O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que não há possibilidade de troca no comando do Exército até o final do mandato de Jair Bolsonaro. Apesar de a nomeação dos comandantes das Forças Armadas caber ao presidente da República, Mourão – general da reserva – foi assertivo ao dizer, em entrevista à piauí, que Edson Leal Pujol continuará no cargo até janeiro de 2023, quando o próximo presidente assumir o cargo.
Capitão reformado do Exército, Bolsonaro inundou o seu governo de militares. São cerca de 3 mil deles em vários cargos e diferentes níveis. Nove dos 23 ministros são oriundos das Forças Armadas ou seguem na ativa, e um veio da Polícia Militar. Três dos principais auxiliares palacianos são generais de quatro estrelas, o posto mais alto do Exército: Braga Netto, da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional. Ramos segue na ativa, emprestado ao governo – solicitou em 1º de julho seu requerimento de passagem para a reserva, que só deveria ocorrer em 2022. O titular interino da Saúde há dois meses, em meio à pandemia do novo coronavírus, é outro general da ativa, Eduardo Pazuello.
A despeito dessa realidade, Edson Leal Pujol, comandante do Exército – a mais poderosa e política das Forças Armadas –, tem procurado manter distância do governo e das seguidas arengas do Executivo com o Judiciário e o Legislativo. É um dos motivos que alimentaram um recente rumor de que Bolsonaro, descontente com tal postura, poderia trocar o comandante do Exército, há apenas um ano e meio no cargo – movimento pouco usual, já que em geral os comandantes permanecem enquanto duram os mandatos presidenciais.
Questionado sobre a possibilidade dessa troca, o vice-presidente respondeu: “Negativo, não vai haver, não. Pujol vai até janeiro de 2023. No dia 1º de janeiro de 2023, quando assumir o Bolsonaro de novo ou outro presidente, se troca o Pujol, pô.” O tom do general chama a atenção quando se sabe que ele não faz parte do círculo de assessores mais próximos de Bolsonaro. O próprio Mourão admite que não é consultado pelo presidente sobre trocas de ministros e outras decisões de governo: “Todas as mudanças de ministério que ele faz, essas coisas, ele não me informa.”
A acepção de garantia na resposta do general – como dando a entender que, se em relação ao governo ele não apita, sobre o Exército ele tem segurança para fazê-lo – suscita ao menos duas hipóteses. A primeira: Mourão de fato tem certeza do que diz, seja porque neste caso Bolsonaro lhe assegurou, seja porque o Alto Comando do Exército está fechado com Pujol, sem dar brecha para que Bolsonaro cogite a troca. A segunda: passar um recado forte a Bolsonaro, em nome do Exército, para que o presidente não se atreva a mexer naquele vespeiro. Por ser da reserva, obviamente Mourão não fala pelo Exército. Mas o general segue como figura influente entre seus pares da ativa.
Em que pesem as seguidas manifestações golpistas por parte de Bolsonaro, de seu filho Eduardo e de apoiadores, o vice-presidente declara que não há risco de golpe militar no Brasil – nem de uma ruptura clássica, por parte das Forças Armadas, nem de um golpe paramilitar, a cargo de PMs e milicianos pró-governo, ameaça aventada por alguns analistas. “Os caras que estão levantando essas ideias estão vivendo o sonho de uma noite de verão. Isso é totalmente fora de propósito. As únicas milícias que há no Brasil são aquelas do Rio de Janeiro, que estão lá para tratar dos negócios deles, pô. Que são outro grupo de marginais, vamos colocar assim”, disse o general.
“As Polícias Militares, cada uma tem o seu papel em seu estado, não existe organização central de Polícia Militar. Então essa questão aí foi muito mal colocada e ficou sendo muito mal explorada durante mais de um mês por causa daquelas manifestações em que aparecia a turma da intervenção militar… Essa turma desde 2013 bate na porta dos quartéis e nada aconteceu. [Achar que pode haver golpe] é delírio total, é desconhecer a realidade do país.”
Para Mourão, a fase menos beligerante de Bolsonaro nas duas últimas semanas não tem a ver com a prisão de Fabrício Queiroz, ex-braço direito da família Bolsonaro suspeito de corrupção e ligado a criminosos cariocas, mas é parte de um processo de pacificação em três frentes construído ao longo das últimas semanas por auxiliares presidenciais.
“O processo começa quando o presidente se dá conta que ele efetivamente tem que construir uma base no Congresso, e aí começa a aproximação com os partidos de centro”, disse o vice-presidente. Desde que a família Bolsonaro passou a ser acossada por inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), tornando mais palpável a possibilidade de um impeachment, o presidente passou a negociar o apoio do Centrão, aglomerado de siglas de centro-direita no parlamento notório por apoiar governos em troca de cargos e verbas. A despeito de sempre ter integrado partidos do Centrão e adotado parte de suas práticas, Bolsonaro costumava definir a atuação do grupo como “velha política”.
“O processo [de pacificação] avança”, prosseguiu Mourão, “no momento em que o presidente entende que tem que ter uma melhor relação com o pessoal do Judiciário e começa a lançar umas pontes para o lado de lá.” O vice se refere ao distensionamento temporário entre Planalto e STF. Bolsonaro e sua equipe se queixam da ingerência de ministros da Corte Suprema do país, especialmente Celso de Mello e Alexandre de Moraes, em atribuições do Executivo – como no veto à nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal – e apoiaram atos golpistas que pediam fechamento do Congresso e do STF.
Como o Supremo não se intimidou – ao contrário, investigações avançaram sobre apoiadores do presidente, alguns deles presos em decisões do inquérito que investiga a organização de atos golpistas –, e a Justiça fluminense autorizou a prisão de Queiroz, investigado pelo Ministério Público daquele estado, auxiliares de Bolsonaro, em tese, o convenceram de que era o momento de um armistício.
Mourão chega ao terceiro pilar do processo de mudança de Bolsonaro, definido por ele como “o ponto maior”: “É quando ele entende que, como presidente da República, tem de preservar sua figura. Ele não é mais candidato, não é mais deputado, então a figura dele tem de estar mais acima de todas as paixões que ocorrem no dia a dia. E ele estava muito metido nisso aí. Aí ele começa a entender… ele acaba com aquela história do cercadinho ali na saída do Alvorada, deixa de falar coisa todos os dias, para se preservar e falar nos momentos certos.” Aqui o vice se refere à diminuição da verborragia presidencial, recheada de impropérios e desprovida de decoro, em conversas com apoiadores e entrevistas ao entrar e sair do Palácio da Alvorada, a residência oficial – em relação às entrevistas, vale lembrar que vários veículos importantes deixaram de enviar jornalistas ao local em resposta aos xingamentos e tratamento aviltante por parte de Bolsonaro e sua claque.
Segundo Mourão, todos os ministros palacianos ajudaram no processo que supostamente teria acalmado Bolsonaro. “Todo mundo tem parte nisso aí, principalmente os que estão ali perto dele, o Heleno, o Ramos, o Jorge, o próprio ministro da Justiça, o André Mendonça. Esses caras conversam o tempo todo com ele. O Braga Netto. A turma que está no dia a dia do despacho.”
Uma das raras missões relevantes que Bolsonaro deu a Mourão foi a presidência do Conselho da Amazônia, responsável por coordenar ações e políticas públicas para a região. Em tese, um dos objetivos do grupo é frear o desmatamento. Mas a devastação na região continua aumentando. Um grupo de executivos de grandes empresas brasileiras multinacionais e entidades setoriais entregou uma carta a Mourão cobrando providências contra o desmatamento, conforme revelou nesta terça (7/7) o jornal Valor Econômico.
Mourão conta que interpretou o gesto mais com “parceria” do que como cobrança.
“Aquilo ali não é uma pressão, em absoluto, muito pelo contrário. É um grupo de empresários favoráveis às políticas a serem implementadas pelo Conselho da Amazônia. Eles oferecem apoio, é o que está escrito na carta.” Indagado por que o desmatamento segue em alta apesar da criação do Conselho, afirmou: “O desmatamento começou no ano passado, o Conselho só começou a atuar a partir de maio. Deveria ter começado [a atuar] no ano passado, essa é a realidade.”
Mourão foi cauteloso ao responder até onde o caso Fabrício Queiroz pode chegar. “Esse caso está sendo investigado já há algum tempo pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. O presidente, no ano passado, começo do ano, quando surgiu esse troço, já deixou claro que quem errou, paga. Então temos que aguardar o que vai acontecer disso aí.”
Questionado se Bolsonaro chegará até o final do mandato, disse: “Acho, tranquilamente. Se a gente conseguir manter esse diapasão, der uma boa recuperada nesse pós-pandemia, ainda é reeleito, se quiser.” E Mourão estaria novamente na chapa? “Se ele quiser, estarei junto”, disse, soltando uma gargalhada.
O vice também evitou dividida ao comentar a notícia de que Bolsonaro testou positivo para a Covid-19. Perguntei se a doença era resultado do comportamento irresponsável do presidente durante a pandemia. “A gente tem contato com os mais variados tipos de pessoa todos os dias. Pessoal da segurança, pessoal que trabalha nos palácios, ele pode ter pego de qualquer um aí”. Pedi, por fim, que Mourão definisse o comportamento de Bolsonaro em relação à Covid: “Defino o presidente como um cara tranquilo em relação à Covid. Ele tem que se proteger e tem se protegido.”