Ainda que emanem de personagens menores, cartas escritas em momentos de tensão ou grande tristeza podem ser especialmente significativas, sobretudo quando se referem a grandes figuras.
É o que ocorre com a carta reproduzida nesta página, escrita em setembro de 1908 – às vésperas da morte de Machado de Assis, aos 69 anos, – por Graça Aranha, diplomata e escritor de 40 anos que manteve-se ao lado do mestre em seus momentos finais.
No ano de sua morte, Machado era já uma glória nacional. Reconhecido tanto por seus pares quanto pelo público como o maior escritor brasileiro, era presidente da Academia Brasileira de Letras, que ajudara a fundar dez anos mais cedo. Tornara-se amigo de todas as maiores figuras de seu tempo, como o Barão do Rio Branco, Pereira Passos ou Joaquim Nabuco, este último seu companheiro muito próximo por décadas.
Graça Aranha havia-se destacado como prosador em 1902, com a publicação de Canaã – romance hoje pouco lido, mas ao qual seus contemporâneos reservaram uma acolhida quase triunfal, – alçando Graça Aranha a uma posição de destaque entre os jovens autores brasileiros. Mas seu nome é hoje lembrado sobretudo por seu hábil posicionamento a favor do Movimento Modernista e por sua participação na Semana de Arte Moderna de 1922 – à qual trouxe a respeitabilidade do endosso de um autor estabelecido.
A carta é dirigida a Felix Pacheco, futuro Ministro do Exterior e então diretor do Jornal do Comércio, naquela época o maior e mais antigo dos jornais brasileiros:
“Meu caro Felix
Machado de Assis está a morrer. Não há mais esperança de ser salvo, porém a morte poderá demorar alguns dias. O seu espírito é inteiramente lúcido.
Tem havido verdadeira romaria em sua casa. Está constantemente acompanhado de amigos íntimos e amigos literários. Peço-te uma notícia simpática sobre o próximo fim de nosso maior homem de letras.
É preciso que haja alguém encarregado de escrever o artigo do Jornal sobre ele. Felizmente no Jornal há imaginação para os grandes fatos e não deixarão de tratar o Machado (como disse o Nabuco) como a palmeira do oásis deste deserto.
Por que não incumbem desse artigo o José Veríssimo, que é talvez o melhor conhecedor de Machado e sua obra?
Entre os que vieram hoje estava o Calmon.
Até agora o Barão do Rio Branco não tentou ir.
É provável que vá ainda. Indaga.
teu,
Graça Aranha”.
Esta carta ainda inédita foi guardada por Felix Pacheco por vinte e sete anos até a sua morte, em 1935, em seguida por quase setenta anos por sua filha, e após a morte desta, foi adquirida pelo atual detentor. Ressurge agora – mais de cem anos depois de escrita – como evocação e testemunho valiosos dos últimos dias daquele que era, e permanece, o maior nome de nossa literatura.