O médico Aloysio Fonseca, 59, é professor de clínica médica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro há 30 anos. Desde que começou a lecionar na universidade, Aloysio trabalha no Hospital Universitário Pedro Ernesto, onde atualmente é chefe de enfermaria. O curso que leciona é estritamente prático. Isso significa que ele precisa estar em ação para passar sua experiência aos alunos. Enquanto atende os pacientes, discute os casos com seus alunos de pós-graduação. Devido à epidemia de coronavírus, quase todas as aulas foram suspensas. Mas Fonseca continua auxiliando os alunos residentes e atendendo no hospital, que agora está repleto de pacientes com coronavírus. O HUPE é um dos hospitais de referência para o tratamento de alta complexidade da Covid-19, e Fonseca se tornou um dos muitos profissionais que atuam na linha de frente do combate à doença. Na semana passada, Fonseca ficou sabendo por meio de colegas que o adicional de insalubridade dos docentes do HUPE havia sido cortado. “Primeiro eu achei que fosse uma brincadeira”, lembra. Mas ao conferir seu contracheque, percebeu que não só não havia recebido o adicional para o mês de maio, como teve o benefício de abril descontado de seu salário.
“O valor que eu recebo é tão baixo que eu nem tinha percebido o desconto”, conta Fonseca. Ele recebe cerca de 157 reais como adicional de insalubridade. Esse adicional é pago para os professores que trabalham no hospital e consequentemente são expostos a vários tipos de doenças. O valor pode variar dependendo do salário de cada profissional. Fonseca explica que o adicional de periculosidade – outro tipo de benefício, ao qual ele não tem acesso – geralmente é maior, por ser destinado a profissionais que correm risco de vida e estão, por exemplo, expostos ao raio-X. Mas esse adicional também foi cortado e descontado do salário dos profissionais.
Os cortes acontecem justamente em meio à maior crise sanitária dos últimos anos. “Nós continuamos expostos. Na verdade, estamos mais expostos que nunca”, diz Fonseca. Dos oito chefes de enfermaria que trabalham com ele, cinco já foram infectados pela doença. Aloysio conta que um deles tem 64 anos e chegou a ficar um mês internado no Centro de Tratamento Intensivo, com auxílio de respiradores. No fim de março, um cardiologista que trabalhava no hospital morreu com suspeita de coronavírus. “Mesmo nas enfermarias não destinadas à Covid-19 surgem pacientes com a doença”, explica Fonseca. “Até agora eu dei sorte de não ter me infectado.”
Em nota, a Uerj afirmou que a medida foi tomada pela Secretaria da Casa Civil do governo do Rio de Janeiro, com o objetivo de suspender o benefício enquanto os docentes podem realizar suas funções à distância. Isso porque professores de diversas áreas, como Engenharia e Tecnologia, também atuam no HUPE e trabalham em home office durante a quarentena. Mas o corte foi linear e afetou diretamente os profissionais que continuam trabalhando no hospital. Segundo a reitoria, pelo menos 373 profissionais que atuam diretamente no combate à Covid-19, como Fonseca, tiveram o benefício cortado. Desses, 189 são professores da Faculdade de Ciências Médicas e 81 são professores da Faculdade de Enfermagem, além de técnicos de laboratório e professores das áreas de Nutrição e Química, que realizam atividades de pesquisa e apoio ao hospital, como a produção de álcool 70%. Ao todo, 1.261 profissionais tiveram algum tipo de benefício cortado, seja o adicional de insalubridade, periculosidade ou auxílio-transporte.
A Uerj afirmou também que entrou em contato com a Secretaria da Casa Civil no dia 7 de maio, apontando a ilegalidade e inconveniência dos cortes neste momento. Mas a universidade foi ignorada, e os cortes e descontos foram realizados. A Uerj foi à Justiça para impedir a interrupção do pagamento dos benefícios, mas a liminar não foi concedida, e a instituição já recorreu da decisão. Em paralelo, a universidade também tenta articular uma mobilização na Assembleia Legislativa para impedir os cortes. Segundo a Uerj, a autonomia universitária, estabelecida constitucionalmente, não autoriza que órgãos da administração direta suspendam pagamentos de servidores das universidades estaduais.
Enquanto corta os adicionais de médicos e enfermeiros que trabalham diariamente no combate à Covid-19, o governo do Rio de Janeiro enfrenta denúncias de superfaturamento em hospitais de campanha, destinados ao atendimento de pacientes infectados. Procuradas, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, assim como a Secretaria da Casa Civil, não se manifestaram. “Espero que esse benefício seja restabelecido e que devolvam nosso dinheiro”, diz Fonseca. “Nós estamos aqui com a cabeça na boca do leão.”