Três capitais recebem na semana que vem um evento que vai reunir especialistas em má conduta na ciência estrangeiros e brasileiros. O Brispe – Encontro Brasileiro sobre Integridade na Pesquisa, Ética na Ciência e nas Publicações – terá atividades no Rio de Janeiro, de segunda a quarta-feira (28 a 30 de maio), em São Paulo, na quinta (31 de maio), e Porto Alegre, na sexta (1º de junho).
Será a segunda edição do encontro, realizado pela primeira vez em dezembro de 2010. Em menos de um ano meio, o ambiente institucional para a discussão da ética na ciência no Brasil amadureceu bastante. Em outubro de 2011, o CNPq divulgou uma lista de 21 diretrizes básicas para a integridade na atividade científica. Dias antes, a Fapesp, agência paulista de fomento à ciência, lançara seu Código de Boas Práticas Científicas. Até então, não havia qualquer tipo de manual de conduta ética na ciência brasileira.
As diretrizes do CNPq foram elaboradas por uma comissão extraordinária montada depois da mais séria acusação de má conduta já feita a cientistas brasileiros. Um grupo de pesquisadores da UFMT e da Unicamp teve onze artigos invalidados (foram objeto de uma retraction, ato editorial que equivale à despublicação de um trabalho). O caso foi tratado numa reportagem na piauí de setembro último.
Está anunciada para o mês que vem a primeira reunião da Comissão de Integridade na Atividade Científica montada pelo CNPq, desta vez em caráter permanente. Na pauta do encontro, a análise de quatro denúncias de fraude, tratadas com sigilo. O presidente da Comissão, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, é um dos onze palestrantes nacionais do programa do Brispe – vai falar no Rio e em São Paulo.
Para a bióloga Martha Sorenson, pesquisadora da UFRJ e integrante da comissão organizadora do Brispe, a medida é interessante por tirar das mãos dos centros de pesquisa a investigação dos casos de fraude. “As universidades têm grande dificuldade de se policiar”, disse ela. “Ficam muito embaraçadas e não querem muita transparência.” Para a pesquisadora Sonia Vasconcelos, também da UFRJ e da organização do evento, a discussão da integridade estimula a projeção da ciência brasileira. “A associação entre integridade científica e excelência em pesquisa é marcante nos países que colaboram com o Brasil em ciência, tecnologia e inovação.”
Má conduta no Brasil
Entre os treze palestrantes internacionais do encontro está o médico e jornalista Ivan Oransky, que edita, junto com Adam Marcus, o blog Retraction Watch, um observatório da fraude na ciência que é leitura obrigatória para quem se interessa pelo tema. O blog foi o primeiro a noticiar a invalidação dos onze trabalhos brasileiros em 2011.
Por e-mail, Oransky antecipou alguns dos temas que pretende abordar em sua apresentação, no dia 31 de maio, em São Paulo. Será, segundo ele, uma versão atualizada de uma palestra feita em novembro último. “Descreverei o crescimento no número de retractions e os fatores que podem explicar esse aumento”, afirmou. “Usarei a falta de transparência na apresentação de muitas das retractions que Adam e eu cobrimos para questionar até onde vai a capacidade de autocorreção da ciência.”
Perguntei a ele se era possível perceber nas retractions monitoradas por seu blog um reflexo do aumento da participação brasileira na ciência global verificado nos últimos anos. “É sempre perigoso tirar conclusões a partir de um número pequeno de casos”, afirmou. “Tivemos algumas retractions do Brasil, mas não em maior proporção do que seria de se esperar, especialmente se excluirmos o grande número de artigos do grupo de cientistas sobre o qual você escreveu.”
O Brasil não está na lista dos 15 países com maior número de artigos retirados, em números absolutos. O dado foi citado por Oransky, que disse ter consultado o editor Richard Van Noorden, da revista Nature, que também se interessa pela questão e compilou estatísticas a respeito. “Ele identificou 13 [casos brasileiros] desde o ano 2000, o que equivale a pouco mais de 1% de todas as retractions durante esse período”, disse Oransky. Grosso modo, é o que se esperaria de um país com cerca de 2% dos artigos publicados. “Isso não quer dizer que não haja mais casos de má conduta, já que as retractions provavelmente não refletem o índice real de fraude”, alertou. “É difícil dizer.”
(foto: Katherine Evans)
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