No dia 2 de abril, o site ThereIsNews.com estampou no alto da página a seguinte manchete: “Papa Francisco cancela a Bíblia e propõe a criação de um novo livro sagrado”. O texto, escrito em inglês, levava a etiqueta de “breaking news”, aquela usada pelos telejornais quando colocam no ar uma notícia bombástica, e ainda contava com uma versão completinha em espanhol. A “notícia”, de autoria do “repórter” Sr. Lobo, “informava” que o Pontífice havia surpreendido o mundo inteiro ao dizer que a Bíblia era um documento ultrapassado e que precisava ser revisto. “Contava” ainda que o Papa faria uma reunião com a cúpula da igreja católica nos próximos dias e que, nos bastidores, o novo documento já havia sido batizado como “Bíblia 2000”.
Até o último sábado (26) as versões em inglês e espanhol dessa “notícia” continuavam disponíveis para leitura na internet. Segundo o CrowdTangle, ferramenta do Facebook capaz de medir a popularidade de uma URL nas redes sociais, os dois links somados já tinham sido postados por 67 páginas no Facebook e já colecionavam mais de 26 mil interações (curtidas, compartilhamentos e comentários) apenas nesta rede social. Entre elas, havia centenas de postagens raivosas do tipo “Tirem esse demônio do Vaticano!” ou “[Esse Papa] É uma vergonha para a igreja católica. Deve ser deposto!”. Todas iniciando longas discussões sobre o caráter e a real capacidade de Francisco para liderar a igreja católica.
Pouquíssimos foram os leitores desse material que se deram ao trabalho de navegar pelo site que havia produzido aquela “informação” e constatar que o ThereIsNews.com – assim como o HayNoticia.es, responsável pelo texto em espanhol – se posiciona como “uma página de humor, cujo propósito é divertir”. Que diz claramente que “seu conteúdo é ficção e não corresponde à realidade”. Ou seja, que qualquer “notícia” por eles postada não tem qualquer verossimilhança. Não é uma notícia. Pouquíssimos, no entanto, foram os leitores que pararam para respirar diante daquela “breaking news” e decidiram investigar mais sobre seus autores antes de compartilhar o conteúdo na internet. Seguiram a manada do “na dúvida, compartilhei”.
E essa obviamente não foi a primeira – nem muito menos – a última notícia falsa (ou brincadeira levada a sério por muitos) envolvendo o Papa. Há casos hilários que revelam a ingenuidade ou a pré-disposição dos seres humanos a não refletir sobre aquilo que recebem.
Santo merengue?
Em novembro do ano passado, um vídeo postado no Youtube “mostrava” Francisco dançando merengue na Colômbia. A gravação, que exibia um senhor sacolejando, teve mais de 150 mil visualizações desde então e – como não poderia deixar de ser – suscitou ódio e ira contra o líder da igreja católica. Foi preciso que o site Snopes.com, que faz checagem de fatos nos Estados Unidos e é membro da International Fact-checking Network (rede da qual a Agência Lupa também faz parte), entrasse na história e a classificasse como falsa. A análise dos checadores mostrou que o vídeo era apenas de um homem parecido com o argentino Jorge Mario Bergoglio que havia se fantasiado de Papa para curtir um merengue. Nada mais.
São “notícias” como essas duas que levaram os jornalistas italianos Nello Scavo e Roberto Beretta a escrever o livro “Fake Pope” que acaba de ser lançado na Itália pela editora San Paolo. Na obra, os dois falam sobre 80 fake news contra Francisco, revelando que nem o Papa está livre dessa praga.
Na obra, há uma série de fotos falsas que circulam pelos rincões da internet e que merecem atenção. Numa delas, por exemplo, o Papa aparece em primeiro plano supostamente emanando uma sombra diabólica, com chifres e tudo, contra uma coluna de mármore à sua esquerda. Para evidenciar a manipulação, os jornalistas localizaram a imagem real e indicaram como a alteração havia sido feita.
Segundo a crítica do jornal italiano LaStampa, Scavo e Beretta, reconhecidos por cobrir a vida eclesiástica há anos, acertaram em cheio ao se debruçar sobre as fake news do Papa. “Fake Pope”, ainda sem tradução para o português, é “um livro fácil de ler com um valor documental objetivo e inegável”.
*Este texto foi publicado pelo site da revista Época em 28 de maio de 2018.
Editado por: Natália Leal
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