A vigilância do poder e dos abusos cometidos pelo Estado define a carreira do jornalista Tamás Bodoky, um dos principais jornalistas investigativos da Hungria. Com a ascensão, nos últimos dez anos, de governos populistas de direita no país europeu, os desafios do jornalismo aumentaram. Sob o governo autoritário de Viktor Orbán, jornalistas de veículos independentes são difamados e têm seus trabalhos prejudicados por cortes de verbas, campanhas constantes de difamação e dificuldade para obtenção de dados públicos.
Editor e fundador do portal Atlatszo, com foco em jornalismo investigativo e transparência na circulação de informações em seu país, Bodoky coleciona prêmios na cobertura sobre liberdade de imprensa, brutalidade policial, corrupção e direitos humanos. O jornalista abriu o segundo dia do Festival Piauí de Jornalismo, neste domingo (6), em São Paulo, em conversa com o editor da piauí Rafael Cariello e a professora da Faap Luciana Garbin.
Bodoky decidiu ser jornalista em meados dos anos 1990, quando, após a queda do muro de Berlim, floresceu na Hungria um ambiente de liberdade de expressão, com o surgimento de vários veículos de imprensa e um quadro de pluripartidarismo. Com a ascensão de Viktor Orbán, do Fidesz, partido nacional-conservador direita e o maior partido político da Hungria, Tomás Bodoky diz que viu o país regredir. “Temos agora a volta de um partido único que controla todos os aspectos da vida pública. Saiu o governo socialista soviético, de partido único que dominava a imprensa e o governo, e agora o Viktor Orbán que tenta voltar ao governo único”, disse o jornalista.
Depois de uma carreira como repórter e editor de ciência e tecnologia, em 2006, Bodoky decidiu enveredar pelo jornalismo investigativo e focar no poder, por achar que o jornalismo na Hungria estava ficando comercial e irrelevante. “Queria fazer algo para o bem público. Passei a investigar todo tipo de coisa errada na Hungria, recebia relatos e notícias de informantes anônimos. Fazia reportagens sobre corrupção do Estado. Achei que era o tipo de notícia a ser revelada. O resto era publicidade.”
O Fidesz, segundo o jornalista, vem se perpetuando no poder com ampla maioria no congresso, que permite que Orbán faça reformas autoritárias na constituição que dificultam o trabalho de jornalistas. O Congresso, de maioria governista, chegou a propor uma medida para que os jornalistas do país revelassem suas fontes, mas acabou derrotado. “O partido mudou a constituição, a imprensa e os princípios fundamentais democráticos. Os outros partidos passaram a ser apontados como traidores pelo Fidesz. E uma das primeiras medidas foi controlar a imprensa oficial, sufocando as vozes da oposição.”
Outra forma de ataque de Orbán contra a imprensa é o uso constante de uma campanha difamatória. “Ainda não sofremos ameaças físicas, mas o governo faz o que pode para cortar anúncio e nos difamar. Eles acham que empresas sem fins lucrativos e instituições de fora são inimigas e contra o governo. O Soros, que ajuda veículos críticos ao governo, foi vítima de difamação. O governo espalha que Soros é responsável pela entrada de imigrantes no país”, disse o jornalista.
“O governo não fala com a gente, não responde nossas perguntas, precisamos do Judiciário para obter dados. Queremos descobrir a verdade, somos jornalistas. Mas o governo nos chama de ativistas políticos e fantoches da oposição.” Mais uma demonstração da arbitrariedade do poder de Orbán apontada por Tamás Bodoky foi a criação de um estádio de futebol com capacidade para cinco mil pessoas numa cidadezinha de apenas dois mil habitantes.
“Uma pequena vila se tornou o principal símbolo do poder do partido de Orbán. A cidadezinha tem apenas 2 mil habitantes, mas o governo construiu um estádio de futebol que comporta 5 mil pessoas”, conta Bodoky. A história arrancou risadas da plateia presente no auditório da FAAP. pic.twitter.com/VzdjojacpV
— revista piauí (@revistapiaui) October 6, 2019
Bodoky diz que na Hungria não há força política capaz de derrotar o Fidesz, e que acha que o partido vai permanecer ainda por muito tempo no poder. Uma decisão que poderia, em alguma medida, conter a violação dos valores democráticos por parte do governo seria uma intervenção da comunidade europeia. “A Hungria se beneficia de subsídios provenientes de fundos da comunidade europeia. A União Europeia devia dizer: não vamos subsidiá-los se não respeitarem os valores democráticos e a liberdade de imprensa. Mas não fazem. Há muitos direitos que garantem a permanência dos países que entram no bloco.”
Quando perguntado sobre a proximidade de Orbán com outros governos conservadores, o jornalista acredita que o político de seu país acredita fazer parte de um clube de “autoritários”. “Orbán tem uma fixação bizarra por autoritários: Netanyahu, Putin, Trump e Bolsonaro. Ele tenta ser parte desse clube exclusivíssimo de líderes mundiais autoritários. Por isso ele estabelece essas relações. E porque compartilha dos mesmos ideais.” O jornalista concluiu a conversa com pessimismo: “Eu vivi a experiência de transição da ditadura para a democracia. O contrário não. Mas parece que vou ver.”