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Long Play

Evandro Mesquita | 14 nov 2011_14h57
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Saudade dos LPs. Do garimpo nas lojas de discos que não existem mais. Bons tempos de pegar um LP e dissecá-lo com todos os sentidos. Saborear fotos, viajar nas letras e canções.

Lembro da minha primeira namorada, Cristina, no aniversário dela, quis fazer bonito. Com ajuda das moedas do meu porquinho e da mesada, comprei o recém lançado e fui pra festinha. Não conhecia ninguém da turma do final Leblon. Era uma época de brigas entre turmas e eu tava cabreiro. Cheguei arrumadinho e, sem graça, dei o presente. Ganhei dois beijos e uma recepção morna. Antes que eu falasse qualquer coisa, ela escorregou pra outros abraços e beijos de parabéns. Me esgueirei até um canto com o rabo a meio pau e pousei na janela, olhando a rua Dias Ferreira, que passava sem trânsito lá embaixo…

Totalmente estranho no ninho. Eu pensava, sem resposta, que porra eu estava fazendo ali? Sozinho na janela, avistava minha namorada flutuando e afundando entre parentes e amigos. Depois de uns dois LPs ela veio sorrindo me tirar pra dançar. Que felicidade! Finalmente, eu, o cara estranho e desconhecido da janela bailava com a aniversariante, com certa desenvoltura. Era o passaporte de imunidade. Uma moral respeitada por algumas turmas. Animado, comecei a arriscar mais na pista. Quando ela parou de dançar, pegou minha mão e me puxou de volta pra janela falando baixinho:

– Sabe o que é… Hoje de manhã… O Claudinho… Me pediu pra namorar… E eu aceitei… Ele ta aí… E por isso eu quero terminar nosso namoro, tá? Num fica triste não… Eu gosto muito de você como amigo, viu?

Fiquei chocado e implodindo só consegui balbuciar babacamente um… “Tá legal!” Fui às cordas e encurralado na janela tentava uma saída de emergência, enquanto Claudinho e seus amigos deviam estar filmando a situação. Agora não namorava ninguém, e podia entrar na porrada no final do período.

Sorrindo pra ninguém, deixei a pista da sala bombar mais um pouco e me esgueirei pelos cantos tentando ser o mais invisível possível. Mesmo sangrando, tentei mostrar naturalidade de quem não acusou o golpe. Continuei disfarçando fingindo que estava dançando e fui cambaleando até o corredor que dava pra porta de saída onde numa estante estavam os presentes que ela recebia. Focalizei o novinho. Peguei o disco e fiquei lendo e olhando a capa maravilhosa.

Por dentro o coração acelerava e soava mais alto que o baixo do Paul. Pego ou não pego… eis a questão. Pego! E peguei pegando e saindo na surdina atravessei os longos quatro passos até o hall de entrada. Até aqui tudo bem, pensei sem olhar pra trás. Desci correndo os 5 andares do edifício. Ganhei a rua e ainda com o coração na boca mantive o ritmo disparado, com o embaixo do braço, até o cinema Leblon onde morava. Meu consolo foi abrir um novinho em folha e colocá-lo na Silvesrtone em alto volume pra esquecer aquela garota que não soube me amar. Fiquei pensando na Michele do Mamas and the Papas.

bateu forte em minha vida desde então. Era um disco pra todos os sentidos. Quem procurasse bem descobria, entre outras coisas, os Stones escondidos por ali. Segredos e mensagens ocultas na capa e no disco. Lendas e mistérios da Amazônia, de cabeça feita e pra baixo… Se tocasse o disco ao contrário, escutava-se: PAUL IS DEAD! Seria o enterro do Paul? Paul morreu?

Quem é aquele e aquela? Por que? Discussões intermináveis no recreio e durante as aulas do colégio (André Maurois) sobre o significado daquele túmulo e das personalidades assistindo aquele funeral.

No colégio, meninas e meninos falando da preferência de com ou sem os bigodes, com franja ou sem franja. E as roupas dos caras. E as canções? LSD? Eram os deuses astronautas? Viajandões! Cada música um flash. Efeitos sonoros surpreendentes. Bom gosto surpreendente dos arranjos e vocais alucinantes. As histórias fantásticas das canções. As cítaras, solos, melodias arrebatadoras e incomuns de George Harison. Ringo With a Little Help From My Friends. Essa voz é do John… Ou é do Paul? Quem você prefere? Quem eles comem? Que carro eles têm? Segredos e mensagens ocultas estavam na capa e nas letras.

Na primeira versão da música parecia que estavam tocando ao vivo. Você imaginava o que cada um estava tocando… Aí vinha os efeitos de voz, os climas e solos pra George Martin nenhum botar defeito. Não eram apenas canções. Era uma proposta de arte, de vida. Viajava nas experiências, nas letras. Fiz muito curso de inglês pra saber o que os caras tavam falando.

Nessa época, uns amigos surfistas samurais foram numa trip de surf de Kombi ao Peru, cruzaram os Andes de sandálias havaianas… Eles contavam que lá tudo tinha que ser traduzido pra língua local e que eles ouviram na rádio o cara anunciar mais ou menos assim (portunhol safado):

– “y ahora bamos olbir Los quatro de Liverpool… Cantando El loco de La Colina“.

Era Fool on the Hill, já do Magical Mystery Tour.

E outro surfista completava: “lá eles traduzem tudo. Até o cigarro Pall Mall. Eles chamavam de Cararro Cruel!”

Mas voltando ao disco dos Beatles. Foi o disco do sargento que colocou Pimenta e um sabor especial na música pop. E até hoje é fonte de inspiração na receita de um bom alimento sonoro.

Dica

Um tumblr que traz fotos de gatos em famosas capas de discos (fonte: revista Época)

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