A reputação do presidente da Petrobras, Pedro Parente, foi do céu ao inferno desde que os caminhoneiros entraram em greve, em 21 de maio, em protesto, principalmente, contra a alta do preço do diesel. Até a paralisação, que provocou um colapso no abastecimento nacional e abriu uma crise enorme no governo, Parente era apontado pelo mercado como o super-executivo responsável por tirar a Petrobras do buraco em que se metera em razão de políticas erráticas de preços, de má-gestão e corrupção, creditadas aos governos do PT. Essa imagem, contudo, foi se desmanchando conforme a imprensa mostrava as prateleiras vazias nos supermercados, as filas nos postos de gasolina e as estradas bloqueadas.
Antes mesmo de a greve completar uma semana, a política de reajustes diários dos preços dos combustíveis da estatal, determinada por Parente em julho passado, foi colocada em xeque por especialistas do mercado, por funcionários da companhia, por políticos da esquerda à direita e por integrantes do governo, como o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco. Ao insistir com a política de preços, Pedro Parente deixou de ser uma unanimidade como bom gestor e foi acusado de ser um tecnocrata intransigente, incapaz de entender as peculiaridades do setor no Brasil.
A dúvida é se a política que ele insiste em manter é adequada ao Brasil dependente do frete rodoviário e de sérias limitações logísticas. E mais, se ela se justifica para uma empresa estatal e monopolista, praticamente dona do mercado, e cujo modelo de exploração e produção garantiu autossuficiência em petróleo ao país – que, portanto, não precisaria ser tão vulnerável às oscilações de preços no mercado internacional. Mesmo os analistas mais liberais, como Adriano Pires, presidente do Centro Brasileiro de Infraestrutura, o CBIE, consultoria especializada em petróleo energia, acreditam que os preços dos combustíveis no Brasil subiram demais desde que a Petrobras passou a praticar a política de preços livres, em julho passado. Uma alta de cerca de 60% em menos de um ano. “O governo Dilma usou o monopólio para congelar os preços e fazer política econômica, o que quase quebrou a companhia. Já o governo Temer usou o monopólio para a Petrobras rachar de ganhar dinheiro, o que impôs perdas aos consumidores”, disse. “Nenhum dos extremos funciona.”
A discussão no mercado agora é sobre quais os limites para a liberdade de preços da Petrobras. “Se é uma companhia estatal, com todas as vantagens de uma empresa praticamente monopolista, a Petrobras não pode querer se comportar como uma empresa privada”, afirmou Jean-Paul Prates, presidente da Cerne, Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia, empresa especializada em energia renovável. Um dos elaboradores da lei do petróleo de 1997, que rompeu o monopólio da Petrobras na exploração e produção de petróleo, Prates é um crítico do atual modelo, seguido por Parente. O Brasil deixou uma política de preços controlados do governo Dilma Rousseff, que impôs pesadas perdas aos cofres da Petrobras, para um modelo de preços livres, que acompanham as oscilações da cotação do petróleo no mercado internacional. Com a forte alta do preço no exterior, aliada à alta do dólar no país, os preços ficaram impraticáveis para o consumidor, explicou Prates.
Ao longo de sua história, a Petrobras sempre esteve submetida a algum controle de preços por todos os governos, dos militares, passando por Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. A discussão nunca foi se a interferência do governo sobre sua companhia deveria existir, mas sim em que grau deveria ocorrer. Nas últimas décadas, a prática tinha sido de reajustes em patamares de preços. Ou seja, quando havia uma alta expressiva do petróleo no mercado internacional, a Petrobras segurava um reajuste e observava se o processo se manteria. Caso a alta se mantivesse, o aumento era repassado aos preços. Em contrapartida, para compensar esse atraso no reajuste, a Petrobras não reduzia imediatamente o seu preço quando o valor do petróleo no mercado internacional recuava. Era essa a tática da companhia para manter seu caixa estável. O desequilíbrio começou quando a empresa, no governo Dilma Rousseff, manteve por muito tempo os preços congelados, na tentativa de controlar artificialmente a inflação, enquanto o petróleo disparava no mercado internacional.
Com as refinarias da Petrobras obrigadas a vender combustível a um preço bem abaixo do seu custo durante um período longo, a empresa passou a registrar sucessivos prejuízos em seu balanço, a partir de 2014. Só em 2015, a Petrobras fechou no vermelho em 35 bilhões de reais. Naquele ano, a empresa teve dívida de 392 bilhões de reais e se transformou em uma das companhias mais endividadas do mundo. Afora isso, a Petrobras foi alvo de pesados esquemas de corrupção comandados por políticos do PT, do PP e do MDB, em conluio com executivos da estatal e empresas prestadoras serviço, que resultaram na operação Lava Jato e ruíram sua credibilidade junto ao mercado e aos acionistas.
Foi esse o quadro encontrado por Pedro Parente ao assumir a estatal, em maio de 2016. Adotando boas práticas de gestão, vendendo ativos e estabelecendo uma política de reajustes de preços mais realistas, o executivo recuperou as contas da companhia. Em pouco tempo, reduziu o endividamento da empresa, aumentou a produção e melhorou o seu balanço, fechando com lucro de 6,96 bilhões no primeiro semestre deste ano. Esses resultados o transformaram no queridinho do mercado. O problema é que parte do bom desempenho tinha a ver com a alta acelerada dos preços. Um estudo feito pelo CBIE mostra que, em 2016, embora o petróleo estivesse em baixa no mercado internacional, a Petrobras passou a praticar no Brasil preços bem mais altos do que lá fora.
Em outubro de 2016, o preço do óleo diesel praticado no Golfo do México, acrescido de frete e armazenamento, era equivalente a 1,349 reais por litro. No Brasil, o litro do diesel custava 1,739 reais, 28,9% mais alto. Essa diferença continuou até junho de 2017, e os preços só começaram a se equiparar com a subida do petróleo internacional, passando dos 30 dólares o barril para os atuais 65 dólares o barril. No caso da gasolina, o preço praticado no Brasil foi menor do que no Golfo do México apenas por um curto período.
Ou seja, a Petrobras ganhou em cima do consumidor brasileiro quando o preço do petróleo estava em baixa lá fora, e continuou ganhando quando subiu, ao adotar a política de reajustes diários, de acordo com a oscilação no mercado internacional. “Não houve a devida compensação”, criticou Prates. “A empresa ganhou, os acionistas ganharam, os estados e a União ganharam com a alta. Só quem perdeu foram os consumidores brasileiros”, disse. Prates questiona, contudo, se o objetivo de uma empresa estatal deve ser atender apenas os interesses dos acionistas. “Se é só para dar retorno ao mercado não faz sentido a companhia se manter estatal”, disse ele. “Uma estatal tem que ter compromissos também com o país e não apenas com seus acionistas.”
Essa política, segundo Prates, gerou outra distorção. Com os preços muito mais baixos lá fora, os importadores de gasolina e diesel passaram a comprar combustível barato no exterior para revender mais caro aqui. Ao mesmo tempo, a Petrobras reduziu a produção em suas refinarias, que passaram a operar com capacidade ociosa. Em alguns casos, chegou a 60%. De acordo com a Associação dos Engenheiros da Petrobras, em 2015, o Brasil importava 41% do diesel que consumia. No ano passado, 80% do diesel consumido no Brasil foi importado dos Estados Unidos. A Petrobras alega, no entanto, que processar o petróleo nas refinarias “não significa necessariamente ter melhor resultado econômico”. Questionada sobre o baixo uso de algumas unidades, a empresa enviou à piauí uma nota curta em que afirmou buscar “sempre o cenário que garanta a rentabilidade mais adequada para a companhia”. E argumentou que o nível de planejamento e utilização do refino “estão intimamente ligados a condições de mercado, como demanda e preço de cada produto”. Dessa forma, segundo a companhia, dependendo dos derivados a serem produzidos, “pode-se obter melhor rentabilidade utilizando menos capacidade no conjunto das refinarias”. A empresa afirmou que o nível de utilização do parque de refino foi de 72% no primeiro trimestre, o que seria condizente com a baixa demanda nesta época do ano.
Uma questão a ser considerada é que, justamente de janeiro a abril deste ano, o Brasil importou 8 bilhões de dólares em derivados de petróleo, petróleo bruto, álcool e carvão – itens que mais pesaram na balança comercial do trimestre. Por causa desses resultados, Ciro Gomes, candidato à presidência pelo PDT, disse no programa Roda Viva, da TV Cultura, que “essa política de reajustes diários era feita para beneficiar os importadores”. Em seu estilo confrontador, pediu a demissão de Pedro Parente do comando da estatal.
Os analistas não falam em favorecimento, mas acham que a política de preços da Petrobras é de difícil compreensão. Adriano Pires acredita que houve falta de sensibilidade do comando da empresa com a situação do país. Já Jean-Paul Prates faz uma digressão histórica. Lembra que desde a sua fundação, há 65 anos, a Petrobras buscou a autossuficiência na produção de petróleo. No final dos anos 80, mesmo com a queda do preço no mercado internacional, a companhia investiu para alcançar esta meta e acabou por se tornar referência em exploração em águas profundas. O mesmo ocorreu com os investimentos no pré-sal, quando boa parte do mundo reduzia os gastos em exploração por causa da queda dos preços. Com tanto investimento e a almejada autossuficiência, Prates sustenta que a empresa, em momentos de crise como esse, deveria ter flexibilidade para fazer política de Estado, e não só política de mercado. “É lógico que não se trata de tirar valor da companhia, congelando os preços para fazer política econômica como fez a Venezuela. Mas também não se pode aceitar que a empresa adote práticas altamente prejudiciais aos consumidores brasileiros.”
A flutuação diária do preço dos combustíveis no Brasil tem um impacto maior sobre a cadeia produtiva por se tratar de um país de dimensões continentais, que optou pelo transporte rodoviário. Com as altas seguidas, os caminhoneiros perderam os parâmetros de fixação de preço do frete. A queixa maior é em relação à falta de previsibilidade nos reajustes impostos por essa política. Eles alegam que fixam o valor do frete com base na cotação do diesel, que poderia estar mais alto quando a carga chegasse ao seu destino, gerando prejuízos na operação. Além disso, consideram que agência reguladora, a Agência Nacional de Petróleo, é ineficiente para fiscalizar se os postos de combustível estavam reduzindo os preços quando a Petrobras os baixava nas refinarias. O que se percebe é que os postos faziam apenas o reajuste para cima, nunca para baixo.
A justificativa da estatal é que o modelo de preços adotado aqui é o mesmo de economias liberais, como a americana, o que daria uma maior estabilidade para a companhia. O advogado carioca Luis Octavio da Motta Veiga foi presidente da Petrobras no governo Collor. Uma das razões por ter pedido demissão do posto foi a tentativa do governo de congelar o preço do combustível para controlar a inflação que já ameaçava disparar. No entanto, embora crítico de qualquer tentativa de congelamento por considerar danoso para companhia, ele acredita que até pela cultura do brasileiro, é difícil implantar uma política de reajustes diários. “Os americanos já estão acostumados com essa política”, disse. Além do mais, nos Estados Unidos não há monopólio no setor de refino, o que permite a competição entre as empresas, com variação de preços nos postos. Como essa liberdade não existe no Brasil, Motta Veiga acredita que talvez o mais sensato fosse adotar uma política de variação de preços quinzenal ou mensal. “Acho que seria o caso de a Petrobras testar por quanto tempo seria viável adiar o reajuste”, disse. “Ao invés de acompanhar oscilação diária dos preços, concentrar o reajuste a cada quinze dias, ou um ou dois meses”. Embora não considere errada a política da Petrobras ele admite ser complicado trocar uma política de preços tabelados para outra de liberalidade total.
Mesmos nos Estados Unidos, onde a política de preços acompanha a oscilação diária do mercado, há certa previsibilidade. O governo americano, por exemplo, tem estoques reguladores de combustível para evitar grandes oscilações na bomba. Os impostos também funcionam como reguladores. Quando há uma alta expressiva do combustível, há uma compensação com a queda do imposto. Na Europa, como a taxação dos combustíveis é muito expressiva, os impostos também são usados para equilibrar os preços sempre que ocorre uma alta expressiva no mercado internacional. “Nenhum desses países, inclusive a Noruega, cuja empresa de petróleo é estatal, permite que o combustível suba na bomba sem dar o mínimo de previsibilidade ao consumidor”, disse Jean-Paul Prates.
No Brasil, como lembra Motta Veiga, embora a carga tributária sobre o combustível seja altíssima, ela não funciona como um colchão contra a alta de preços. Ao contrário. Quando o preço sobe, os ganhos dos estados e da União com a arrecadação de imposto crescem por incidirem sobre uma base maior. “Essa é a grande distorção”, afirma Motta Veiga. “É preciso que os governantes tenham compreensão de que os impostos, nesse momento de alta, precisariam ser reduzidos, já que não haverá perda de arrecadação dado que o imposto incidirá sobre um preço maior.” Motta Veiga sai em defesa da gestão de Pedro Parente lembrando que a prática de congelamento de preços adotada nos governos Lula e Dilma destruiu valor da companhia, que acabou levando seus diretores a serem processados no Brasil e nos Estados Unidos – já que a empresa é cotada na Bolsa de Nova York. “Hoje, a CVM está de olho nos governantes da estatal para evitar que imponham perdas as empresa, inclusive pela política de preços”, disse. “Não há mais espaço para aventuras.”