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    A menina Isabella Nardoni e a mãe, Ana Carolina - Foto: Reprodução/acervo pessoal Ana Carolina Oliveira

depoimento

Memória de uma dor sem fim

Mãe da menina Isabella Nardoni, assassinada em 2008, troca mensagens de apoio com o pai do menino Henry Borel

Ana Carolina Oliveira | 13 abr 2021_09h26
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Em março de 2008, o assassinato da menina Isabella Nardoni, então com 5 anos, comoveu o país. Treze anos depois, outro assassinato infantil, o do menino Henry Borel, de 4 anos, causa comoção parecida. “A morte brutal, os desdobramentos das investigações e a comoção causada na população são muito parecidos e doloridos”, diz a administradora Ana Carolina Oliveira, de 37 anos, mãe de Isabella. Ela traça um paralelo entre a morte da filha e a de Henry. Nos dois casos, a brutalidade se deu dentro de casa, enquanto as crianças estavam sob guarda de quem deveria protegê-las. Isabella Nardoni foi agredida e arremessada da janela do sexto andar do Edifício London, na Zona Norte de São Paulo, no dia 29 de março de 2008. O pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, foram condenados pelos crimes de homicídio triplamente qualificado e fraude processual em 27 de março de 2010. Segundo as investigações, a menina foi asfixiada por Anna Carolina e jogada por Alexandre do apartamento onde morava o casal. Os dois sempre negaram o crime. Nardoni foi condenado a 31 anos e um mês de reclusão e 24 dias-multa, e Jatobá, a 26 anos e oito meses de reclusão e 24 dias-multa. 

No caso de Henry, ocorrido no Rio, a Polícia Civil trabalha com a hipótese de o menino ter sido espancado pelo padrasto, o vereador Doutor Jairinho (sem partido), com a anuência da mãe da criança, Monique Medeiros. Jairinho e Medeiros estão presos e negam o crime. Um laudo do Instituto Médico Legal mostrou que o menino tinha 23 lesões severas, que não são compatíveis com uma queda da cama (versão dada pelo casal como a causa da morte da criança). Tocada com a história, Oliveira enviou mensagens de solidariedade para o pai do menino.

 

(Em depoimento a João Batista Jr.) 

 

Quando vi uma entrevista da mãe e do padrasto do Henry para o Roberto Cabrini, na Record (veiculada no dia 21 de março), senti algo muito estranho. Senti frieza, uma emoção falsa e versão combinada dos fatos. Naquele momento, pensei o pior mesmo e vi semelhanças com o ocorrido com a minha filha, Isabella. Por mais que as pessoas ensaiem, criando uma versão falsa para o crime, a verdade não consegue ser escondida nem por elas mesmas.

Eu estou muito tocada pela brutalidade e pelas coincidências com o que vivi. Esse tipo de crime você jamais imagina que vai acontecer em sua família. Eu mandei na sexta-feira (9/04), uma mensagem por WhatsApp ao Leniel Borel, pai do Henry. Meu coração estava pedindo para fazer isso. Eu me coloquei no lugar dele. Escrevi que muitas pessoas estão neste momento mandando mensagens, assim como aconteceu comigo com a morte da minha filha. Recebi mensagens de pessoas que tinham passado por situações difíceis, das mais variadas formas, todas prestando solidariedade. Toda manifestação de solidariedade é bem-vinda, evidentemente, mas tem diferença quando compartilhamos uma história muito parecida. Expliquei para ele que essa comoção enorme que tem causado na vida das pessoas deve ter um propósito, seja para pressionar as autoridades por busca de Justiça e por alguma mensagem que o Henry quer passar. Todo esse caso tem me deixado bastante comovida.

Sabe o que é mais dolorido? Eu e Leniel entregamos os nossos filhos para quem deveria cuidar e zelar. Entregar um filho para nunca mais voltar é o que mais machuca, revolta. Não consigo explicar o tamanho dessa dor. No caso da Isabella o pai foi o culpado. No do Henry, a mãe está presa como suspeita de participar da morte do próprio filho. Justo a mãe, que deu vida à criança. Eu sou da seguinte opinião: as dores não são comparáveis. Mas elas são enormes, imensuráveis.

Logo no início desses dois casos, chegamos a ficar atônitos e confusos. Tanto eu quanto o Leniel. Tentamos procurar algo que justificasse a morte e que não fosse o que de fato é. Isso logo no começo, quando há a notícia da morte. É natural procurar um assassino, um culpado – e que ele não seja quem deveria proteger e dar amor. No primeiro momento, você não culpa o pai ou a mãe. Nós simplesmente não queremos acreditar no que está acontecendo. Mas então vêm as notícias, as perícias, os indícios.

Nossos filhos nunca mais voltarão, mas a Justiça conforta de alguma forma o coração. O julgamento e a condenação encerram um ciclo, colocam um ponto final em uma história muito triste. No meu caso, entre o assassinato da minha filha e a condenação, passaram-se dois anos. A imprensa teve um papel importante no caso da Isabella, assim como está tendo no do Henry. Ficar em cima ajuda a colocar uma pressão nas investigações e por Justiça. Eu recebi amor e carinho por parte das pessoas que choraram e sofreram comigo, serei grata. É inegável, no entanto, que ver o rosto da sua filha e o caso ser esmiuçado deixa a cabeça muito mexida. Em vários momentos, me sentia sufocada. O luto precisa ser vivido. Eu, como forma de tentar aparentar alguma normalidade no meio de tudo, voltei a trabalhar duas semanas após a morte da minha filha. Mas não dei conta, precisava me voltar para mim e buscar ajuda. Pedi então uma licença e fiquei três meses afastada. 

Dois fatores me ajudaram a seguir em frente: tratamento psicológico e a espiritualidade. Eu sou espírita. Por isso, acredito que nenhuma partida seja em vão e que elas têm uma mensagem e significado. Um ponto importante para mim foi meu casamento, quando eu tinha 30 anos. Ao contrário do que as pessoas pensam, eu nunca havia sido casada antes. Então esse ritual foi uma novidade. Dois anos depois, na gravidez do meu filho, hoje com 4 anos, eu fiquei muito balançada. Foi um momento de muita alegria, mas também bastante difícil. Eu tinha o sonho de ser mãe novamente e, ao mesmo tempo, pensava demais na minha filha. Existia uma curiosidade natural da imprensa em cima de mim, dando novo componente aos meus sentimentos. Hoje sou casada e tenho dois filhos: um menino de 4 e uma menina de 1 ano e 1 mês.

Na troca de mensagens com o Leniel, ele me disse: “Você não sabe como suas palavras são importantes neste momento. Está sendo muito difícil. Não paro de pensar no meu filho. Além do meu filho, eles levaram a minha paz.”

A minha filha Isabella completaria 19 anos no dia 18 de abril. Nessas datas, por mais fortes que sejamos, o coração fica muito apertado.

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