O nome artístico de Ana Faria Fainguelernt chama a atenção, mas, escutando o seu terceiro disco, lançado em outubro de 2023, o que surpreende é o apuro da instrumentação e a originalidade das composições. Aos 26 anos, a cantora carioca vive a juventude no corpo de uma pessoa não binária. A identidade de gênero não significa nada em alguns momentos do repertório de Me chama de gata que eu sou sua, mas, em outros, confere à cantora um tipo de romantismo raro no cancioneiro brasileiro. Na música Camelo azul, por exemplo, Ana canta para a amante: “Seu cheiro me lembra o meu lado feminino, mas hoje sou menino.” É doce e novo.
Filha de uma psicóloga com um artista plástico, Fainguelernt começou a estudar música aos 6 anos. Aos 10, foi admitida na Escola de Música Villa-Lobos, no Rio. Conheceu jovens instrumentistas como Sérgio Machado e Alberto Continentino, que tocam para Gilberto Gil e Caetano Veloso. Tanto Machado como Continentino participaram do disco mais recente, e as orquestrações de cordas foram feitas por Dora Morelenbaum, filha de Jaques Morelenbaum e membro da banda Bala Desejo (cujo disco de estreia contou com a coprodução de Ana Frango Elétrico).
Quando se arriscam a fazer música, os descendentes da elite cultural do Rio costumam pecar na repetição excessiva das fórmulas que deram certo com seus antecessores. Não é o caso de Ana Frango Elétrico nesse disco. O êxito do álbum, claro, também é resultado dos privilégios de sua autora, mas indica um caminho mais engenhoso e refinado para o pop do país. É um bom exemplo a ser seguido pelos nepo babies da nova geração.