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    CRÉDITO: RICARDO ALEIXO_2020

poesia

A força muda do meu grito

Ricardo Aleixo | Edição 167, Agosto 2020

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A FORÇA MUDA DO MEU GRITO

Acordou-me a força

do meu próprio grito

mudo, eu

numa espécie

 

de galeria de espelhos,

em meio a pilhas

de corpos negros

que algum

 

brusco movimento

do mar deslocou

até o fundo

do meu sonho.

 

Não sei bem

se acordei de fato,

nem se a palavra

acordar

 

aplica-se a um caso

como o desta

tentativa de poema,

mas registro que

 

era real – ainda

vibra – a tal

força muda

do meu grito.

 

QUANDO SOA A NOSSA VOZ

o mundo velho

ainda não desabou

de vez. o mundo

novo já emite alguns

sinais. não há

intervalo entre o que

morre e o que

nasce – dentro da mente

(entre o que vês

e o que não vês).

o mundo novo

é do velho mundo

a outra face.

os dois são de uma

semelhança atroz.

viver talvez seja ques-

tão de ser capaz

de perceber qual

deles fala quando

soa a nossa voz.

 

MINHAS COISAS FAVORITAS

minhas

coisas

favoritas

 

não são

minhas

 

não são

coisas

 

não são

minhas

coisas

CONFORME O CASO

toda bendita manhã           eu pego

 

com nossa senhora                                       das grandes

e pequenas lábias                                    para que ela unja

 

a minha língua                    com os seus santos

 

óleos         nunca a deixe sem palavras

 

ou sem silêncios       conforme o caso

 

e que me ensine                         numa ou noutra

 

hipótese         a muito melhor usá-la

 

PARÁFRASE DE NICOLÁS GUILLÉN

Me matam quando se enganam,

e se não

se enganam, me

matam.

 

Me matam assim como quem

pisoteasse uma

barata – sem

compaixão

 

nem culpa –, certos de que,

salvo engano, quem

morre é um nada,

um ninguém.