A menos de duas semanas das eleições municipais, a prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB), vem publicando em seu Instagram fotos e vídeos ao lado do vice-prefeito Arthur Henrique (MDB), candidato à sucessão dela. Num dos posts, ambos aparecem em frente à Creche Proinfância Emília Rios Peixoto, no bairro Cidade Satélite, uma das quarenta escolas inauguradas por Surita ao longo dos seus quarto e quinto mandatos na capital de Roraima. “Prometemos 35 e construímos quarenta. Saltamos de 22 mil alunos para 44 mil”, alardeou a prefeita no vídeo, antes de passar a palavra a Henrique, que prometeu erguer mais dez escolas, caso seja eleito.
Muito ativa nas mídias sociais, Surita tem se envolvido diretamente com a campanha do correligionário. Ela sairá da prefeitura ostentando uma aprovação de 76%, segundo o Ibope Inteligência, percentual quase equivalente ao que a reelegeu no primeiro turno de 2016, quando teve cerca de 80% dos votos. Em Roraima, a prefeita divide um importante nicho de poder com o ex-marido, Romero Jucá, presidente do MDB. A simbiose acabou por beneficiar os dois. A capacidade de articulação nacional de Jucá atraiu recursos financeiros para o governo de Surita, e a eficiência da mandatária na gestão da cidade fez aumentar o prestígio de seu antigo cônjuge em Boa Vista. Ex-deputada federal, a emedebista é reconhecida por organizar o ensino público infantil e fundamental, reduzir a ação das chamadas “galeras”, gangues juvenis bastante numerosas no começo dos anos 2000, instalar wifi e ar-condicionado nos pontos de ônibus, construir hospitais e executar obras de impacto visual, como praças, uma Vila Olímpica e o Parque do Rio Branco, com “o maior mirante da região Norte”.
Algumas de suas iniciativas se tornaram muito populares. É o caso do Arraial da Prefeitura, festa junina com uma ampla oferta de shows musicais e quadrilhas, organizada pelo município para competir com a promovida pelo governo do estado. Surita também inventou a “maior paçoca do mundo”. Durante as celebrações juninas, a cidade serve gratuitamente para milhares de pessoas mais de uma tonelada da iguaria, confeccionada com farinha e carne seca.
Nem mesmo a crise que levou uma multidão de venezuelanos a se refugiar em Roraima, a partir de 2017, afetou a popularidade da prefeita. Na contramão de outros políticos, ela se mostrou a favor de receber estrangeiros na capital.
Ultimamente, Surita tem divulgado em suas redes sociais não só projetos realizados e previstos, sempre com a tag #AmoBoaVista, como memes que ironizam o principal candidato da oposição, Ottaci Nascimento. O integrante do Solidariedade e Arthur Henrique estão empatados tecnicamente na liderança das pesquisas, o primeiro com 27% e o segundo com 25% das intenções de voto. No mês passado, a campanha de Henrique sofreu um forte abalo, devido à morte da candidata a vice-prefeita, Edileusa Lóz, vítima da Covid-19. Ela havia sido secretária de Gestão Social no governo de Surita.
Em Belém, a 1.570 km de Boa Vista, o prefeito Zenaldo Coutinho (PSDB) – que cumpre seu segundo mandato – também gosta de propagandear obras recém-inauguradas, como a Escola Municipal de Educação Infantil Profª Lúcia Soares Castro e a reforma da Praça Princesa Isabel. Mas, ao contrário da colega de Roraima, ele não apoia ninguém de maneira entusiasmada, já que o PSDB abdicou de lançar um candidato em 2020 para engrossar a coligação encabeçada pelo Cidadania. No máximo, o político critica Edmilson Rodrigues (PSOL), antigo opositor que lidera a corrida à prefeitura desde o início do período eleitoral. A discrição de Coutinho deriva de sua altíssima rejeição pelos habitantes da capital paraense, que varia de 64% (segundo o Ibope Inteligência) a 79% (segundo a CNN Brasil).
O pouco entusiasmo do prefeito, porém, não consegue evitar que os eleitores o associem ao candidato Thiago Araújo (Cidadania), que possui 7% das intenções de voto e ocupa o terceiro lugar na disputa, de acordo com a mais recente pesquisa encomendada pela CNN Brasil. Na primeira, tinha 3%. O aumento diz menos respeito à influência de Coutinho e mais à boa relação de Araújo com a base do PSDB, avalia a cientista política Marise Morbach, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA). O partido, que há oito anos comanda o município, esteve à frente do governo estadual por duas décadas, de 1995 a 2006 e de 2011 a 2018. Agora, encontra-se em vias de reconfiguração, um movimento impulsionado sobretudo pela militância de jovens e mulheres.
Uma das razões para a rejeição ao atual prefeito é o confronto entre PSDB e MDB no Pará. Morbach explica que, com a eleição do governador Helder Barbalho (MDB) em 2018, a tradicional rivalidade se aprofundou. Além de dificultarem o acesso do tucano a verbas estaduais, os emedebistas controlam boa parte da mídia regional, que não se mostra nada favorável a Coutinho. A guerra entre os dois partidos também contribuiu para a inelegibilidade do ex-governador Simão Jatene (PSDB), que seria um forte candidato à sucessão municipal, mas teve suas contas reprovadas junto à Assembleia Legislativa, por causa da articulação de seus opositores.
Não bastassem as rixas políticas, Belém aparece dezoito vezes entre os cinco municípios com piores indicadores no Mapa da Desigualdade das Capitais Brasileiras de 2020. Produzido pelo Programa Cidades Sustentáveis, o levantamento analisa 44 itens. Belém naufraga em setores como saúde, educação, distribuição de renda e saneamento. Para piorar, a capital paraense exibe as maiores taxas nacionais de homicídio (72 por 100 mil habitantes), homicídio por armas de fogo (62,95 por 100 mil habitantes) e homicídios de jovens (364,7 por 100 mil habitantes da mesma faixa etária). Os dados são de 2018.
Coutinho, portanto, deixará a cidade com um acúmulo de mazelas, seja nas áreas centrais, seja nas periféricas. Entre os problemas, ainda se destacam os frequentes alagamentos em diversos pontos da capital e uma série de obras que se arrastam desde a gestão anterior de Duciomar Costa (PTB), marcada por escândalos de corrupção.
Com pouco mais de 1 mil km quadrados, Belém possui aproximadamente 1,5 milhão de habitantes. Boa Vista, em contrapartida, se estende por uma área cinco vezes maior, mas reúne cerca de 420 mil pessoas.
Quando comparada com a capital do Pará, a de Roraima sobressai em diversos aspectos. Quase 98% de sua população tem acesso à rede de abastecimento de água e 91,5% à de esgoto – contra 70,3% e 25,7% no município paraense. A taxa de mortalidade infantil em Boa Vista é de 11,93 óbitos por mil habitantes, enquanto em Belém é de 13,55. A capital roraimense também exibe melhores indicadores de escolaridade fundamental e menos crianças desnutridas.
Segundo a urbanista Ana Cláudia Cardoso, professora titular da UFPA, os projetos desenvolvimentistas implementados no Pará pelos governos militares a partir da década de 1970 culminaram no crescimento desordenado de Belém. “O espaço rural do estado, principalmente a floresta, sofreu uma reestruturação muito grande, o que impactou a capital. Nos anos 1980, Belém atraiu migrantes numa intensidade três vezes maior que a média do Brasil. Só que o município nunca recebeu dinheiro suficiente do governo federal para lidar com tamanha mudança. Faltou investimento. Em consequência, a cidade se desenvolveu de maneira improvisada. Foi amalgamando uma coisa aqui e outra acolá, sem ter perspectivas de longo prazo, sem estabelecer metas para as suas diferentes áreas”, diz Cardoso. A urbanista ressalta que, nos últimos dezesseis anos, a capital paraense esteve sob a égide de políticas públicas antiquadas e incapazes de enfrentar questões mais contemporâneas, a exemplo dos altos índices de informalidade no comércio e na produção.
Embora não haja pesquisas sobre o assunto, provavelmente o modo como Teresa Surita e Zenaldo Coutinho encararam a pandemia influenciou a avaliação que ambos recebem da população no fim de seus mandados. Diante do silêncio e da inércia do governador Antonio Denarium (eleito pelo PSL e atualmente sem partido), a prefeita de Boa Vista decidiu tomar as rédeas. Implementou o lockdown, valorizou as medidas de prevenção à doença e apoiou o auxílio logístico aos profissionais de saúde. Já no Pará ocorreu o inverso. O governador Helder Barbalho chamou os holofotes para si e liderou a batalha contra a Covid-19 enquanto o prefeito de Belém ficava a reboque dele. Das poucas providências tomadas por Coutinho, a mais desastrosa foi a suspensão do tráfego dos BRTs, os ônibus de transporte rápido. Na prática, isso contribuiu para a maior lotação dos ônibus comuns, que circulavam pela cidade com a frota reduzida.
Atualmente, tanto o governador paraense como o prefeito amargam denúncias relativas à crise sanitária. Barbalho é acusado de cometer irregularidades na contratação de organizações sociais para a gestão de hospitais, incluindo os de campanha. Coutinho, por sua vez, é acusado de improbidade administrativa pelo Ministério Público do Estado, sob suspeita de ter firmado contratos emergenciais durante a pandemia com dispensa de licitação e sem publicá-los no Portal da Transparência do município, como exige a lei. Mesmo assim, a aprovação ao governador na capital continua acima dos 50%, segundo a pesquisa mais recente divulgada pela CNN Brasil.
O prefeito de Belém ainda sofre críticas por ter realizado obras de má qualidade, que careciam de planejamento e cujos cronogramas nem sempre eram respeitados. O projeto de revitalização do célebre Ver-o-Peso, por exemplo, gerou muita controvérsia. Em abril deste ano, a empresa responsável pela reforma emergencial na área da feira começou a trocar a lona do setor de produtos industrializados, sem combinar com os comerciantes a retirada das mercadorias armazenadas lá. Resultado: as chuvas frequentes de Belém encharcaram os artigos guardados na zona descoberta, o que causou um prejuízo significativo aos feirantes.
Como nem tudo são flores, a gestão de Teresa Surita tampouco está livre de reprovações. Há quem condene a construção em andamento do Parque do Rio Branco, no Centro da capital. Para fazê-lo, a prefeita desocupou residências da favela Caetano Filho, também chamada de Beiral, o que foi visto como um gesto de “higienização social”, que deve levar à gentrificação da área. “De fato, desapropriamos 350 casas ao longo de dois anos, mas todos os seus moradores receberam indenização e, hoje, se encontram em situação melhor do que estavam”, rebate Surita. “No Beiral, havia prostituição, tráfico de drogas e muitas habitações precárias, de palafitas. A transformação paisagística que iremos promover na região vai atrair empregos e transformar o espaço no mais bonito de Boa Vista.”
Procurado pela piauí, o prefeito de Belém não se pronunciou.