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    Uma propaganda da Coca-Cola mostrou imagens da crise e imaginou sua superação mágica por meio do caráter passional e solidário dos espanhóis, unidos em torno da seleção ILUSTRAÇÃO: MIGUEL BRIEVA

carta da Espanha

Tudo que é ar desmancha no sólido

Eurocopa 2012, quixotismos e crise espanhola

Germán Labrador Méndez  | Edição 71, Agosto 2012

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Este artigo, ou crônica, começa com a chegada do autor a Madri no fatídico dia em que se divulgava a notícia de que o governo espanhol, com o agravamento da situação da banca nacional, pedira formalmente ao Eurogrupo o chamado resgate econômico, poucas horas antes de a seleção de futebol campeã da Europa e do mundo disputar a primeira partida de uma Eurocopa em que deveria revalidar o título conquistado em 2008. E, como se essa premeditada coincidência já não fosse bastante significativa, o primeiro-ministro Mariano Rajoy fez questão de ressaltá-la comparecendo como espectador ao primeiro jogo da seleção, um Espanha–Itália que se repetiria na final, como num estranho loop. Naquela primeira partida, Rajoy apareceu com expressão impostada e taciturna, como um pater familias de vida dupla que volta acovardado para casa e só faz fingir. Esse ato sinalizava que o futebol funcionaria como pano de fundo fantástico de todo o teatro encenado pelo governo da nação em junho e julho de 2012, o teatro da venda do Estado e da entrega oficial da soberania ao capital global.

Trata-se de um pano de fundo fantástico, mas, é bom que se diga, também quixotesco, pois o futebol guarda forte correlação com as fantasias e mecanismos que definem a Espanha deste início de milênio. As vitórias da seleção nos últimos anos, depois de décadas de mediocridade e frustração, foram interpretadas como o reconhecimento simbólico da pujança econômica e geopolítica de uma “marca Espanha” que, em 2008, ainda se imaginava como “a oitava economia do mundo” e, pouco antes, se vinculava ao “milagre espanhol”. No início de junho de 2012, segundo essa lógica, enquanto se tentava encobrir a truculenta sequência do resgate, negado e confirmado várias vezes, buscava-se reconhecer sinais interpretativos do destino nacional em cada passo da seleção na Eurocopa, como numa leitura de auspícios. Assim, além da tentativa de oferecer espetáculo em vez de crise, anunciava-se a possibilidade de entender a crise por meio do espetáculo. O que começara como analogia (na realidade assim como no futebol), depois de três semanas de competição, acabaria se realizando como fábula: no futebol o que nos é negado na realidade.

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