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    Dandara Vianna no ato que lembrou um ano da morte de Marielle Franco FOTOS: EMILY ALMEIDA

anais da tragédia brasileira

Marielle inspira ativismo cotidiano de mulheres anônimas

“Tem um legado que explodiu depois da morte. Ela já tinha história, mas virou um símbolo”

Ana Carolina Santos e Emily Almeida | 15 mar 2019_18h25
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“A Marielle conseguiu unir as pessoas e se tornar um símbolo. Ela era muito firme no que acreditava. Aí veio esse assassinato. Parecia que tudo que a gente estava tentando construir tinha morrido junto. Uma tentativa de matar todo mundo. Ela conseguiu ser vereadora, conseguiu ascensão social, era acadêmica. Mesmo que uma mulher negra passe por esses espaços de poder, ainda é um corpo negro feminino muito vulnerável à violência. É essa ideia que muitas pessoas têm de que o corpo negro é descartável. Não conheço outra pessoa cuja morte tenha mobilizado tanta gente. Tem um legado dela que explodiu depois da morte, mas ela deixa um legado de vida, construção de políticas, todas as pautas que ela defendia na Câmara. Ela já tinha história, mas virou um símbolo. Ela conseguiu transcender o corpo físico.”

A assistente social Dandara Vianna, 26 anos, resume bem o tom da homenagem a Marielle Franco no Centro do Rio, um ano depois de sua morte. Mulheres anônimas, de vários lugares, que conheciam ou não a vereadora carioca, ativistas ou nem tanto, se sentiram inspiradas por ela.

A piauí conversou com seis mulheres, de diferentes idades, origens e raças, que estavam no ato da última quinta-feira. Algumas, como Vianna, moradora de Olaria, Zona Norte do Rio, votaram em Marielle. Outras nem no Rio moram. Para todas elas, porém, houve um antes e depois de Marielle.

Glauce Pimenta Rosa, 43 anos, multiartista, moradora de Saquarema, na Região dos Lagos do estado do Rio de Janeiro

“Saí de Saquarema ontem para poder estar na Cinelândia e reviver esse momento. Conheci a Marielle em 2016, quando fiz uma apresentação na Sala Baden Powell, para a escola em que a filha dela estudava. Quando entrei no palco para fazer a minha parte, meu olho bateu direto nela e na Luyara, por serem as duas únicas negras na plateia. Nasceu ali uma parceria. Convidava-a para os eventos e ela sempre participava, divulgava. É importante esse nosso reencontro hoje. Vamos levar essa semente para os nossos filhos, para as futuras gerações, para que sigam nossos passos. Talvez esses golpes que estamos vivendo sejam forças que nos impulsionam para continuar. Mas é doloroso.”

Ana Caroline do Nascimento, 23 anos, estudante de ciências sociais, moradora de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio

“Não conhecia a Marielle antes do assassinato dela. Apesar disso, quando vi as notícias de sua morte, senti uma empatia muito grande. Fiquei emocionada, chorei muito. Tive vontade de ir ao Centro e participar dos atos em protesto à morte dela, mas fiquei com medo. Após a tristeza inicial, a execução dela me deu mais força e me inspirou a me engajar politicamente. Passei a participar de atividades na universidade, me inserir no centro acadêmico, dentre outras coisas. Tem a coincidência de a Marielle ter feito o mesmo curso de graduação que eu. Isso me motivou a ser uma aluna melhor, mais dedicada. Optei pela licenciatura em ciências sociais porque avalio que dar aulas a jovens negros e pobres é a melhor maneira de fazer a diferença na sociedade.”

Martha Pires, 80 anos, artista plástica, moradora de Santa Teresa, região central do Rio

“Fiz campanha para a Marielle na rua, e muito. Procurei saber quem ela era e vi que era uma pela qual se tinha que batalhar. Tenho os adesivos dela até hoje. Acompanhei pouco seu mandato, porque fico um pouco cansada, mas estive aqui no dia 15 de março do ano passado. Fui criada de  forma muito democrática e igualitária. O que me interessa é se a pessoa está batalhando por direitos iguais, pela justiça. Hoje me considero uma pessoa que briga para o ser humano ser humano. Não é ser feminista. Fui ao banco hoje, e as moças me viram com os adesivos e perguntaram ‘Marielle?’ E eu falei ‘É, pelas mulheres. Mas não vá contra os homens, não’”.

Kristinne Sanches, 21 anos, estudante de matemática, moradora de Cuiabá (MT)

“Conhecia a Marielle como vereadora do Rio. Mesmo morando em outro estado, eu a via como uma referência de mulher que lutava por uma causa que eu também defendia, especialmente por eu ser lésbica. Estava na universidade quando soube que ela tinha sido executada. Foi muito impactante, porque eu sabia de tudo que ela representava. Não apenas pra mim, mas para o Rio, o Brasil como um todo. De primeira, não caiu a ficha. Fui a atos na minha cidade e na universidade. Houve uma grande mobilização, apesar de ela não ser de lá. E agora estou aqui. A importância de estar aqui é pedir respostas sobre quem mandou matá-la. Faz um ano e não sabemos quem foi. É como se vidas negras não importassem, vidas LGBTs não importassem.”

Fátima Monteiro, 51 anos, bióloga, moradora do Pechincha, Zona Oeste do Rio

“Votei na Marielle em 2016 e fiz campanha para ela. Participo do movimento negro há 30 anos, então Marielle porque sabia que ela seria a nossa voz naquele espaço de poder. Acompanhei o mandato dela. Eram projetos que ninguém faria. Só uma mulher negra pensaria numa creche noturna. Infelizmente, aconteceu o silenciamento. Isso foi um recado para as outras: ‘Não se metam com o poder, não é pra vocês’. O ar de altivez de Marielle incomodava muito. E não é exatamente altivez. É conhecer sua identidade, sua participação econômica, a mão que construiu esse país. Se ela, que ocupava um espaço de poder, foi exterminada dessa forma, imagina nós, dentro das comunidades? Costumam chamar o jovem da favela de ‘sementinha do mal’. Somos a sementinha de Marielle.”

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