Como o post do Bernardo Esteves foi mais aplaudido que depoimento de sociólogo no , nosso blog Questões do Futebol decidiu apelar para mais um auxílio piauiense. Depois de ler o texto do Renato Terra (aí embaixo) sobre o novo Maracanã, duas coisas me vieram à cabeça.
Primeira: a questão da atmosfera do estádio. Nosso arquiteto maior, Oscar Niemeyer, participou da concorrência do projeto do estádio original, e foi derrotado. Em 2004, numa entrevista ao jornalista Geneton de Moraes Neto, Niemeyer declarou o seguinte: “O meu estádio seria pior. Naquele tempo, a ideia que tínhamos de arquitetura de estádio de futebol era fazer uma única arquibancada do lado em que o sol não batesse na cara do espectador. Depois percebi como era importante existir arquibancada também do outro lado. O sujeito vê o campo, vê o jogo, mas precisa ver também a alegria do estádio.” O Maracanã continua envolvente e poderoso, mas a atmosfera deu uma mudada.
Segunda: sempre gostei muito de cinema e nunca tive paciência com teatro. Talvez pela simplicidade de um e a pompa do outro. Cinema é um negócio que você está em casa de chinelo e bermudão, abre o jornal, vê que daqui a uma hora começa o filme tal no lugar tal, você simplesmente levanta e vai. Teatro, não: o ingresso precisa ser comprado com antecedência, você deve se vestir adequadamente, tem que entrar na sala de espetáculos pisando macio. De certa forma, o texto do Renato reforça a impressão que tenho aqui de longe: o velho Maraca era cinema, o novo Maraca é teatro.
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O velho e o novo Maraca
Durante a Copa da África do Sul, li num texto do amigo Marcos Caetano que o mais importante em um estádio de futebol é sua atmosfera. O exemplo mais óbvio talvez seja o antigo ritual de atravessar o túnel que dava acesso às arquibancadas do Maracanã: sair daquela escuridão abafada, estreita e topar com a visão daquele gigante de cimento evocava um sentimento quase religioso. Uma sensação nítida de que o mundo real seria interrompido pelas próximas duas horas.
Os acessos e túneis do novo Maracanã são mais amplos, funcionais e iluminados. As cadeiras são mais confortáveis, os banheiros mais limpos e os bares mais profissionais. Há funcionários do Consórcio por toda a parte, vestidos com coletes berrantes, dispostos a guiar os novatos pela profusão de novas entradas e setores.
O novo Maracanã é uma enorme tevê com tela de LCD, alta definição e sinal digital. A visão do campo, super iluminado, ficou cristalina e reluzente. Cada detalhe da arquibancada, as cadeiras coloridas, os imensos telões, as luzes que decoram a cobertura, tudo grita por atenção. Não há espaço para sombras, improvisos, surpresas. É como se cada canto do estádio berrasse: “Estou aqui, olhe para mim, sou moderno, HD, multifuncional e tenho saída HDMI”.
As mudanças tornaram o estádio mais confortável, sem dúvida. Os acessos e a visão de jogo melhoraram. O que incomoda é a premissa de que os hábitos do torcedor devem mudar para se enquadrar num padrão internacional. As especificidades regionais, tão ricas ao futebol, não foram contempladas no novo Maracanã. Antes da reforma, nenhum frequentador foi ouvido para saber se estava insatisfeito com sua experiência no Maracanã. Nenhuma pesquisa sobre os hábitos do torcedor carioca foi encomendada.
Os dois primeiros clássicos evidenciaram o embate entre o torcedor analógico que, sem saudosismo, simplesmente estava satisfeito com sua experiência no estádio, e o novo torcedor almejado pelo Consórcio e pelos clubes: um público-alvo que está disposto a pagar caro pelo ingresso e dançar o funk que os animadores colocam no ultrapoderoso sistema de som no intervalo do primeiro para o segundo tempo.
O curioso é que, apesar de impessoal, o novo Maracanã consegue devolver um sentimento de grandeza ao futebol carioca. O coro das torcidas continua soando com uma acústica de arrepiar o mais agnóstico dos torcedores. A visão da multidão adversária naquela arquibancada imensa ainda injeta um tom épico de batalha a cada partida. Talvez não demore muito tempo para que todos os envolvidos entendam que o torcedor é parte fundamental do espetáculo.