Aos 76 anos, Rita Alves dos Santos faz das visitas à Catedral Metropolitana de Campinas parte de sua rotina. Vai rezar por uma filha e por um filho que perdeu há pouco tempo. Ela prefere a missa do meio-dia e quinze, mas nesta terça-feira, 11 de dezembro, Rita, como é chamada pelos familiares, se atrasou. Distraiu-se em uma loja do Centro da cidade, que é a maior do interior paulista, e, quando chegou à igreja, a cerimônia já tinha acabado. Fazia mais de 30 graus Celsius, e Rita se escondeu do calor na meia-luz da nave da catedral. Não seria a única coisa da qual ela se esconderia naquele dia. Sentou-se perto da imagem de Nossa Senhora Aparecida, do lado direito, perto da entrada. A missa havia acabado, mas restavam algumas dezenas de pessoas dentro da igreja. Rita notou um homem de meia idade, magro, branco, de camiseta azul e bermuda jeans, passar ao seu lado e se sentar oito bancos à sua frente. Era Euler Fernando Grandolpho. Aos 49 anos, era o segundo filho mais novo de uma família católica, cujo pai foi ministro da eucaristia em uma paróquia da vizinha Valinhos. Euler chegou sozinho, “como quem não quer nada”, na descrição de Rita. Cinco minutos depois, levantou-se de supetão, voltou-se para trás, sacou uma pistola nove milímetros, fez posição de tiro e começou a disparar. Uma, duas… catorze vezes. Seus alvos eram os fiéis. Primeiro, os que, como Rita, estavam sentados nos bancos entre ele e a porta da igreja. Quando todos esses caíram, se esconderam ou fugiram, o atirador girou o corpo e mirou as pessoas do outro lado da nave central. Acertou Cristofer Gonçalves dos Santos, de 38 anos, que cambaleou, tropeçou no genuflexório e caiu de bruços no corredor lateral. Euler caminhou metodicamente até ele. Deixou cair o primeiro pente carregador de munição entre os bancos, inseriu um segundo que trazia no bolso da bermuda, armou a pistola e disparou novamente. Cristofer morreu ali.
Do outro lado da catedral, Rita se escondia, espremida entre bancos da igreja. Havia se jogado ao chão ao perceber os primeiros disparos e ouvir o atirador dizer que mataria todos. Junto com uma desconhecida que tivera a mesma reação, Rita continha seus movimentos e se esforçava para não fazer nenhum barulho enquanto assistia, a poucos metros, Euler executar Cristofer. “Eu fingi que estava morta, foi assim que sobrevivi” – contaria horas mais tarde, pelo telefone. “Era muito sangue, para todos os lados. Eu vi tudo. Num minuto, o homem estava de pé, tentando fugir, e, no outro, caiu e foi morto.”
Rita e a desconhecida permaneceram deitadas sem falar nem se mexer mesmo após perceberem dois policiais militares entrarem pela igreja e, armas em punho, caminharem na direção no atirador. Até aí, o relato de Rita é corroborado pelas imagens gravadas pela câmera de segurança do interior da igreja. Porém, as cenas não alcançam o altar. E foi justamente lá que Euler fez a maior parte de suas vítimas fatais. Além de Cristofer, Euler conseguiu matar Sidnei Vitor Monteiro, 39 anos, José Eudes Gonzaga, 68, e Elpídio Alves Coutinho, 51 – além de ferir outras quatro pessoas. Só não fez mais vítimas porque foi atingido do lado direito do tórax por um tiro presumivelmente disparado pelos PMs. Prostrado, o atirador usou a última bala de seu segundo pente de munição para atirar contra a própria cabeça, logo acima da orelha direita. A última foto de Euler, já morto, com a arma na mão e um fio de sangue escorrendo pela fronte, revela o que estava escrito em sua camiseta: “Urban marathonist” (Maratonista urbano, em português).
Acabado o tiroteio, Rita viu uma brecha para escapar. Rastejou até a estátua de Nossa Senhora, levantou-se e correu. Não falou à polícia, nem com mais ninguém. Não parou nem quando machucou o pé, na fuga. Seguiu rápido para o ponto de ônibus que fica ao lado da igreja. Pegou o primeiro ônibus que passou – um que seguia para a rodoviária, direção contrária à da sua casa. O trauma que viveu no local de sua devoção não abalou sua fé. “O atirador disse que ia matar todo mundo, foi Deus que me salvou.”
A reconstituição acima foi feita com base nas imagens da câmera de segurança da catedral, no relato de Rita, nas informações da polícia e nas fotos divulgadas pela perícia. Quando tudo aconteceu, nenhum dos personagens sabia o nome dos outros. Apenas às 17h30 a polícia identificou o atirador. Registros públicos de movimentações profissionais e financeiras e rastros deixados nas redes sociais ajudam a compor um primeiro retrato de Euler Fernando Grandolpho. Filho de um bancário e uma dona de casa, ele morava em um condomínio fechado em Valinhos, cidade vizinha a Campinas. Sua família é descrita pelo padre de uma paróquia local como “muito devota”. “Eles são muito conhecidos na região, pela participação nas ações sociais e atividades pastorais”, disse o pároco de uma igreja em Valinhos. “O pai dele foi ministro de eucaristia [auxiliar do padre na hora de ministrar o sacramento] durante anos e frequentava a igreja pelo menos uma vez por semana.”
Euler vivia em uma casa de 328 metros quadrados. Era um dos sete imóveis doados pelos pais a seus quatro filhos em 2009, junto com outras cinco casas e uma sala comercial. Uma das propriedades foi vendida pelos filhos em janeiro de 2011 por 239 mil reais, em valores corrigidos. Euler levava uma vida discreta, segundo vizinhos. “Era uma pessoa de poucas palavras”, disse um deles.
Em 1998, Euler formou-se em publicidade na Universidade Paulista, a Unip, na unidade de Campinas. Entre 2003 e 2009, teve uma loja de motocicletas no bairro Ponte Preta, na mesma cidade – nos documentos em que os pais doam a ele e aos irmãos os sete imóveis, ele é descrito como mecânico. Em 2009, foi aprovado em um concurso público para o cargo de auxiliar de promotoria no Ministério Público em São Paulo, com salário de 2,9 mil reais. Em julho de 2014, pediu exoneração do cargo.
Não foi o primeiro familiar que o pai de Euler perdeu. Em dezembro de 2009, ficou viúvo. E, em abril deste ano, um de seus filhos morreu, vítima de leucemia.