O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês) abriu a caixa de Pandora das offshores. Milhares de documentos analisados por seiscentos jornalistas de todo o mundo revelaram quem são os donos de empreendimentos no exterior. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico estima que 11,3 trilhões de dólares são mantidos em regime offshore, o que equivale aos PIBs de Japão, Alemanha e Reino Unido somados. O Pandora Papers, projeto do ICIJ, mostrou que as Ilhas Virgens Britânicas são o destino preferencial desse dinheiro. O país minúsculo, formado por pequenas ilhas no Caribe, concentra 370 mil offshores – doze para cada habitante. Proporcionalmente à população, existem mais empresas nas Ilhas Virgens Britânicas que cabeças de gado em Mato Grosso. Entre os beneficiários desse paraíso fiscal, está o ministro da Economia, Paulo Guedes, que abriu uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. No Brasil, não é ilegal manter uma offshore, desde que ela seja declarada à Receita Federal. Mas, como Guedes é responsável pela política econômica do país, o negócio gera potencial conflito de interesses. O ministro aportou 9,55 milhões de dólares em sua offshore, valor suficiente para bancar 87,6 mil ingressos para parques temáticos da Disney. Nesta semana, o =igualdades faz um raio X do mercado de offshores.
De acordo com um estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), pelo menos 11,3 trilhões de dólares são mantidos em regime “offshore”, ou seja, fora do país onde residem os donos das empresas. Esse valor equivale aos PIBs de Japão, Alemanha e Reino Unido somados. O PIB representa a soma de todos os bens e serviços finais produzidos pelos países.
Abrir uma offshore não é ilegal no Brasil, desde que a empresa seja declarada. O problema é que esse tipo de atividade pode ser usada para evasão fiscal – ou para esconder negócios ilícitos longe da vista do público. No Brasil, por exemplo, o Banco Central deve ser informado sobre todo estoque financeiro mantido no exterior. Em 2020, o Banco identificou que os brasileiros guardavam, ao todo, 1,12 trilhão de reais em contas no estrangeiro. Por não estar em solo brasileiro, esse valor não é tributado no país. A quantia de dinheiro brasileiro no exterior equivale à atual fortuna do empresário Elon Musk, o homem mais rico do mundo.
Duas em cada três offshores analisadas no Pandora Papers ficam nas paradisíacas Ilhas Virgens Britânicas. Os empresários que abrem negócios no país ganham endereço local, isenção fiscal completa (ou seja, não pagam nenhum tributo) e também são isentos de auditorias fiscais. Graças às vantagens oferecidas, 370 mil offshores estão ativas no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas. Isso faz das offshores a principal atividade econômica local e significa que existem 12,2 empresas para cada habitante do país. Proporcionalmente à população, existem mais empresas nas Ilhas Virgens Britânicas que bois em Mato Grosso. O estado brasileiro onde a pecuária é a principal atividade tem, ao todo, 32,7 milhões de cabeças de gado – 9,2 por habitante.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um dos brasileiros que figuram na lista de donos de offshores nas Ilhas Virgens Britânicas. Em tese, a operação não é ilegal. Mas, como Guedes é responsável pela política econômica do país, o negócio gera potencial conflito de interesses, já que ele mesmo pode obter vantagens com as decisões governamentais. Devido à alta do dólar desde que ele entrou para o governo, o dinheiro aportado em sua offshore valorizou, enquanto a renda média da população brasileira caiu. Guedes aportou 9,55 milhões de dólares em sua offshore, valor suficiente para bancar 87,6 mil ingressos para parques temáticos da Disney – uma “festa danada”, para repetir a expressão usada pelo ministro ao mencionar que, com o dólar baixo, havia muitas “empregadas domésticas indo à Disneylândia”. De acordo com o site da Disney, cada ingresso padrão para parques temáticos custa 109 dólares. Entre as atrações mais famosas, está um show cômico da série de filmes Piratas do Caribe.
Em 2014, Marco Polo Del Nero, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), também criou, com os seus dois filhos, uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. A piauí revelou o caso com base em documentos obtidos pelo ICIJ. A offshore foi registrada em nome dos filhos do cartola e encerrada no ano seguinte, depois que o escritório que administrava a empresa se recusou a continuar prestando os serviços. Desde então, o ex-presidente da CBF se tornou um dos alvos do FBI no caso Fifagate. Não se sabe o que foi feito do dinheiro da offshore desde então. Os 10 milhões de dólares que os filhos do cartola mantiveram no paraíso fiscal valem, na cotação atual, o prêmio dado ao campeão da Copa do Brasil pela vitória na final do campeonato: 56 milhões. Atualmente, a Copa do Brasil é a competição mais rentável do país.
Políticos internacionais também aparecem nos documentos do Pandora Papers. É o caso do rei da Jordânia, Abdullah II. Dono de offshores nas Ilhas Virgens Britânicas, o rei gastava milhões no exterior enquanto aplicava duras medidas de austeridade em seu país. Os documentos obtidos pelo ICIJ mostram que, ao todo, o rei usou 106 milhões de dólares de suas offshores para comprar imóveis de luxo em Malibu, nos Estados Unidos, e no Reino Unido. A quantia é equivalente a um empréstimo de 100 milhões de dólares que o Banco Mundial fez ao governo da Jordânia em 2020 para ampliar o acesso à educação básica e reverter os problemas educacionais causados pela Covid-19 no país.
Além de políticos, as celebridades também marcaram presença no Pandora Papers. Jornalistas do ICIJ encontraram pelo menos vinte offshores dirigidas pelo espanhol Julio Iglesias nas Ilhas Virgens Britânicas. No Pandora Papers, o cantor é a celebridade que mais aparece com empreendimentos no paraíso fiscal. Para chegar à quantidade de offshores associadas a Iglesias nas Ilhas Virgens Britânicas, seria preciso somar os negócios que sir Elton John, Shakira, Mario Vargas Llosa e Ringo Starr mantêm em paraísos fiscais. Jornalistas do ICIJ encontraram catorze offshores associadas a Elton John nas Ilhas Virgens, três associadas à cantora Shakira no mesmo país, uma pertencente ao escritor e vencedor do Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa e outras duas que o lendário baterista dos Beatles, Ringo Starr, mantém nas Bahamas.
Fontes: Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos; Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico; Fundo Monetário Internacional; Banco Central; Forbes; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Confederação Brasileira de Futebol; Banco Mundial; Disney World.