Ana Claudia Quintana Arantes adquiriu um status improvável em sua área profissional: aos 55 anos, é uma paliativista pop. Fãs tentam puxar sua roupa em eventos, pedem selfies e fazem depoimentos emocionados para ela. É uma fama tanto mais surpreendente porque ela se dedica à experiência humana mais inescapável, intransferível e cercada de silêncios: a hora da morte. Seu trabalho consiste em esclarecer como se pode viver esse momento da maneira mais confortável e digna possível.
A morte súbita e indolor, como “um passarinho”, é uma raridade. De cada dez brasileiros, nove vão passar por processos de adoecimento até morrer e no final vão precisar de algum tipo de alívio do sofrimento. Dados do DataSus mostram que as três maiores causas de mortalidade no país são as doenças do aparelho circulatório, câncer e morbidades do aparelho respiratório – e que 67% dos brasileiros morrem em hospitais.
Grande parte da missão da paliativista é explicar que os pacientes podem enfrentar essa jornada com menos sofrimento, com alívio de sintomas e redução de tratamentos penosos que já não conseguem reverter a doença principal.
“A dor, por exemplo, é a coisa mais fácil de tratar da medicina. Existem três degraus na escala analgésica. Até 4 é uma dor leve, então você usa medicamentos não opiáceos: dipirona, paracetamol, anti-inflamatórios. Nas dores 5, 6 e 7, opioides fracos, como tramadol e codeína. Para as dores 8, 9 e 10, intensas, opioides fortes, como a morfina. É assim, muito simples”, diz Arantes. “As faculdades de medicina, por incrível que pareça, não ensinam.”
Em 2010, a The Economist Intelligence Unit (EIU), a divisão de pesquisa e análises do grupo que publica a revista The Economist, estudou quarenta países e elaborou um índice de qualidade de morte. Para o Brasil, o resultado foi um ultraje. O país foi classificado como o terceiro pior lugar do mundo para se morrer – ficou em 38º lugar, ganhando apenas da Índia e de Uganda.
Em 2015, a Economist repetiu o estudo, agora analisando oitenta países. Dessa vez, o Brasil ficou em 42º lugar. Em outro levantamento, feito entre 81 países e publicado em 2021 pelo periódico acadêmico Journal of Pain and Symptom Management, o Brasil voltou a aparecer como o terceiro pior lugar para morrer. Ganhou apenas do Paraguai e do Líbano.
O inusitado sucesso de Arantes começou depois de uma palestra dada por ela em 2012, quando trabalhava no serviço de cuidados paliativos do Hospital das Clínicas da FMUSP. A médica participou de um evento em homenagem aos cem anos da faculdade. Subiu ao palco e fez uma apresentação cujo objetivo era apurar o olhar dos universitários – sempre treinados para prolongar a vida dos pacientes a qualquer custo – sobre o quanto a medicina tem a oferecer também para quem está morrendo.
A palestra virou uma defesa radical da medicina humanizada, com afirmações como: “Quando a doença encontra um ser humano, ela produz uma melodia única, que se chama sofrimento. As doenças se repetem nas pessoas, mas o sofrimento, não.” Ou: “No Brasil morrem mais ou menos 1 milhão e 100 mil pessoas por ano […], cerca de 800 mil pessoas morrem de morte anunciada, de doenças crônicas, degenerativas ou de câncer. Essa morte anunciada proporciona a chance de a pessoa conseguir redimensionar a própria existência.”
A última frase da médica, retirada de uma cena do filme Piratas do Caribe, virou o título da palestra: A morte é um dia que vale a pena viver. O vídeo viralizou – hoje tem 3,7 milhões de visualizações –, e Arantes foi chamada para palestras em faculdades de todo o país.
Apesar de sua campanha, a médica acha que o Brasil não está pronto para o debate sobre a eutanásia. Mas para Arantes há algo mais complexo que a eutanásia: a sedação paliativa, amplamente praticada no país. “Isso eu acho a coisa mais criminosa.”
A reportagem completa sobre Ana Claudia Quintana Arantes pode ser lida na edição deste mês da piauí.