Foi Chiquinha Gonzaga quem puxou o abre-alas da linhagem de mulheres compositoras, no já longínquo século 19. Um hiato de pelo menos meio século a separaria de Dolores Duran e Maysa, compositoras maiúsculas surgidas na década de 50 do século passado (não me recordo de outro nome de relevância neste período, a não ser a minha conterrânea Dilu Melo, que, apesar de talentosa e dona de clássicos como Fiz a Cama na Varanda e Maravia, nunca teve o mesmo reconhecimento das primeiras).
Joyce começaria a carreira nos anos 60, embora só fosse ter sua verve feminina notada de fato algumas décadas depois. Rita Lee, mesmo diluída entre Os Mutantes, também nos anos 60 já mostrava suas verve e garras de boa melodista e poeta debochada, feito que ela reiterou nas décadas seguintes, em voo solo ou em parcerias inspiradas com Luiz Sergio Carlini, Paulo Coelho ou Roberto de Carvalho, o mais constante e longevo parceiro. Luli e Lucina também formaram dupla pioneira, com seu pop megabrasileiro, de raízes fincadas no universo caipira e também nos batuques afro e similares. Enquanto isso, Ivone Lara e Leci Brandão arrombavam a porta do “clube do bolinha” do samba. E Vanusa, aqui e ali, lançava torpedos de viés feminista e libertário, como Mudanças e Manhãs de Setembro. Parceira do mestre Dominguinhos, Anastácia escreveu clássicos definitivos como Tenho Sede, Só Quero um Xodó e Contrato de Separação. Sueli Costa é outra grande criadora, que, em parcerias com Abel Silva, Cacaso, Tite de Lemos e outros poetas, cravou obras-primas como Jura Secreta, Dentro de Mim Mora um Anjo e Medo de Amar nº 2.
Às portas dos anos 80, Fátima Guedes surgiria com suas harmonias sofisticadas e letras de apelo social e/ou romântico, e Marina Lima despontaria com uma música muito pessoal, tanto quanto seu jeito anasalado, sexy e quase falado de cantar. À mesma época, Cátia de França mandava da Paraíba as ondas de um som nordestino-psicodélico, suingado e moderno, enquanto Angela Ro Ro já chegou bagunçando o coreto com sua mescla de blues, rock e canção brasileira, imprimindo sua pegada hardcore, na obra como na vida. Do centro-oeste viria o sotaque pantaneiro das irmãs Espíndola – primeiro Tetê, depois Alzira (egressas do grupo Lírio Selvagem), ambas com vozes personalíssimas, como cantoras, mas como autoras também. Merecem menção também Sandra de Sá e Joanna, que com o tempo se tornariam mais intérpretes que compositoras.
Hoje pode-se dizer que há uma “música feminina” de fato, feita por e para mulheres, com uma abordagem que um homem compositor jamais poderia ter, mesmo que fosse um sensível inveterado e observador perspicaz. Dos nomes surgidos nas últimas levas, destaco Vanessa Bumagny, Andreia Dias, Nô Stopa e Mylene Areal.