País afora, prefeituras encontraram um jeito engenhoso de receber mais verbas para a área de saúde sem precisar investir no setor. Primeiro, elas informam que seus gastos com consultas e exames aumentaram de um ano para o outro – sem jamais ter realizado a quantidade de procedimentos relatados. A manobra eleva o teto de recursos do que podem receber no ano seguinte. Depois, parlamentares de Brasília direcionam verbas do orçamento secreto para essas prefeituras – e a maioria fica no Maranhão. O escândalo foi revelado na piauí_190. Em 2021, a cada dez cidades maranhenses, sete receberam emendas parlamentares para atendimento de saúde com profissionais especializados, que fazem parte da chamada atenção de média e alta complexidade no SUS. Graças a números fraudados, Afonso Cunha, no Maranhão, informou que cada um de seus dois médicos fez 15 mil consultas por mês. Em 2021, Lago dos Rodrigues (MA) cadastrou o equivalente a 77 consultas por morador – quatro vezes mais que a Coreia do Sul. Numa fraude marcada pela falta de transparência com o gasto público, o desafio do =igualdades desta semana foi traduzir em imagens de que forma isso impacta o cotidiano da saúde do cidadão – e como os serviços continuam precários.
De todos os municípios brasileiros, a maioria – 60% – não recebeu verbas de emendas parlamentares para a saúde em 2021. Já entre as cidades maranhenses, a porcentagem despenca para 31% dos locais que não foram contemplados com o dinheiro. O Maranhão é o estado mais pobre do país.
As verbas na saúde no Maranhão vêm crescendo em um ritmo acelerado há alguns anos. Em 2020, com a urgência da pandemia no país, o estado recebeu R$ 136 milhões de emendas parlamentares destinadas à saúde, ficando em sexto lugar no ranking de todas as unidades da federação Já em 2021, a quantia quadruplicou, chegando a R$ 509 milhões – quinto lugar, atrás de Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Contabilizando os repasses até junho de 2022, o Maranhão saltou para a primeira posição no ranking, com R$ 568 milhões.
Dos 10 municípios com maiores valores per capita para pagar exames e consultas de média e alta complexidade, 9 são maranhenses. Em primeiro lugar, está Igarapé Grande (MA), que registrou R$ 591 por habitante em 2021. No total, a cidade recebeu R$ 6,7 milhões em emendas parlamentares destinadas à saúde. O município tem apenas 11,5 mil habitantes. Enquanto isso, a média nacional é de R$ 15 por pessoa.
Lago dos Rodrigues (MA), com apenas 8,8 mil habitantes, foi o município que registrou o número mais elevado de consultas anuais de média e alta complexidade por morador. Em 2021, a prefeitura da cidade cadastrou o equivalente a 77 consultas por pessoa com profissionais especializados. Dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Coreia do Sul tem o maior número de consultas por habitante, totalizando 17 por pessoa em 2019 – ¼ do que registrou o município maranhense. A OCDE reúne os países mais desenvolvidos no mundo – há anos o Brasil tenta entrar no grupo, mas até agora não conseguiu.
Afonso Cunha (MA) foi a cidade que recebeu mais emendas parlamentares em 2020, juntando os atendimentos básicos na saúde e também os de média e alta complexidade. Em maio de 2020, a cidade maranhense, que tem apenas 6,6 mil habitantes, registrou 210 consultas com dois médicos. Em junho de 2020, os registros cresceram vertiginosamente, totalizando 30.356 consultas com os mesmos dois médicos. Por esses dados, é como se, em um mês, um único médico tivesse realizado mais de 15 mil consultas.
Município maranhense campeão nacional em testes de HIV em 2020 tem registro de 3.101 procedimentos. A prefeitura de Santa Quitéria do Maranhão, que tem 25,9 mil habitantes, também está apresentando números fictícios de serviços de saúde. A cada 100 moradores de Santa Quitéria do Maranhão, os registros indicam que 12 fizeram exame de HIV em 2020. Já em São Paulo, não chega nem a uma pessoa (0,02).
As fraudes com as verbas da saúde também passam por Pedreiras (MA), a cinco horas de São Luís. Em 2021, o município de 39 mil habitantes informou a realização de 540,6 mil exodontias (extrações dentárias) – o que significa que a cidade teria que ter arrancado catorze dentes de cada morador. Já São Paulo fez um procedimento a cada 91 pessoas. Em 2022, Pedreiras tinha registrado mais 220 mil dentes arrancados até abril. Após a publicação da reportagem, a prefeitura alegou que houve erros de digitação dois anos seguidos.
Fontes: DataSUS; Fundo Nacional de Saúde; Siga Brasil; IBGE; OCDE; CEIC Data