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    Os rompimentos das barragens do Fundão e de Brumadinho, ocorridos em Minas Gerais, compõem um retrato trágico do país como um todo. Crédito: Reprodução do filme Lavra, escrito por Christiane Tassis e dirigido por Lucas Bambozzi

colunistas

Momento de expectativa

Urnas confirmam força do conservadorismo bolsonarista no país

Eduardo Escorel | 05 out 2022_10h12
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Começo a escrever no sábado, 1º de outubro. Esta coluna só será publicada, no entanto, daqui a quatro dias, na quarta-feira, 5 de outubro, quando poderá ter sido eleito um novo presidente da República. No debate que terminou ontem de madrugada, quem se saiu melhor foi a senadora Simone Tebet, quarta colocada com 5% dos votos válidos na mais recente pesquisa Datafolha (29/09) – sem possibilidade, portanto, de ser eleita. O longo e cansativo enfrentamento dois a dois entre os sete candidatos, um espetáculo em grande parte deplorável, durou mais de três horas, e parece difícil que tenha propiciado a conquista dos eleitores necessários para Luiz Inácio Lula da Silva chegar à maioria absoluta dos votos válidos e ser eleito amanhã (2/10) presidente da República pela terceira vez, embora essa possibilidade não possa ser excluída.

Caso a vitória do líder das pesquisas não ocorra no primeiro turno, creio que até 30 de outubro, data do segundo turno, poderemos ter pela frente um mês inseguro, e ainda mais ameaçador nos dois meses seguintes. Confirmada a vitória de Lula, considerada provável neste momento, após a posse do novo presidente em 1º de janeiro, seu desafio será fazer um governo à altura da árdua tarefa que terá pela frente.

Quer haja ou não segundo turno, novos sinais dados pelo atual ocupante provisório do Palácio da Alvorada, reiterados na live semanal de quinta-feira passada (29/09), indicam que no caso de ele não ser reeleito, os meses finais de seu mandato serão conturbados. Tudo indica que a eleição do ex-presidente será contestada e a transição de poder marcada por atos de violência. Alguém acredita que Lula, uma vez eleito, receberá a faixa presidencial do seu antecessor no parlatório do Palácio do Planalto?

Além das declarações do candidato incumbente pondo em dúvida a lisura do processo eleitoral e a confiabilidade das urnas, foi divulgado esta semana um relatório do seu partido, o Partido Liberal (PL), que afirma haver “vulnerabilidades relevantes” nas medidas de segurança do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que poderiam “resultar em invasão interna ou externa nos sistemas eleitorais, com grave impacto nos resultados das eleições de outubro” – afirmações que o TSE classificou como “falsas e mentirosas”, além de conterem “informações fraudulentas atentatórias ao estado democrático de direito”.

Sem esquecer os assassinatos cometidos durante a campanha eleitoral, há as ameaças feitas a políticos e jornalistas. O caso mais recente, divulgado no Twitter há uma semana, é o do repórter e editor Leandro Demori, editor executivo do site The Intercept Brasil de 2017 a 2022. Episódios de violência que “não param de aumentar”, esclarece Demori, o levaram a sair do Brasil com sua mulher e o filho do casal para passar “possivelmente um bom tempo fora”, opção que faz lembrar autoexílios que ocorriam no período da ditadura militar. “Não havia mais condições psicológicas e objetivas de ficar no Brasil”, ele diz ainda. “Eu não posso me colocar em risco. Eu tenho filho pequeno. A minha família… tomou essa decisão conjunta, então não estamos mais no Brasil. Saímos do Brasil por esse motivo… Nunca é demais lembrar que o nosso desejo é que essa fase passe e que as coisas voltem minimamente ao normal e que eu possa, sim, a partir de 2023, criticar o governo Lula de modo legítimo e democrático. É o que eu mais desejo.”

Vale lembrar que Demori, que foi editor deste site da piauí de março a dezembro de 2017, é um dos jornalistas que em Amigo Secreto (2022), de Maria Augusta Ramos, relata a investigação feita sobre a trama jurídica que resultou na prisão de Lula em 7 de abril de 2018, e levou sua candidatura a presidente da República a ser barrada pelo TSE com base na Lei da Ficha Limpa. O ex-presidente aparecia desde dezembro de 2017 como favorito para a eleição presidencial a ser realizada naquele ano, conforme escrevi aqui em junho passado.

No momento de expectativa em que escrevo, um sinal de alento no panorama sofrível do cinema brasileiro é Lavra (2021), dirigido por Lucas Bambozzi e escrito por Christiane Tassis, que estreia quinta-feira, 6 de outubro, em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Aracajú, Salvador e Brasília. O filme é conduzido por Camila (Camila Mota), geógrafa tentando encontrar o seu lugar. Após ter emigrado para os Estados Unidos, ela volta para Minas Gerais e nos diz em voz off: “Hoje, eu acho que coragem era ter ficado no Brasil.”

De fato, o que a espera é a tragédia dos moradores de Mariana e arredores, no entorno da barragem do Fundão que rompeu em 2015, matou dezenove pessoas e contaminou o Rio Doce. Seguindo o caminho da lama tóxica, ela percorre a região onde, em janeiro de 2019, o rompimento da barragem de Brumadinho matou 270 pessoas (no filme são mencionados 259 mortos e 11 desaparecidos). Camila nos diz que “não conseguia acreditar que três anos depois outro crime acontecia. De novo a mesma empresa era responsável e as sirenes de alerta não tocaram. E de novo a história se repetia como tragédia e como crime”.

No filme, a geógrafa Camila volta para Minas Gerais após ter emigrado para os Estados Unidos, o que é a espera é o reencontro com as tragédias criminosas de Brumadinho e do Fundão. Crédito: Reprodução do filme Lavra, escrito por Christiane Tassis e dirigido por Lucas Bambozzi.

 

Testemunha do rompimento da barragem de Brumadinho, Wagner diz a Camila: “O sentimento agora é esperar o que que vai acontecer, o que que vai fazer para ver qual o futuro…Que é igual ao que o [?] me perguntou. Ele falou: ‘O que que você pensa do futuro?’ Eu falei pra ele: ‘Que futuro? Né? Que futuro que eu ‘tou vendo? Agora, a gente vai é viver um dia depois do outro, para ver o que vai acontecer.’” E Camila complementa adiante: “As pontes para o futuro se romperam. Não dá para pensar no futuro como se o passado não tivesse existido.”

Camila conduz a narrativa seguida pela câmera. Comenta seu percurso, passo a passo em voz off, vai aos locais das tragédias e entra em contato com sobreviventes. Ela mesma é filmada quase sempre de costas, algumas vezes de perfil, em outras está fora de quadro. O que vê e a câmera registra é, com frequência, grandioso, mas agrava ainda mais a dramaticidade da situação que vai sendo rememorada e extrapola os dois rompimentos ocorridos em Minas Gerais para compor um retrato trágico do país como um todo.

Sábado, 1º de outubro. As últimas pesquisas divulgadas no fim da tarde não permitem assegurar se haverá ou não segundo turno para eleger o presidente da República. Para saber com certeza, teremos que esperar até amanhã a apuração oficial do TSE.

Domingo, 2 de outubro. Pouco antes das nove e meia da noite, apurados 96,93% dos votos, é anunciado que haverá 2º turno. Lula está com 47,90% dos votos válidos, apenas cerca de quatro por cento a mais do que o incumbente. A diferença é muito inferior à indicada até ontem pelos principais institutos de pesquisa. Além desse resultado, senadores e deputados federais eleitos confirmam a força do conservadorismo bolsonarista no país. A campanha presidencial prossegue a partir de amanhã.

*

Destaque (XII):

“…Tem aquele enunciado, tipo assim: ‘O sonho acabou!’ Que já é um abismo, não é? Como que o sonho acabou? E a gente luta, esperneia e fala que ‘não!’. O sonho existe, o sonho tá vivo. Né? O sonho é a nossa rota de invenção de outros mundos pra além desse que nós estamos vendo desaparecer. É o que o sonho faz. Principalmente para o povo indígena, sonhar é a mesma coisa que viver. São dois movimentos que acontecem ao mesmo tempo. Às vezes uma pessoa tá te contando alguma coisa e você fica olhando, prestando atenção e fala: ‘Mas, isso aconteceu agora ou você sonhou?’ Aí a pessoa fala, ‘não, aconteceu, no sonho.’ Então, acontecer e sonhar não é diferente. Acontece dentro do sonho… Eu me alimento muito do mundo do sonho… E se alguém falar pra mim que o sonho acabou, eu vou ficar com pena dele. Eu vou entender que o sonho dele acabou. O meu, não.” Ailton Krenak em Lavra, aos 83’.

Para os povos indígenas, sonhar é a mesma coisa que viver. Crédito: Reprodução do filme Lavra, escrito por Christiane Tassis e dirigido por Lucas Bambozzi.

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