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Luz no fim da quarentena: Como combater a variante P1?

Os anticorpos de quem já teve Covid-19 combatem a variante P1 com a mesma eficácia com que combateram a versão original do Sars-CoV-2? E a CoronaVac, protege igual?

| 12 mar 2021_14h19
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No 62º episódio do Luz no Fim da Quarentena, José Roberto de Toledo e Fernando Reinach falaram sobre o paper recentemente publicado pela revista Lancet que estuda o combate à variante verde-amarela da Covid-19; e como os anticorpos de quem já teve a variante original reagem a essa nova mutação. Ouça o episódio completo aqui.

 

José Roberto de Toledo: Nem tudo o que vem à luz é boa notícia, mas as más notícias também podem iluminar o caminho. A tradicional revista Lancet publicou no seu site um estudo assinado por meia centena de cientistas brasileiros sobre a reação do sistema imunológico humano à variante P1 do Sars-CoV-2, a chamada variante de Manaus. Os pesquisadores são da USP, da Unicamp, da Universidade de Oxford e do Imperial College London, entre outras instituições. O que eles fizeram: eles compararam a eficácia dos anticorpos presentes no sangue de quem já teve Covid quando expostos primeiro à versão original do vírus e, depois, quando expostos à nova variante, e fizeram a mesma coisa com o soro extraído de pessoas vacinadas com a CoronaVac. Os resultados da variante um e da variante dois foram muito diferentes. A eficácia dos anticorpos contra a variante P1 é bem menor, quando não inexistente. Essa pesquisa é pioneira e mostra a necessidade de estudos ainda maiores para confirmar ou não esses resultados. Fernando Reinach explica por que isso tem que ser feito e por que tem que ser feito logo.

Fernando Reinach: Toledo, saiu essa semana a primeira leva de papers sobre o que estou chamando de coronavírus verde e amarelo, variante de Manaus, a P1, que hoje se sabe que ela fez aquele estrago que a gente viu em Manaus, até ontem a gente não sabia como é que ela estava se espalhando no Brasil. Ontem a Fiocruz publicou os resultados mostrando que, na maioria dos estados onde eles olharam, já é responsável por mais de 50% dos casos, então ela está se espalhando muito rápido. A gente sabe também que a quantidade de vírus presente na garganta de pessoas infectadas por essa P1 é muito maior e, provavelmente, é por isso que ela se espalha tão rápido e muito muito provavelmente ela é responsável por esse aumento enorme de casos que a gente está vendo agora.

José Roberto de Toledo: E também das mortes…

Fernando Reinach: E também das mortes etc. A gente também tá vendo muito mais jovens internados em UTIs, você não sabe se é porque a P1 tem uma preferência por pessoas mais jovens ou porque os mais jovens se expuseram mais. Então, são as duas coisas. Mas o que eu acho interessante é o seguinte: no ano passado, a gente estava lidando com uma pandemia que era igual no mundo todo, era provocada pelo mesmo vírus no mundo todo. Descobriram não sei o que na Alemanha… Aí a gente conversava aqui sobre aquilo e, provavelmente, é a mesma coisa no Brasil. Agora, descobriram isso na Itália, provavelmente era a mesma coisa no Brasil. Apesar de o Brasil ter uma população diferente, um clima diferente, o vírus era idêntico. Agora, com essas variantes, por exemplo, o primeiro caso foi na Inglaterra, tem a variante inglesa, que é diferente da variante original, chamada variante de Kent. Ela tem características diferentes, ela se espalha muito mais rápido.

José Roberto de Toledo: Os ingleses trataram de estudar essa variante porque ela estava se tornando majoritária e dominante na Inglaterra, no Reino Unido.

Fernando Reinach: E, portanto, eles tomaram medidas de distanciamento social muito mais rígidas na Inglaterra, porque a variante se espalha mais rápido. Aqui no Brasil, agora, nós estamos lidando com uma variante chamada P1, é uma variante que está na beira de dominar o Brasil. Ela apareceu em outros países, os países estão apavorados, não estão deixando ir brasileiro pra lá, estão tentando não deixar essa variante chegar lá e falar “bom, essa variante agora é um problema dos brasileiros”, e estão começando a surgir aqui no Brasil, ainda bem, os primeiros trabalhos de caracterização da P1.

José Roberto de Toledo: Que é esse paper que a gente vai falar agora.

Fernando Reinach: Esse paper tem duas partes. A primeira parte tenta investigar se as pessoas que já foram infectadas pelo coronavírus no ano passado, foram infectadas pela P., a original, será que os anticorpos que foram produzidos por essas pessoas são capazes de neutralizar a variedade nova? Isso é muito importante, entendeu? Porque se eles não forem muito capazes de neutralizar, você pode ter muitos casos de reinfecção. A gente não sabe se vai ter ou não. Então o que é que eles fizeram: eles pegaram dezoito pessoas que tinham casos moderados de várias idades lá atrás, e que estão se recuperando ou já se recuperaram em quantidades grandes de anticorpo, e pegaram o sangue dessas pessoas e, portanto, os anticorpos que essas pessoas geraram após a infecção. E foram ver se esses anticorpos neutralizam a nova variedade. Então, a primeira coisa é ver se eles neutralizam a variedade original. Realmente eles fizeram isso e essas pessoas têm uma quantidade enorme de anticorpos que neutralizam o original, portanto, é muito provável que não tenham reinfecção. Tem casos de reinfecção, mas são raríssimos, a gente conversou aqui. Aí eles falaram: será que esses anticorpos anti B, são anticorpos gerados por uma infecção por B, são capazes de neutralizar a variante de Manaus? Então, o que é que se faz: pega o vírus de Manaus e põe ele para infectar células humanas em cultura numa plaquinha. E se você colocar qualquer coronavírus nessa plaquinha, ele mata todas as células. Aí você coloca primeiro o soro dessas pessoas convalescentes e vê que, se você usar o vírus original, tem um bloqueio. Então protege. Esse tecido infectado protege você da variedade antiga. Aí depois eles puseram o vírus P1, que é o vírus de Manaus, e observaram que ainda tem proteção. Quem foi infectado antes tem anticorpos neutralizantes contra a cepa de Manaus.

José Roberto de Toledo: Como eu já disse, eu já tive e estou contando com os meus anticorpos para combater a P.1 também. E eu posso, Fernando, no mesmo nível de eficiência assim para bloquear P.1 quanto tenho para o P original?

Fernando Reinach: Não, essa é a diferença. Eles têm menos capacidade de neutralizar variantes de Manaus, ou seja, eles bloqueiam a entrada, mas não bloqueiam tão bem quanto eles bloqueiam a entrada do coronavírus original.

José Roberto de Toledo: Qual é a conclusão? Quanto menos?

Fernando Reinach: Eles têm um sexto.

José Roberto de Toledo: Isso não quer dizer que um em cada seis convalescentes do vírus tipo P vão pegar a variante P.1 se tiverem contato com ela, não é por aí, né?

Fernando Reinach: Não é por aí. Isso é um ensaio. É uma das características do sistema imune à presença desses anticorpos neutralizantes, o fato de se ter menos anticorpos neutralizados contra a variedade de Manaus, se você foi infectado com o vírus antigo, o original, pode se refletir, na prática, um pequeno número de reinfecções ou pode gerar nenhuma reinfecção. Isso só vai ser medido na prática mesmo. Mas o fato é que, se você foi infectado pelo vírus original, você realmente já tem uma certa proteção contra o novo vírus.

José Roberto de Toledo: Podemos ler tanto como um copo meio cheio ou meio vazio. O lado vazio é que a proteção é menor. O lado cheio é que se tem proteção.

Fernando Reinach: Você tem a proteção. Então se mediu que se tem só um sexto. Depois, eles vão ter que medir, na prática, se tem muita reinfecção ou não.

José Roberto de Toledo: Só acho que vale a pena a gente colocar todos os poréns: o estudo tem um número de casos limitado, não é um estudo em larga escala…

Fernando Reinach: É um estudo que ainda não passou por revisão de pares, apesar de ser feito por um grupo enorme de cientistas muito respeitados, e foi feito com menos de vinte pessoas. Então essas vinte pessoas têm um sexto da capacidade de bloquear a entrada da nova variedade, comparado com a capacidade que eles têm de bloquear a variedade original. E não são pessoas que tiveram aqueles casos gravíssimos, eles são pessoas que tiveram casos sintomáticos, com bastante sintomas, mas não chegaram a ser hospitalizados. Então a expectativa, o resultado dessa primeira parte do trabalho é que provavelmente todo mundo que foi infectado – por exemplo, São Paulo que tem 2,5 milhões de pessoas infectadas – essas pessoas têm uma chance grande de não serem reinfectadas pela nova variedade.

José Roberto de Toledo: Especialmente se elas evitarem o convívio social intenso, se elas usarem máscara…

Fernando Reinach: Exatamente. Mas como a gente não tem certeza se eles vão ser reinfectados, você deve continuar usando máscara e evitando o convívio social até essas coisas ficarem bem claras. Daqui uns dois meses a gente vai saber com certeza se a variedade de Manaus reinfecta quem foi infectado ou não. Então essa é a primeira parte do estudo. Essa primeira parte foi feita com soros de pessoas que foram infectadas pela variedade original. A segunda parte do estudo foi feita com soros de pessoas que participaram do Clinical Trail da CoronaVac, a fase 3, ou elas tomaram um placebo ou elas receberam a vacina. São oito pessoas que participaram do Clinical Trail da CoronaVac, receberam duas doses da CoronaVac meses atrás. Ou seja, são o trio típico vacinado pela CoronaVac, enquanto o representante dos infectados pela variedade original chama Toledo, o representante dos vacinados pela CoronaVac chama Fernando. Hoje eu tomei minha segunda dose. Aí eles foram pegar essas pessoas e foram investigar os anticorpos que essas pessoas vacinadas têm, que proteção eles dão para os dois tipos e variedades. Então a primeira coisa, eles pegaram células humanas, colocaram o vírus original e colocaram o soro dessas pessoas. E o que eles observaram é que essas pessoas vacinadas possuem anticorpos neutralizantes contra o vírus original, que é o esperado, porque a CoronaVac diminui 50% das suas chances de se infectar, então ela tem.

José Roberto de Toledo: E é uma proteção maior ou menor do que a dos Toledo?

Fernando Reinach: É uma proteção menor do que as do Toledo. Isso também é esperado porque, no caso dos Toledos, uma infecção pelo vírus original diminuía tua chance em 90% e CoronaVac diminuindo a chance só em 50%.

José Roberto de Toledo: Para roubar sua metáfora, ser infectado pelo vírus original é mais ou menos como tomar a vacina da Pfizer ou da Moderna.

Fernando Reinach: Exatamente. Agora, se você como eu tomou a CoronaVac, você diminui em 50% a chance de ser infectado pela variedade original. E você vê que você tem anticorpos capazes de fazer isso, em quantidade menor do que se você foi infectado, mas você tem. Então até aí tudo normal. Agora qual é a má notícia? É que se você usar, em vez do vírus original, se usar a variedade P.1, a variedade de Manaus, e colocar os anticorpos das pessoas vacinadas, ou seja, dos Fernandos, não protege contra a variedade de Manaus. Ou seja, nenhuma das oito pessoas tinha anticorpos capazes de impedir a variedade nova de entrar na célula. Isso é uma parte da resposta imune, tem resposta via célula T… Isso é um indicador.

José Roberto de Toledo: Não é necessariamente verdade então, vamos deixar isso bem claro, que os vacinados com a CoronaVac aqui estejam totalmente vulneráveis à variável P.1, é um indicativo de que podem estar.

Fernando Reinach: É um indicativo que podem estar. Esse é um estudo preliminar, com oito pessoas. A Lancet considerou ele importante o suficiente para colocar nos preprints, para todo mundo ver, não foi revisado por pares, são só oito pessoas, mas indica que é absolutamente necessário fazer esse estudo com todo o cuidado. Repetir esse estudo para ver se dá o mesmo resultado, aumentar as amostras, porque aí tem duas possibilidades: primeiro, esse estudo tá errado, porque é o primeiro estudo, ou ele vai se confirmar e realmente a vacinação pela CoronaVac aqui não gera anticorpos neutralizantes que, por sua vez, não é certeza que a vacina não dá um certo nível de proteção. Mas é uma espécie de um sinal amarelo para a CoronaVac. A gente vai precisar analisar com muito cuidado a resposta imune da CoronaVac frente à variedade de Manaus. A outra novidade é que hoje foi divulgado que os ingleses, que fizeram esse mesmo experimento com vacinados pela AstraZeneca, e não têm os dados como esse, têm um dado, o cara escreveu, tem a tabela, tem a figura, mas afirmaram e os jornais repetiram que, no caso da AstraZeneca, protege e tem anticorpos neutralizantes.

José Roberto de Toledo: Aí é menos ainda que não ser revisado pelos pares, não foi revisado por ninguém, ninguém viu o estudo só estamos reproduzindo, papagaiando o que os caras falaram.

Fernando Reinach: Exatamente. Enquanto que no caso desse estudo não, eles escreveram com todas as letras isso, as tabelas estão lá, são só oito pessoas, a gente tem que entender as limitações, mas é um resultado muito importante.

José Roberto de Toledo: Agora, nós temos um vírus brasileiro e ele precisa ser estudado pelos cientistas brasileiros como já começou a ser, vide esse primeiro paper. Agora, qual é o próximo passo? É um estudo imunológico, estudo epidemiológico?

Fernando Reinach: Vão ser dois estudos, vai ter um estudo epidemiológico, o mais importante é aquela cidade que está sendo toda imunizada no interior de São Paulo, a gente vai ver se as pessoas que estão tomando a CoronaVac vão ser infectadas ou não. E você tem que medir, repetir esse estudo mesmo, da quantidade de anticorpos neutralizantes nas pessoas vacinadas. Se tudo isso se repetir e as pessoas vacinadas começarem a ser infectadas, aí a gente vai descobrir que infelizmente a CoronaVac talvez não funcione contra essa nova variedade. E é por isso mesmo que a Anvisa deu uma licença provisória. Ela falou: “olha, não temos certeza que funciona contra tudo, que é perfeito.” Tem muita coisa para ser feita, inclusive esses estudos imunológicos contra variedades. Então o lado bom disso é o seguinte: que a gente tem uma variedade brasileira agora, que virou uma espécie de um problema nosso, não dá mais pra eu chegar aqui pra você e falar assim: “olha, tem um estudo interessante sobre a variedade que está acontecendo na Califórnia, olha como isso vai ser igual no Brasil.”

José Roberto de Toledo: Com um agravante, né, Fernando, de que, como o Brasil está lento na vacinação, a população é muito grande e a gente está vivendo o pior momento da epidemia, em número de mortes pelo menos, a chance de haver novas mutações no Brasil não é pequena.

Fernando Reinach: E o problema de quando a pandemia está se espalhando tão rápido é que o tempo que leva para um estudo epidemiológico cuidadoso mostrar se a CoronaVac protege ou protege menos é meses, e meses é tempo demais. Então, mais um argumento de que a gente devia estar introduzido rapidamente as outras vacinas, enquanto eu espero o resultado se a CoronaVac funciona ou não, enquanto espera o resultado se AstraZeneca é mais ou menos eficiente, eu tenho que começar a construir um plano B, e esse plano B é uma coleção de outras vacinas.

José Roberto de Toledo: Que agora, finalmente, o governo federal disse que vai comprar a vacina da Pfizer e a vacina da Johnson & Johnson.

Fernando Reinach: E o que vai acontecer nas próximas semanas, que é claro, a Anvisa já deve ter lido esse paper. Vão começar a sair mais dados que vão ou comprovar isso ou talvez não confirmem isso, e aí vai ter que ter uma decisão, e talvez a gente decida que a CoronaVac é boa mesmo, vamos continuar usando ela ou talvez ter que interromper o uso. Enquanto isso, tem que fazer como eu fiz. Eu li esse paper faz dois dias, fiquei super preocupado e hoje de manhã fui lá e tomei a CoronaVac, entendeu? Porque você não pode ser guiado, se você tem uma formação científica, acredita em ciências, dados preliminares servem como uma espécie de incentivo para os cientistas olharem aquilo com muito cuidado, e é isso que eles vão fazer. E enquanto isso, tudo continua normal.

José Roberto de Toledo: Toma a vacina, fica em casa e usa a máscara.

Fernando Reinach: Usa máscara, lava a mão, fica isolado, não reclama das medidas de distanciamento social que são absolutamente necessárias, exige do governo tomar conta dos que vão perder o emprego, vão perder renda, vamos salvar as vidas e vamos com cuidado.

José Roberto de Toledo: Muito bem. Fernando Reinach, mais uma vez muito obrigado. É uma luz fraca no fim da quarentena porque os convalescentes ainda têm esperança, mas vamos esperar as próximas luzes para ver o que vem por aí.

Fernando Reinach: É isso aí, Toledo. Obrigado, tchau.

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