ativismo para compor com ele, numa nova caminhada dos movimentos rumo ao Congresso Nacional. Estamos aqui para terminar um trabalho que foi louvável”, defendeu, para aplausos dos convencionais.
“Conheci o PRTB num evento em São Paulo em setembro passado”, ela explicaria, após a convenção. “Estavam lá o general Paulo Chagas, o pessoal que fez o Escola Sem Partido, o [príncipe] Luiz Philippe de Orleans e Bragança. É o povo da rua. Depois o Levy veio a Curitiba, queria conhecer os movimentos. Ficou três horas conversando conosco, mostrou as propostas de campanha”, disse.
Pilagallo diz ter acompanhado as excursões de Dallagnol e outros procuradores a Brasília em defesa das dez medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal. “Fomos saudados pela força-tarefa, entregamos mais de 20 mil assinaturas [favoráveis ao projeto]. Até recebemos deles uma homenagem por isso”, explicou.
A empresária crê ter sido Dallagnol o responsável por torná-la uma ativista. “Foi numa palestra em 2015 que ele nos convenceu que se abria uma janela de oportunidades para ajudar, acompanhar o Sergio Moro, pois sentíamos que sem o apoio das ruas [a operação] não iria em frente. Como curitibanas e patriotas, foi nossa missão levar o verde e amarelo às ruas”, ela disse. Não foi a Lava Jato, porém, o que primeiro levou Pilagallo a protestar, mas sim a reeleição de Dilma Rousseff. “Fomos a Brasília entregar o primeiro pedido de impeachment, numa ação popular.”
Foi nessa época que a bandeira do Brasil que ela levou à convenção começou a ganhar autógrafos. Ali estão, segundo ela, as assinaturas de colegas de manifestações misturadas às de gente como Dallagnol e a advogada Janaína Paschoal.
Embora novata, Pilagallo já tem uma característica notável dos políticos de carreira: a habilidade para desconversar quando não quer responder uma pergunta. Fez isso quando indagada sobre o que pensa de Levy Fidelix ou qual seria seu candidato a presidente – o PRTB se divide entre lançar mais uma vez o homem do aerotrem, o general Hamilton Mourão (que desde 2017 defende uma intervenção militar) ou ainda se aliar a Jair Bolsonaro ou Álvaro Dias.
“O Rodrigo [Reis] abriu o partido para o ativismo participar. O Brasil não pode ser só de políticos de carreira, de clãs”, falou Rafaela Pilagallo, quando questionada sobre a decisão de aceitar o convite para ser suplente de senador. No entanto, Reis, advogado e economista, é exatamente o herdeiro de um clã político local: é filho de Julieta Reis, que em 2016 elegeu-se para o sexto mandato consecutivo de vereadora em Curitiba pelo DEM.
O sucesso eleitoral da mãe, contudo, o filho não herdou. Reis candidatou-se, em 2002, a deputado estadual, mas teve 5.493 votos. Em 2006, ganhou um cargo no gabinete de Julieta e, segundo uma série de reportagens do jornal Gazeta do Povo, simultaneamente recebeu 135 mil reais (em valores da época) em pagamentos da Câmara em uma empresa de que era sócio. Em 2016, o Tribunal de Contas do Estado condenou mãe e filho a devolverem o dinheiro e pagarem multas.
Ele mesmo um dos líderes de manifestações pelo impeachment em Curitiba, Reis descreveu-se como “de direita, mas não radical”. Criticou Jair Bolsonaro – “Ele fala o que as pessoas querem ouvir, não o que acredito” – e Geraldo Alckmin – “O PSDB sumiu nas manifestações contra Dilma”. “Bolsonaro no segundo turno seria péssimo para o país”, disse, para em seguida se arrepender. “Se o partido se coligar com ele, como é que eu fico?”