Depois de ter estranhado o título em português – Cachorros –, verifiquei que o original, em espanhol, começa com o artigo “Los” que faz toda a diferença. Na Europa, Los Perros foi batizado de Mariana, uma boa opção por ser o nome da personagem principal. Só Cachorros, solto assim no vácuo, além de não servir como atrativo, ainda causa certa estranheza que é preciso vencer para ir assistir ao filme escrito e dirigido por Marcela Said.
Said, chilena radicada na França, dirigiu três documentários – Eu Amo Pinochet (2001), Opus Dei (2006) e O Menino (2011) –, todos de temática política, como deixam claro os títulos dos dois primeiros. O terceiro é enigmático, mas o filme retrata um faz-tudo que trabalhava em um centro de tortura durante os anos de ditadura, no Chile (1973-90).
Los Perros, segundo longa-metragem de Said, é um filme sobre a opressão. Mariana (Antonia Zegers) é oprimida por um vizinho, por seu marido e por seu pai. Burguesa petulante de meia-idade, ela canaliza seu afeto para cachorros (los perros, do título original) e cavalos, vítimas por sua vez, como as mulheres, da opressão dos homens.
Insatisfeita, Mariana atiça homens improváveis – um policial, com quem chega a ter uma relação fugaz, e Juan (Alfredo Castro), seu professor de equitação, antigo oficial da cavalaria, sob investigação por violação de direitos humanos cometida durante a ditadura Pinochet.
Los Perros impressiona por seu alto padrão da fatura, em especial a qualidade das interpretações de Zegers e de Castro, mas também a fotografia e o modo de filmar, ao mesmo tempo preciso, sóbrio e eficiente. Menos satisfatório, porém, é o perfil da personagem central que tem algo de Branca de Neve – Mariana parece ter ficado desacordada por mais de vinte anos, desde o fim da ditadura, sem que o filme indique, porém, como foi que ela começou a despertar para os crimes do passado.
Ainda assim, há algo que Los Perros compartilha, apesar de suas insuficiências, com certos filmes chilenos e argentinos, e que chama atenção de quem acompanha de perto o cinema brasileiro. Primeiro, o simples fato de lidarem com os crimes e criminosos dos anos de ditadura, o que não ocorre, ou ocorre pouco entre nós. Depois, e tão ou mais importante, o fato de tratarem do tema de maneira adulta, enquanto nosso cinema parece estacionado, em grande parte, na adolescência e mesmo, em alguns casos, na infância.
Said teve seu primeiro longa-metragem de ficção, O Verão dos Peixes-Voadores, exibido na Quinzena dos Realizadores, em 2013, e Cachorros na Semana da Crítica, em 2017, ambos eventos do Festival de Cannes. Essas credenciais parecem ter impressionado demais alguns críticos brasileiros, que aplaudem o filme mais por seu viés feminista do que por qualquer outra coisa. O público, porém, se mantém arredio. Nas duas primeira semanas, depois da estreia em 5 de julho, 2 935 ingressos foram vendidos em quatro cinemas – resultado sofrível que o filme certamente não merece.
Curiosamente, no domingo, 15 de julho, depois da lamentável derrota da Croácia para a França, a sala do NET Rio estava lotada na sessão das 17h50 – difícil saber se haveria alguma relação entre um fato e outro.