No 37º episódio do podcast Luz no Fim da Quarentena, José Roberto de Toledo e Fernando Reinach explicam como marcadores no sangue indicam se o paciente infectado pelo Sars-CoV-2 pode apresentar um caso grave ou leve. Ouça o episódio completo aqui.
José Roberto de Toledo: Opa! Eu sou José Roberto de Toledo e este é Luz no Fim da Quarentena, uma coprodução da revista piauí com a Rádio Novelo. infectamos o canal do Foro de Teresina para discutir pesquisas científicas que ajudam a atravessar o túnel em que a pandemia nos meteu.
Dá pra saber já no diagnóstico o que vai acontecer com cada pessoa que testou positivo pro Sars-CoV-2? Se vai ser um caso fatal de Covid-19 ou se, ao contrário, ela mal vai precisar de internação hospitalar? Ainda não, mas um time de cientistas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, entre eles dois brasileiros, descobriu marcadores no sangue que indicam a chance de um paciente desenvolver as formas mais graves da doença e também as mais leves.
Alguns desses marcadores, como a interleucina IL18, estão associados a um aumento de até sete vezes no risco de a pessoa ir parar na UTI e ter que brigar por sua vida. Já outros marcadores apontam para uma chance muito grande de ser um caso leve. O problema é encontrar esses marcadores. Por quê? Fernando Reinach explica.
Hoje vamos falar de uma pesquisa feita na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, um laboratório especializado em imunologia, a pesquisadora chefe lá é a Akiko Iwasaki. Uma pesquisa que tem dois brasileiros entre os principais pesquisadores, Carolina Lucas e Tiago Castro, que descobriu um jeito de fazer prognóstico sobre a gravidade da Covid que a pessoa vai ter. É mais ou menos isso?
Fernando Reinach: É mais ou menos isso. A ideia é a seguinte: Se um sujeito chega no hospital com falta de ar ou muita tosse, ele ainda é um caso leve. Você gostaria de saber se esse sujeito vai virar um caso grave, se corre o risco de ir para uma Unidade de Terapia Intensiva e morrer, ou não: ele vai ser um caso leve e você não precisa se preocupar. Isso em medicina a gente chama de prognóstico. Saber qual o futuro daquela pessoa. Não tem nada a ver obrigatoriamente com saber como tratar de maneiras diferentes essas pessoas. Mas é uma primeira dica, você sabe o que vai acontecer com essa pessoa. Então o trabalho que eles fizeram foi exatamente isso. Eles estão interessados mais no sistema imune, se tem alguma coisa acontecendo no sistema imune dessas pessoas. A gente já sabe que os casos graves têm uma alteração no sistema imune. Então eles tentaram, viram o que tá de diferente no sistema imune dos casos graves e dos casos leves.
José Roberto de Toledo: Isso porque já se sabe, como a gente já comentou em alguns programas, que um dos principais inimigos do paciente de Covid-19 é a chamada tempestade de cytokines, de citocina, um problema autoimune. Esse organismo lutando contra ele mesmo.
Fernando Reinach: Exatamente! Aí eles fizeram um trabalho que a gente chama de “força bruta” em ciência. Tá bom, o que será que está alterado? Será que é essa coisa aqui, será que é aquela outra? Não sei. Então faz o seguinte: testa tudo. É como se falassem: o que está errado pro Toledo? Não sei, leva ele no Laboratório de Análises Clínicas, testa tudo. Já faz uma tomografia, faz raio X de tudo, eletro.
José Roberto de Toledo: Meu médico já fez isso várias vezes e até hoje não descobriu o que está errado.
Fernando Reinach: Em medicina é considerada uma péssima prática. Você deveria antes ter uma hipótese diagnóstica. E daí você tenta confirmar essa hipótese através dos exames. Nesse caso específico, eles não têm hipótese, porque eles não sabem o que acontece. Então, no Hospital de Yale, eles pegaram 113 pacientes que, quando entraram no hospital, eles não sabiam se o cara ia ser grave ou se o cara ia ser leve.
Foram pegando todo mundo que entrava e submeteram esses caras a uma batelada de medir tudo e qualquer coisa relacionada ao sistema imune. Um total de 42 testes diferentes que foram feitos várias vezes ao longo do tempo em todo o mundo que entrava. Tinha paciente com Aids, tinha paciente que tinha tratado de câncer, tinha homem, mulher, velho, novo… E eles foram medindo essas 42 coisas ao longo do tempo.
E ao longo do tempo eles foram vendo o que aconteceu com o paciente, se ele ficava mais grave ou não. E dividiram a posteriori pacientes em dois grupos: os que foram para a UTI, que eles chamaram de graves, não obrigatoriamente tomados, mas tiveram que ir para a UTI, e os casos leves, que não precisaram ir pra UTI. Então ter um critério simples: foi para UTI ou não foi pra UTI. E aí você tem essa medida de um monte de coisa. E é interessante porque é tudo mesmo que eles mediram. Tem várias. Tem umas moléculas que são típicas quando o sistema imune reage a um vírus. Tudo bem, isso é óbvio, você tinha que medir isso porque o Sars-Cov-2 é um vírus. Mas tem também moléculas que são ativadas quando o corpo reage a um fungo. Tudo bem, mede também. Aí tem um outro tipo de resposta imune que é para vermes parasitas e elmintos em geral, por exemplo esses vermes intestinais, têm nada a ver com a Covid, mas mede também, sai medindo.
Aí, uma vez que se mediu tudo isso, eles começaram a olhar os dados. Tentaram descobrir que coisas estão mais frequentes nas pessoas que desenvolveram um quadro grave e que coisas que estão mais frequentes nas pessoas que desenvolveram os casos leves. Então a primeira coisa que eles olharam é que, nas pessoas que têm caso moderado, a resposta antivírus e a resposta antifungo é ativada e depois cai. Nos casos graves, a antifungo, a antivírus e a antielmintos, antiparasitas, sobem e continuam por um tempão também, que já é uma coisa estranha. Pelo que a gente sabe de imunologia, é estranho.
Então a primeira coisa que eles descobriram é isso. Depois, eles pegaram e usaram um sistema de inteligência artificial e, além de analisar cada uma dessas 42 coisas para ver se elas predizem ou não o futuro do sujeito, eles tentaram pedir para o computador fazer uma aglomeração dessas coisas.
José Roberto de Toledo: A chamada análise de cluster.
Fernando Reinach: Uma análise de cluster. Então vamos ver se esses três juntos significam um caso grave. Então, por exemplo: se você tem nariz escorrendo, febre, provavelmente gripe; se você tem uma bola no peito, faz a biópsia, tem células estranhas e o negócio cresce, provavelmente é câncer. Então você tenta achar três ou quatro coisas que, se ocorrerem juntas, são sinais fortes de um certo, de nosso prognóstico bom ou ruim, bom ou ruim. Eles acharam que dava pra dividir em quatro grandes grupos. Tudo o que eles acharam nesses 42 testes dividiram em quatro grupos: A B C e D.
Então, no grupo A, tem os fatores de crescimento, que são as moléculas que ajudam o epitélio, as coisas a se recuperarem. No grupo 2 tem as citoquinas, são moléculas do sistema imune, do tipo 2 o tipo 3. E depois, no grupo 3, citoquinas do tipo 1, 2 e 3. No grupo D são as quimiocinas, que eu não sei o nome em português, mas deve ter. Aí eles descobriram que, se você tem uma recuperação rápida, o Grupo A é o que é predominante, todas as coisas do grupo aqui são os fatores de crescimento. E se você tem resposta tipo B, C, ou D você vai ter um prognóstico pior. Aí, não só fizeram isso, mas eles fizeram uma lista que está numa tabela aí, onde eles mostram por ordem de influência as coisas que dão um prognóstico melhor e as coisas que dão prognóstico pior.
José Roberto de Toledo: Para quem foi baixar o PDF do artigo na revista Nature do dia 27 de julho, que foi quando saiu, a tabela que está na página 20 do PDF, Figura 8.
Fernando Reinach: Então a figura 8 tem um nome que cada uma das trinta e tantas moléculas e marcadores de célula etc. que eles testaram. E você tem, por exemplo, a que dá previsão pior para você e diz que você vai ser um caso sério, são os níveis de interleucina 18. Depois, vem interferon alfa, depois interleucina 10, e aí vai.
José Roberto de Toledo: Interleucina, que é a sigla IL, não é bom ter nenhuma, né? Pelo menos do ponto de vista do prognóstico. Eles estão todos lá na ponta da tabela que indicam um risco maior de ter o caso grave.
Fernando Reinach: Aí você vê que os riscos são de duas a sete vezes maiores. Então, se você for um paciente e chegar lá com uma tosse tal, você fala logo pro cara: “Mede aí a interleucina 18.” E tem o contrário também. Tem os marcadores que indicam que vai ter um caso leve por exemplo: CD4, PDGF.
José Roberto de Toledo: CD4 é o quê? É uma célula?
Fernando Reinach: É um marcador que está na superfície das células. Quase a maioria dessas moléculas são muito difíceis de medir, não é um negócio que se mede rotineiramente. Todo mundo que já foi fazer exame de laboratório, provavelmente a poucas pessoas o médico pediu: “Mede interleucina e RA.” Talvez tenha algum dos nossos ouvintes que fizeram, mas é muito difícil.
José Roberto de Toledo: Porque tem que usar aquela máquina que você já explicou num programa anterior, que é o citômetro de fluxo, que é aquela que conta célula por célula.
Fernando Reinach: Tem algumas moléculas dessas aí que são moléculas solúveis e que você mede no sangue, e tem outros que são marcadores que estão na superfície de células. É mais difícil de medir.
José Roberto de Toledo: Os pesquisadores que fizeram esse trabalho trabalharam bastante.
Fernando Reinach: Exatamente! Por isso que a gente chama de força bruta. Deixa eu medir tudo relacionado ao sistema imune e deixa eu tirar uma fotografia de como se comportam as moléculas do sistema imune nas pessoas que vão ter um caso grave e vão ter o caso benigno, um caso leve. O que é interessante nisso, e que é um pouco desanimador, é que o fato de você ter esses marcadores de prognóstico não garante que você tenha um método para tratar essas pessoas. O resultado desse trabalho, ele é mais uma dica na direção dos pesquisadores irem. “Olha, o cara tem interleucina 18 alta, o cara que tem essas coisas altas, ele vai ter um caso grave e vamos tentar tratar ele de algum jeito que diminua essas interleucinas e tal.” Dá uma dica.
José Roberto de Toledo: Então já começa a dar o moderador de citoquina antes do tempo ou coisa que o valha.
Fernando Reinach: Se existir.
José Roberto de Toledo: Por outro lado, o cara que tem os outros dispositivos que indicam casos leves, a medicação que ele vai tomar talvez não precise ser tão pesada.
Fernando Reinach: Exatamente. É importante porque a coisa do prognóstico: é você tendo um prognóstico você… É bom lembrar que o diagnóstico é saber se você tem ou não tem Covid, é sim ou não. O prognóstico é saber se essa Covid vai para que direção, vai virar grave, vai virar não grave. De posse dessas duas coisas, o marcador de prognóstico e um diagnóstico, a medicina começa a bolar aos tratamentos. Então isso é ser um trabalho importante para decidir que remédios vão ser testados nos casos graves. Então essa é a importância do trabalho.
José Roberto de Toledo: Ainda voltando ao nosso bordão, é mais uma daquelas pesquisas que põem mais um tijolinho na pirâmide pra gente tentar chegar em algum lugar. Por si só ela não resolve nenhum problema totalmente, mas ela ajuda muito a que novas pesquisas sejam feitas e você até orientar, como se fosse uma espécie de bússola para os pesquisadores
Fernando Reinach: É exatamente isso.
José Roberto de Toledo: Agora uma coisa lateral que talvez valha a pena comentar rapidamente: a quantidade de pesquisador brasileiro que a gente encontra assinando esses papers, mas sempre em laboratórios fora do país.
Fernando Reinach: Exatamente, esses jovens brasileiros têm uma ótima fama em geral. Jovem pesquisador que trabalhou nas condições péssimas de ciência no Brasil, quando eles vão pro exterior num laboratório muito bom, eles florescem. O grande desafio do país é trazer os caras de novo e não deixar eles desanimarem com as péssimas condições que tem aqui. Agora, é muito impressionante mesmo. Mais cedo ou mais tarde um cara desses, um brasileiro desses que está fora, ganha um prêmio Nobel e vai sair todo mundo dizendo: “Olha! O primeiro Nobel brasileiro.” Aí alguém vai ter que dizer: “Olha, brasileiro só tem a certidão de nascimento.” Essa é a tristeza aqui.
José Roberto de Toledo: Muito bem! Fernando Reinach, muito obrigado!
Fernando Reinach: Falou, Toledo, até a próxima, abraço!