O pronome possessivo contido no título Mia madre sugere que o relato do filme dirigido por Nanni Moretti seja autobiográfico, impressão que Moretti confirma em suas entrevistas, revelando que a mãe dele morreu, em 2010, quando estava terminando seu filme anterior, Habemus Papa. Tratando-se, porém, de manifesta transposição ficcional, a primeira pessoa do singular à qual “minha” se refere, no caso de Mia madre, diz respeito no filme tanto à personagem da diretora de cinema Margherita (Margherita Buy), quanto a seu irmão Giovanni, interpretado pelo próprio Moretti.
Para acentuar a verossimilhança da vertente narrativa dedicada a Agata, mãe do casal de irmãos, além do paralelo com sua perda pessoal, Moretti recorre a detalhes biográficos e factuais verídicos. Como a mãe de Moretti, Agata também foi professora de línguas clássicas. E a personagem usa roupas da mãe dele nas cenas no hospital. A esses detalhes verídicos, Moretti contrapõem, em tom sarcástico, as filmagens dirigidas por Margherita que formam a outra principal vertente de Mia madre. Dessa maneira, instaura-se dualidade de perspectiva e variação de tratamento que são o cerne do filme.
Ao se excluir como ator das filmagens dirigidas por Margherita, Moretti, sendo co-autor do roteiro e diretor de Mia madre, explora ao máximo sua veia irônica em relação a tudo que acontece no filme dentro do filme. Mantendo-se atrás da câmera, ele mina pela base, com impiedade, a onipotência de Margheritta, frequente em diretoras e diretores de cinema. A meia distância, Moretti pode relativizar a importância do que ocorre durante a filmagem, enquanto para os envolvidos tudo parece ser questão de vida ou morte.
Aos conflitos da filmagem dirigida por Margherita, Mia madre contrapõem a vida que se esvai com a inexorável aproximação da morte de Agata – onde Moretti, fazendo o papel do filho, está presente, testemunhando os momentos finais da sua mãe.
E quando Mia madre parece se encaminhar para um fim lúgubre, Moretti resgata perspectiva menos sombria através da revelação do legado de Agata – seus alunos e suas alunas, para os quais ela foi mestra, amiga e mama. Nas palavras de Moretti, Mia madre “é um filme sobre um luto, é verdade, mas também um filme sobre o que fica aqui entre nós nesta terra, os livros, as caixas, o latim, as lembranças.” Em resumo, como a resposta final de Agata.“Mamãe, em que você está pensando”, pergunta Giovanni (Moretti). “Em amanhã,” Agata responde.
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Os aplausos durante 10 minutos emocionaram Moretti, depois da sessão de gala de Mia madre no Grand Theâtre Lumière, no Festival de Cannes de 2015. “Margheritta já venceu”, ele declarou. E também: “Se chora, se ri, como sempre nos meus filmes desde o início da minha carreira. Não é uma estratégia planejada, é a minha maneira de contar a vida e as pessoas. Para mim, o cinema é isso, fazer bons filmes e possivelmente inovadores, filmes que não lhe pareça já ter assistido 300 vezes. E não creio que existam assuntos privilegiados […], qualquer tema pode resultar em um filme horrível ou a um filme belo.” (declarações disponíveis em http://www.ansa.it/sito/notizie/cultura/2015/05/16/cannes-applausi-per-mia-madre-il-film-di-moretti-piace-alla-stampa_f3c8116e-305d-4101-bb9e-deeef12200ed.html)
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Sobre a situação atual do cinema na Itália, Moretti declarou que os três filmes italianos em competição, além de Mia Madre, os de Garrone [Matteo Garrone, diretor de Conto dos contos] e Sorrentino [Paolo Sorrentino, diretor de A grande beleza e Youth], são grandes e belos esforços individuais, falta um sistema na Itália, entre nós há muita diversão em torno do cinema seja como fenômeno artístico, seja como industrial.” (entrevista disponível em http://www.ansa.it/sito/notizie/cultura/2015/05/16/cannes-applausi-per-mia-madre-il-film-di-moretti-piace-alla-stampa_f3c8116e-305d-4101-bb9e-deeef12200ed.html )