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Luz no Fim da Quarentena: A melhor vacina

A vacina da Pfizer tem aprovação definitiva da Anvisa e os melhores resultados em campanhas de vacinação ao redor do mundo; o que falta para ser aplicada no Brasil?

| 04 mar 2021_16h35
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No 61º episódio do podcast Luz no Fim da Quarentena, José Roberto de Toledo e Fernando Reinach falam sobre a aprovação pela Anvisa, em caráter definitivo, da vacina da Pfizer contra o Sars-CoV-2. O imunizante apresenta os melhores resultados em campanhas de vacinação ao redor do mundo, mas o governo federal não se mexeu para comprar as doses e distribuir para a população. Ouça o episódio completo aqui.    

José Roberto de Toledo: A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, aprovou em caráter definitivo para uso no Brasil a vacina da multinacional Pfizer desenvolvida em parceria com a startup alemã Biontech. Seria ótima notícia diante do recrudescimento da pandemia de Covid-19 no Brasil se o Ministério da Saúde não insistisse em recusar o imunizante que tem sido o mais bem-sucedido em campanhas de vacinação nos Estados Unidos, na Europa e Israel. Fernando Reinach analisa cada um dos argumentos usados pelo governo brasileiro para não fechar negócio com os alemães e diz o que pode acontecer agora que a vacina da Pfizer pode ser comercializada livremente no mercado brasileiro. Confira. 

Dr. Fernando Reinach, eu queria perguntar, pra começar, o que isso significa. Qual a diferença da aprovação definitiva para aprovação emergencial – que é o que a CoronaVac e a AstraZeneca têm.

Fernando Reinach: Até o começo dessa pandemia, só tinha aprovação definitiva. No começo da pandemia, eles criaram essa modalidade de aprovação emergencial. O que é uma aprovação emergencial? O produtor da vacina chega e fala: “olha, eu estou estudando, estou fazendo clinical trial no Brasil, já tenho bastante resultado, mas ainda não está terminado o estudo. Estão aqui todos os resultados que eu tenho, e eu acho que o pouco que falta eu apresentar para o resultado não vai alterar muito a história, e eu gostaria que vocês dessem uma aprovação emergencial.” Aí a Anvisa fala: “olhei todos os teus dados aqui e realmente ainda estão incompletos, faltam algumas coisas, mas, dado que nós temos uma pandemia, eu vou deixar você usar essa vacina em caráter emergencial. Agora, em caráter emergencial, você tem que só vacinar as pessoas que eu deixar você vacinar, entendeu, você não pode sair vendendo. Você tem que fazer o programa do governo, que vai vacinar um grupo específico de pessoas, vai ter que me contar tudo o que está acontecendo, porque na verdade essa aprovação emergencial é uma espécie de continuação do estudo e eu posso cancelar essa aprovação emergencial a qualquer momento.” 

Essa liberação emergencial passou a existir no Brasil porque já existia nos outros países. O Brasil, que era muito rígido, só dava liberação definitiva. Aí o que é que aconteceu? A Pfizer fez os testes no Brasil, mas ela não conseguiu vender nenhuma vacina, o governo não quis comprar. Então na prática ela não precisava pedir uma emergencial, já que ela não tinha quem comprasse. Então ela esperou mais um pouco. Agora em fevereiro, com milhões de doses dadas no mundo inteiro, com a aprovação definitiva em vários países, com cinquenta países usando, ela juntou todos os dados e falou: “olha, eu não preciso pedir mais emergencial, vou pedir a definitiva.” Mandou todos os dados para a Anvisa, que em dezesseis dias aprovou. Elas têm uma aprovação definitiva. Quer dizer que essa vacina é igual a qualquer outro remédio. Ela pode ser vendida em farmácia, ela pode ser comprada por quem quiser comprar. Ela pode ser comprada por clínica particular e pode fazer o que quiser como se fosse uma aspirina.

José Roberto de Toledo: Pode ser aplicado em qualquer pessoa que está na prescrição em bula, que é todo mundo, menos as pessoas com mais de 18 anos que não tiveram acesso a ela ainda, não é isso?

Fernando Reinach: Dezesseis anos no caso da Pfizer. Virou uma vacina qualquer, igual às outras. O problema que a gente tem agora com essa vacina é que a Pfizer já declarou que ela não tem intenção de vender no picadinho para laboratórios privados. Ela está querendo grandes pedidos de governos, porque ela tem uma demanda enorme no mundo, ela é uma multinacional que tem clientes do mundo inteiro e ela quer vender um pedido grande pelo governo.

José Roberto de Toledo: Que é uma das coisas que as pessoas disseram: agora alguém vai comprar, vai trazer para o Brasil, vou poder comprar minha vacina e me vacinar. O que é improvável.

Fernando Reinach: É improvável no curto prazo por dois motivos: primeiro porque ela tem muitas ordens grandes internacionais de países. Então, se o Brasil não comprar, ela vai mandar para outros países. E depois ela não quer vender picado. Se ela quisesse vender e alguém comprasse numa emergência, o governo poderia requisitar, confiscar e usar no programa nacional.

José Roberto de Toledo: E um governo estadual pode comprar da Pfizer?

Fernando Reinach: Se a Pfizer quiser vender. É uma situação interessante porque, numa situação normal de mercado, quem tem uma coisa para vender sempre quer vender, não impõe muitas condições, e aqui ela não quer vender. Não sei se ela venderia para um governo estadual, se o governo estadual pagasse pela vacina, ninguém sabe se o governo federal confisca, e se o setor privado compra, pode ser que o governo federal também confisque, o que não está errado, entendeu? Então essa é a situação. Então agora, com essa aprovação definitiva, a gente tem uma das melhores vacinas do mundo, mais bem conhecidas, que têm mais estudos…

José Roberto de Toledo: Com efeitos já comprovados em larga escala porque em Israel foi um sucesso, né.

Fernando Reinach: Comprovado em larga escala, já tem dados preliminares de que ela diminui a transmissão, tem dados preliminares de que uma dose quase é suficiente…

José Roberto de Toledo: Ela não apenas protege quem toma a vacina como ela evita que quem toma a vacina transmita para outra pessoa, não é isso? 

Fernando Reinach: Exatamente. Pode ser que as outras vacinas, mesmo a CoronaVac, tenham essa propriedade, mas ninguém investigou, a gente não sabe. Então você tem a vacina mais bem conhecida com a melhor eficácia totalmente aprovada no Brasil. Aí cria uma pressão enorme do governo. Agora ele precisa explicar, porque ele falava: eu compro qualquer coisa aprovada pela Anvisa. Está aprovado e uma aprovação definitiva. Aí tem quatro fatores que estão pegando nessa aprovação, no meu ver. Três são fatores mais ou menos objetivos e um é uma coisa um pouco mais de política de vacinas no Brasil. 

A primeira coisa objetiva é que o governo fala: “olha, eu não quero me responsabilizar, se tiver processo eu não quero me responsabilizar por isso.” Essa razão mostra que o governo não entendeu o papel da Anvisa. O papel da Anvisa é exatamente esse, é garantir para o governo e para a população que o remédio é eficaz e não causa muitos problemas além dos que estão na bula. É a Anvisa que garante que eu vou numa farmácia comprar, sei lá, uma aspirina, que dentro daquela cápsula vai ter mesmo aspirina e que dá aqueles efeitos colaterais e atesta que é seguro. A Pfizer conseguiu que todos os compradores aceitassem essa cláusula. O motivo é muito óbvio. Quer dizer, você está vendendo uma vacina para um monte de gente no mundo inteiro. Você não quer ficar lidando com 300 mil processos de todo tipo de governo, pessoa física etc. Então você tenta minimizar o risco, e o governo tem que decidir se ele acredita na avaliação da Anvisa. Se a Anvisa falou que é seguro e você acredita, você não tem mais essa desculpa. Parece que tem uma discussão jurídica e se o governo pode abrir mão dessa cláusula. Isso aí eu não entendo direito, não posso dar palpite aqui. 

A segunda razão é que a Pfizer quer usar um mecanismo de pagamento clássico de exportação e importação. Você deposita o dinheiro antes, num banco ou em algum lugar, e essa pessoa ou instituição segura o dinheiro. Aí quando entregam a mercadoria ele libera o dinheiro, porque o cara não confia num sujeito do outro lado do mundo, se ele vai mandar mesmo a mercadoria, e não quer pagar antes de receber a mercadoria, e o outro não quer mandar antes de receber o dinheiro. Então surgiram esses mecanismos de garantia de pagamento e o governo se achou muito ofendido com isso. Se você vai pagar então deposita antes. Qual o problema? É o preço da falta de credibilidade. O Instituto Butantan já estava reclamando que não tinha recebido ainda pelas CoronaVacs que entregou, entendeu? É uma coisa clássica no Brasil, que é difícil ser pago pelo governo, e a gente já viu que esse tipo de coisa, que tipo de incentivo é sua cria. Então esse é o segundo motivo. 

O terceiro motivo é um motivo que durante muito tempo era o único motivo, na minha visão, verdadeiro: o fato de que a vacina da Pfizer precisava ser guardada em gelo seco a -80ºC, e isso realmente é um problema sério. Só poderia usar essa vacina em algumas cidades e tal. Então não é uma vacina que poderia ser a única vacina no país. A gente tem uma infraestrutura boa de vacinação, mas só tem geladeira com freezer, é o máximo que a gente tem nos postos de saúde. Esse argumento agora acabou também, porque a Pfizer conseguiu demonstrar que a vacina dela guardada bem a -25ºC, que é um freezer normal desses de geladeira, e já pediu pro FDA americano mudar a bula, dizendo que agora não precisa mais de gelo seco. Se isso for aprovado e daí eles vão submeter isso para a Anvisa e a Anvisa tem uma boa chance de aprovar também, porque os outros países vão aprovar, esse argumento caiu por terra. 

O quarto argumento, um argumento mais complicado e mais indireto, que é a política nacional de vacinas. Ela tem como objetivo final que o Brasil seja autossuficiente em vacinas. Então ela sempre prefere produzir as vacinas aqui e comprar tecnologia do que comprar vacina pronta.

José Roberto de Toledo: Que haja transferência de tecnologia que a gente aprenda a fazer aqui.

Fernando Reinach: É, eu quero aprender a fazer, eu tenho o Butantan e a Fiocruz, eles sabem fazer muito bem vacinas. A Pfizer não faz isso em hipótese nenhuma, transferir a tecnologia. Não tem nenhuma intenção. Ela tem parceiros que são startups, uma startup alemã que é a Biontech, que depende dessa patente, e ela foi uma das poucas empresas que não pegou dinheiro para desenvolver a vacina,  desenvolveu a vacina basicamente com dinheiro próprio. Então ela antevê que vai ter muito lucro na frente com essa nova tecnologia da vacina e não tem intenção de transferir a tecnologia. Então isso cria um certo mal-estar e eu acho que, entre o pessoal ligado à vacinação no Brasil, essa ideia de que a gente tem que ser autossuficiente, que a gente deve comprar o mínimo pronto, é muito forte. O fato é que, numa emergência, acordos de transferência de tecnologia são muito complicados de assinar. Tanto assim que a Fiocruz ainda não assinou o acordo para a transferência de tecnologia da AstraZeneca. Você já está construindo as fábricas e elas só vão produzir o insumo mesmo daqui vários meses. No caso do Butantan, só o ano que vem, no caso da Fiocruz, dizem eles que no segundo semestre. Por enquanto eles estão importando a vacina em barris e envasando no Brasil. O que a gente chama de vacina brasileira na verdade é a vacina importada envasada no Brasil. E nem isso eles estão conseguindo direito. Então, por exemplo, a AstraZeneca está mandando doses prontas para o Brasil, chegaram 2 milhões e agora chegaram mais 2 milhões de doses. Porque quando você manda o ingrediente farmacêutico ativo (IFA) para cá, a Anvisa tem que certificar fabricantes de vazamento, cada lote do IFA tem que ser testado, isso tem que ser embalado no Brasil, tem que fazer a caixinha etc. Num primeiro momento, eu recebo o IFA e embalo e, num segundo momento, eu fico totalmente independente. Ficar totalmente independente é uma boa política, não sou contra. Mas se você for ficar totalmente independente em 2023, vai morrer antes. Então a questão toda é quando isso vai funcionar mesmo.

José Roberto de Toledo: Teoricamente, se você já tem duas vacinas em que você vai ter garantida a transferência de tecnologia, isso se a AstraZeneca assinar com a Fiocruz, mas partindo desse pressuposto, talvez você pudesse ter uma terceira vacina que você só comprasse para aumentar o ritmo de vacinação – que está muito lento no Brasil.

Fernando Reinach: É, você não devia ter só duas, devia ter três, quatro. Tudo bem, a gente tem duas que vão ser transferidas e compra mais três, quatro, cinco, o que tiver, entendeu. O importante é tentar vacinar a população brasileira nos próximos quatro a cinco meses.

José Roberto de Toledo: Para resumir eu diria o seguinte: que em tese, a notícia da aprovação definitiva da vacina da Pfizer/Biontech pela Anvisa é uma boa notícia, porque permitiria que o governo brasileiro comprasse essa vacina rapidamente, em grande quantidade, e aumentasse a velocidade da nossa vacinação que está muito lenta e insuficiente para conter a terceira onda que está chegando. Porém tem o fator humano, né?

Fernando Reinach: Com a aprovação da Anvisa, as desculpas para não comprar ficaram difíceis, entendeu. E a diversidade é boa, e em teoria é uma vacina que é mais bem conhecida e melhor que as outras duas, porque as outras duas ainda têm dúvida sobre várias coisas que não são bem conhecidas. A grande vantagem da CoronaVac é que ela não é uma vacina que tem sido muito demandada no mundo, exatamente porque ela tem baixa eficácia. Então, os IFAS têm vindo regularmente, a transferência de tecnologia é mais simples etc. O que é ótimo, porque a gente tem mais vacinas e elas funcionam. Mas não tem desculpa pra não ter uma terceira vacina e não comprar imediatamente essas outras. Eu acho que a filosofia, agora, é o que eu falo pros meus amigos: toma a primeira vacina que você puder se passar na tua frente. Porque em qualquer situação é melhor estar vacinado do que não estar vacinado, e o objetivo do Brasil tem que ser vacinar a maioria da população, pelo menos toda a população adulta, o mais rápido possível. Porque nenhuma das vacinas é insegura. Pode ser diferente mas ela não é insegura. 

José Roberto de Toledo: E você tomaria a CoronaVac?

Fernando Reinach: Não só tomaria como eu tomei porque eu sou biólogo e, no estado de São Paulo, as pessoas com mais de 60 anos do setor de saúde podiam tomar. Minha filha foi lá levar a avó para vacinar, pegou o papel e lá dizia: psicólogos, biólogos, educadores físicos são todos profissionais da saúde. Tem mais de 60 anos, tem diploma, pode vacinar. O difícil foi achar o diploma no armário, mas eu achei o diploma no armário, fui no Pacaembu, mostrei o diploma, mostrei que eu tinha mais de 60 anos, tomei a CoronaVac.

José Roberto de Toledo: Bom para você e bom para nós, que ficamos felizes que você esteja vacinado.

Fernando Reinach: Mas é só a primeira dose, eu tenho que tomar a segunda dose e tenho de esperar mais quinze ou vinte dias para me considerar vacinado. Estou semivacinado.

José Roberto de Toledo: Então tá bom. Muito Obrigado, Fernando. Abraço!

Fernando Reinach: Abraço! Tchau, Toledo!

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