Alexandre de Moraes se gaba de ser um dos ministros mais eficientes do Supremo Tribunal Federal (STF). “Com 1 ano e meio de Supremo, o meu gabinete já era o melhor.” Relator do inquérito que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro, ele promete manter esse padrão ao julgar os bolsonaristas que participaram da tentativa de golpe. “Em seis meses vou terminar tudo”, afirmou aos jornalistas Carol Pires e Felipe Recondo durante a mesa de abertura dos Encontros piauí, evento promovido pela revista em parceria com o YouTube que acontece nesta terça-feira (13), em Brasília. Em seguida, Moraes atenuou a promessa. Afirmou que alguns processos podem durar até o ano que vem. “Mas pelo menos aproximadamente 250 [casos], que são os crimes mais graves e [em que os acusados] estão presos, esses em seis meses com certeza o Supremo vai encerrar.”
Segundo Moraes, esse ritmo de julgamento será possível porque a Procuradoria-Geral da República pretende fazer denúncias em bloco – trinta por vez. Ele negou que esse método atropele o direito de defesa dos acusados. Recondo perguntou se, dessa forma, as condutas de cada invasor serão analisadas individualmente. “É um caso de condutas múltiplas”, respondeu Moraes. “Quem estava lá participou. Não preciso dizer que fulano quebrou a cadeira A ou riscou o quadro B. Estar lá [invadindo prédios públicos] já é crime. Mas se [a pessoa] comprovar a partir das imagens que nada fez, alguns crimes caem.”
Moraes preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), colegiado que durante as eleições se mobilizou de forma inédita para monitorar as redes sociais e derrubar informações falsas. O ministro criticou o que chamou de “má-vontade” das plataformas digitais em controlar o conteúdo que veiculam. “Quando eu assumi o TSE, as decisões judiciais diziam que as big techs tinham que derrubar em 48 horas as publicações ofensivas, criminosas. Eles riam: 48 horas é notícia velha em rede social. Eu disse [para derrubar] em 2 horas, e na eleição em 1 hora. Eles disseram que era impossível, eu disse que era possível”, afirmou Moraes. “Com um aperto de botão e 100 mil reais de multa por hora, tudo é possível.”
O ministro defende que as big techs sejam tratadas como empresas de mídia e, portanto, sejam responsabilizadas na Justiça dessa forma. “É política do avestruz achar que as big techs são empresas de tecnologia. São as empresas que mais faturam com mídia no planeta”, argumentou Moraes. “Todo mundo sabe o que é nazismo, o que é fascismo. Não é subjetivo. Com inteligência artificial, você vai tirando [esses conteúdos]. O que tem é má-vontade, comodismo [por parte das empresas]. É muito dinheiro envolvido.”
Moraes nos últimos dois anos personificou o esforço do Judiciário em lidar com a extrema direita organizada, um fenômeno desconhecido dos brasileiros, ou pelo menos restrito aos subterrâneos do país, até 2018. Para o ministro, foi a partir daí que a extrema direita se explicitou. “Tenho certeza de que ninguém aqui nunca pensou que houvesse pessoas próximas [que eram] fascistas, racistas, misóginas. A extrema direita conseguiu fazer não só com que essas pessoas se liberassem, mas também que tivessem orgulho disso.”
A jornalista Carol Pires comentou que, para muitos observadores internacionais, Moraes parece ser a encarnação do Judiciário brasileiro – um sinal preocupante de autoritarismo e concentração de poder. “Eu não faço juízo de valor de governo nenhum”, respondeu Moraes, minimizando esse tipo de crítica. “Eu entendo que a mídia precisa sempre de um personagem. Mas tudo o que foi feito foi referendado pelo plenário do TSE.”
Apelidado de Xandão nas redes, Moraes virou meme na esquerda e foi tomado como arquirrival por Bolsonaro e seus apoiadores. Ele afirmou não se incomodar com a fama ou os ataques. “Eu não ganho mais por causa disso, eu não trabalho menos e sou vigiado 24 horas por dia. Bom não pode ser. Mas faz parte também. É bom? Não. Me incomoda? Também não.” Sobre o apelido, disse que nem seus amigos, nem mesmo os mais íntimos, o chamam de Xandão. Contou que tem um filho chamado Alexandre e brincou: “Ele até brincou comigo: ‘roubou meu apelido?’ Ficou pro bem e pro mal, né? Quem critica e xinga fala Xandão. Quem elogia fala Xandão.”
Moraes pautou para o próximo dia 22 o julgamento que pode tornar Bolsonaro inelegível. O ex-presidente é investigado por abuso de poder pelo fato de ter reunido embaixadores no Palácio do Planalto e tentado convencê-los de que as urnas eletrônicas não são confiáveis. O ministro afirmou que não há qualquer intenção política no timing do julgamento. A denúncia contra Bolsonaro, segundo Moraes, caiu na “vala comum” do TSE. “Eu na verdade pauto todos os meus casos. Pautei a partir do dia 22 porque o ministro Benedito [Gonçalves] liberou no dia 1º de junho.”
Questionado sobre o processo de nomeação de ministros do Supremo – novamente em discussão, devido à indicação de Cristiano Zanin para a vaga deixada por Ricardo Lewandowski –, Moraes afirmou que os critérios a serem seguidos são a “ilibada conduta” e o “notório saber jurídico”. O ministro não mencionou Zanin nominalmente. Mas defendeu a forma brasileira de preencher as vagas do STF. “O presidente da República escolhe e o Senado Federal aprova. Tenho uma obra sobre isso, estudei inúmeros tribunais. Não tenho nenhuma dúvida de que essa é a melhor forma. Tem problemas? Tem. Mas todas têm.” Citou a indicação de ministros para a Suprema Corte americana: “Nenhum presidente democrata escolheu um republicano. Ele vai escolher alguém que pensa diferente dele?”
Ainda sobre a composição do STF, Moraes disse que a corte precisa de diversidade, tanto regional – pois o Supremo precisa representar a federação brasileira – quanto em termos de raça e gênero, pois isso agrega perfis e opiniões diferentes. Afirmou, porém, que a diversidade não se reflete necessariamente em posições políticas mais à esquerda ou à direita. “A Suprema Corte americana tem cinco homens e quatro mulheres, sendo um homem negro, uma mulher negra e uma mulher latina, e é a Corte mais conservadora das últimas décadas”, exemplificou Moraes. “Não dá pra fazer esse link direto.”
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