ANDRÉS SANDOVAL_2020
A chegada de Apollo
Nasce o primeiro filho do grupo Bolsolteiros
Daniel Lisboa | Edição 172, Janeiro 2021
Vanessa Ferreira prefere rapazes sem barba. Mas resolveu dar uma chance ao homem que aguardava por ela em frente ao McDonald’s da Estação Central do Brasil, no Centro do Rio de Janeiro. Dois meses de flerte pelo WhatsApp a convenceram a superar a encorpada camada de pelos escuros sobre o rosto de Rachid Rodrigues.
O primeiro encontro aconteceu no início de maio de 2019. Ambos eram membros do Bolsolteiros. O grupo do Facebook promove encontros amorosos entre eleitores do presidente Jair Bolsonaro desde novembro de 2018 e hoje tem cerca de 7 mil integrantes. Segundo dados do Facebook, cerca de 57% dos participantes são homens e 43%, mulheres. Uma imagem de Bolsonaro fantasiado de Santo Antônio, o santo casamenteiro, serve de ilustração da página, acompanhada da frase “Trago o amor em 17 dias”, uma referência ao seu número na época da eleição presidencial.
“Alguém postou a história de um cara que levou uma mulher a um restaurante e tomou prejuízo porque ela comeu demais. O Rachid foi um dos poucos a fazer um comentário mais suave, sem julgamentos. Achei legal porque conservadores às vezes são fechados e sisudos”, conta Ferreira. Ela enviou uma mensagem privada para Rodrigues, e a paquera começou. Hoje, é a mãe de Apollo, o primeiro filho de um romance iniciado no Bolsolteiros – ao menos de que se tem notícia. O robusto bebê de 3,6 kg e 54 cm nasceu às 22h15 do dia 1° de dezembro.
“Resolvi entrar no grupo porque não aguentava mais discutir com tanta gente de esquerda”, diz Ferreira, de 40 anos. Já Rodrigues, dez anos mais novo, soube do Bolsolteiros por meio de uma reportagem e entrou “sem grandes pretensões”. Ele não estava muito interessado em namorar à época. Ela queria um relacionamento sério.
O casal seguiu conversando, às vezes durante horas madrugada adentro, até o primeiro encontro na Central do Brasil. A distância e os compromissos profissionais atrasaram o tão aguardado momento. Rodrigues morava em São Gonçalo, cidade vizinha de Niterói. Ganha a vida jogando pôquer online. Ferreira trabalhou como assistente social e passou a focar na carreira de atriz depois de fazer pós-graduação em artes cênicas. Estava ocupada com ensaios para uma peça infantil e vivia em Mesquita, na Baixada Fluminense.
Naquela tarde de outono, os dois lancharam no McDonald’s, caminharam pelo Centro até a Praça XV e deram o primeiro beijo. Ela voltou para casa sem saber se tinha gostado mesmo da versão ao vivo de Rodrigues, mas logo percebeu o quanto sentia sua falta. Ele saiu satisfeito por constatar que “Vanessa era uma pessoa gente boa, do bem”. O encontro seguinte aconteceu em Niterói, no Dia dos Namorados. Ambos garantem que a escolha da data foi mera coincidência, mas Ferreira deixou claras suas intenções ao dar um presente para Rodrigues antes de se despedir. Ele ganhou óleo para barba e hidratante para pele.
“Eu tenho uma formação toda petista”, diz Ferreira, ex-eleitora de Lula. “Mas percebi que as coisas precisavam mudar e comecei a concordar com algumas colocações do Bolsonaro.” A posição do então candidato à Presidência sobre segurança pública foi a grande responsável pela adesão ao bolsonarismo. “Vivo numa cidade muito violenta. Já fui assaltada várias vezes. Bandidos não têm coração, não dá para eles terem direitos e nós não. O Bolsonaro dizia que bandido bom é bandido morto. Eu concordo com isso.”
Rodrigues admite que durante um bom tempo votou “sem nenhuma convicção”. Era fã de Enéas Carneiro, político já falecido, do extinto Prona (Partido de Reedificação da Ordem Nacional). Ao ouvi-lo confessar que votou em Dilma Rousseff em 2014, Ferreira faz uma expressão de nojo. “Entendemos que é necessário combater a desigualdade, mas não precisamos de um Estado paternalista”, diz Rodrigues, indicando um dos motivos que pesaram na sua opção por Bolsonaro.
A relação entre os dois ficou cada vez mais íntima após o encontro em Niterói, mas Ferreira precisou colocar Rodrigues contra a parede para ele assumir o namoro. “Perguntei pelo WhatsApp se afinal estávamos namorando ou não”, diz ela, ao que ele retruca: “A partir dali foi aquilo, né? Não combinava muito responder ‘não’.” A atriz prefere dizer que conheceu o marido “em um grupo do Facebook”. Rodrigues não se incomoda em contar que foi por meio do Bolsolteiros.
Em abril do ano passado, ela desconfiou da menstruação atrasada. Dois testes de farmácia e uma ultrassonografia depois, não havia mais dúvida: um menino estava a caminho.
“Eu pensei em dar o nome Perseu, que também é filho de Zeus na mitologia grega, mas Vanessa não gostou”, diz Rodrigues. Ela ficou mais tranquila quando descobriu referências bíblicas a outro nome proposto. “Soube que existe um Apolo de Alexandria na Bíblia.”
O casal e o pequeno Apollo agora vivem em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Tanto a mãe quanto o pai não se veem como apoiadores fanáticos do presidente. Dizem que votariam em outro candidato caso as circunstâncias os fizessem mudar de posição. Só não querem o governo se metendo na formação do filho. “Meu maior medo é que um dia o Estado imponha que ele é o responsável pela educação do meu filho”, diz Ferreira. “Acho que a escola não tem que dizer para meu filho quando ele tiver 5 anos de idade que é natural ele gostar de menininho, ou uma menininha gostar de menininha. Vou batalhar com todas as minhas forças para oferecer uma escola onde terei certeza de que isso não vai acontecer”, completa Rodrigues.
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