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Sem álcool, com Jaguar

Lembranças de um amnésico alcoólico que se tornou abstêmio

Armando Antenore e Jaguar | Edição 123, Dezembro 2016

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De repente, após dar mais um gole na cerveja sem álcool, o homem de 84 anos vira um menino de 7 ou 8. “Não posso sair assim. Preciso avisar a fera”, diz, repousando a latinha de Brahma sobre um móvel da sala ampla e agradável. Ergue-se vagarosamente da cadeira, arruma o boné azul-marinho que lhe esconde a calvície e caminha em direção à ala íntima do apartamento. Quase não tira os pés do chão. Arrasta-os como se deslizasse com patins invisíveis e lentíssimos. É magro, mas oculta sob a camiseta branca uma barriga avantajada, que o incomoda. “Costumava andar pela orla inteira, do Leblon até o Leme. Andava pra cacete, todos os dias, compreende? Quilômetros e quilômetros. Por isso, ficava enxutão. A barriguinha em ordem e tal. Só que agora… Arranjei uns calos plantares que me torram o saco. Nos dois pés, acredita? Uma dor infernal. Não consigo mais andar direito.” Expõe o drama sem fazer drama nenhum. Termina a explicação com uma gargalhada peculiar, que volta e meia o assalta, à semelhança de um cacoete, mesmo quando não está contando nada engraçado.

“Vou descer”, grita diante de um quarto. Sua mulher responde lá de dentro, sem abrir a porta: “Descer? Por quê?” Ela tem a voz cavernosa de quem já fumou muito. “Vamos fugir do barulho, dessas marteladas de merda”, esclarece o marido. Uma reforma no vizinho de cima torna a sala pouco adequada para entrevistas. “Não se atrase, hein? Nem sonhe esquecer o nosso compromisso de hoje à tarde. Converse por uma hora e suba”, ordena a mulher. Observo os porta-retratos espalhados pelo ambiente e me pergunto qual das imagens femininas corresponde à da senhora linha-dura. Não consigo adivinhar, todas me parecem amistosas.

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Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz

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