O deputado André Janones (Avante-MG) começa a berrar com o ministro Abraham Weintraub, da Educação. “Psiu, olha pra mim”, diz, da tribuna. São oito da noite, e a sessão marcada para ouvir o ministro se arrasta. “Seu covarde, fiquei olhando pra você por três horas, e agora você vai me ouvir.” A Mesa Diretora interrompe Janones. “Censura!”, gritam deputados do plenário.
Por volta das 20h30, o deputado Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) ergue a bíblia que sempre carrega. “Tá, tá, tá, o diabo tá repreendido”, cantarola, passeando pela confusão. A deputada Maria do Rosário (PT-RS) sobe à Mesa Diretora para reclamar com o primeiro vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (PRB-SP), que comanda a sessão. A confusão recomeça.
Às 21h, a sessão é encerrada no horário previsto. O tumulto poderia indicar um dia agitado na Câmara, mas o plenário, na verdade, estava vazio. Dos 513 deputados, só cerca de 50 permaneceram até o final das seis horas de sabatina de Weintraub – um sinal claro do isolamento do governo no debate sobre educação diante das manifestações que tomaram o país na quarta-feira.
A convocação do ministro, na véspera, foi articulada por líderes do centrão e endossada por 307 deputados. Mas mesmo os mentores da sessão a abandonaram nas primeiras horas. Restaram, em maioria, deputados da oposição e do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, que mais bateram boca do que debateram a educação nacional.
Na verdade, além de expor Weintraub, o grupo de dirigentes de partidos menores também usa sua força no Congresso para adiar mais uma vez a votação de projetos importantes para o governo – especialmente a medida provisória que mantém a esplanada com os 22 ministérios definidos por Bolsonaro. Se até 3 de junho a medida ficar sem apreciação, caducará, e a estrutura do governo Temer, com 29 ministérios, poderá voltar a valer.
A principal ausência da sessão foi a do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que passou metade da semana nos Estados Unidos, em compromissos oficiais e conversas com investidores. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), o acompanhou. A indisposição do Centrão com Bolsonaro, presente desde a transição, quando o presidente se recusou a partilhar ministérios com partidos, toma nova forma. Antes havia expectativa de ocupação de cargos no governo, e irritação derivada da frustração do pleito não atendido. Agora, erros do governo na articulação política são usados para fazer com que a pauta do Executivo se inviabilize no Legislativo. Além das medidas provisórias, a reforma da Previdência pode ter a votação retardada, como forma de retaliação.
“A Câmara vai votar o que interessar para o Brasil, não vai votar para o Bolsonaro”, resumiu o deputado Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), o Paulinho da Força. Sobre a medida provisória que reestrutura a esplanada, ele afirmou que ou o governo acata decisões tomadas em comissão na Câmara, como a volta do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) das mãos do ministro Sergio Moro (Justiça) para as de Paulo Guedes (Economia), ou não terá vez. “Eles têm que baixar a bola, concordar com a posição que foi tomada na comissão e aí vota em plenário”, decretou Paulinho.
Na terça-feira, os líderes do governo, Major Vitor Hugo, e do PSL, Delegado Waldir, deram declarações que irritaram o Centrão. Deputados que se reuniram com Bolsonaro na terça relataram que o presidente telefonou para Weintraub na frente deles e suspendeu o contingenciamento de recursos da educação. O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de pronto negou. Vitor Hugo afirmou que, no limite, o governo nomeará sete militares para os ministérios que vierem a ser criados. Waldir disse que Weintraub viria “ensinar, porque é professor. Se fosse delegado, como eu, viria para prender”.
As ameaças despertaram reação rápida dos líderes do Centrão, que, para convocar o ministro, arregimentaram 307 votos, um a menos que o necessário para aprovar uma PEC. Chegou-se a cogitar a convocação para a semana que vem, mas as manifestações que tomaram as ruas do país contra cortes na educação foram consideradas o cenário ideal para a sabatina de Weintraub.
Homem de confiança de Bolsonaro, o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo, vive sob fogo cruzado desde que foi indicado ao posto. O acúmulo de trapalhadas colabora com a fraqueza política do governo no Congresso. Deputados listam fiascos do líder na articulação. Rodrigo Agostinho (PSB-SP) ficou embasbacado com a falta de autonomia de Vitor Hugo quando pediu seu apoio para uma sessão solene da semana do meio ambiente, um ato meramente simbólico, e se surpreendeu com a resposta: “Preciso consultar o Planalto”, disse Vitor Hugo.
O líder não respondeu aos contatos da reportagem.