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    O jornalista húngaro Tamás Bodoky (ao centro), conversou com Rafael Cariello, da piauí, e com Luciana Garbin, da FAAP FOTO: TUCA VIEIRA

festival piauí de jornalismo

“Ilhas de jornalismo independente” resistem numa Hungria autoritária

Para jornalista Tamás Bodoky, controle do parlamento e da mídia ajudou a construir regime de Orbán, elogiado por Bolsonaro  

| 06 out 2019_13h02
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A vigilância do poder e dos abusos cometidos pelo Estado define a carreira do jornalista Tamás Bodoky, um dos principais jornalistas investigativos da Hungria. Com a ascensão, nos últimos dez anos, de governos populistas de direita no país europeu, os desafios do jornalismo aumentaram. Sob o governo autoritário de Viktor Orbán, jornalistas de veículos independentes são difamados e têm seus trabalhos prejudicados por cortes de verbas, campanhas constantes de difamação e dificuldade para obtenção de dados públicos. 

Editor e fundador do portal Atlatszo, com foco em jornalismo investigativo e transparência na circulação de informações em seu país, Bodoky coleciona prêmios na cobertura sobre liberdade de imprensa, brutalidade policial, corrupção e direitos humanos. O jornalista abriu o segundo dia do Festival Piauí de Jornalismo, neste domingo (6), em São Paulo, em conversa com o editor da piauí Rafael Cariello e a professora da Faap Luciana Garbin. 

Bodoky decidiu ser jornalista em meados dos anos 1990, quando, após a queda do muro de Berlim, floresceu na Hungria um ambiente de liberdade de expressão, com o surgimento de vários veículos de imprensa e um quadro de pluripartidarismo. Com a ascensão de Viktor Orbán, do Fidesz, partido nacional-conservador direita e o maior partido político da Hungria, Tomás Bodoky diz que viu o país regredir. “Temos agora a volta de um partido único que controla todos os aspectos da vida pública. Saiu o governo socialista soviético, de partido único que dominava a imprensa e o governo, e agora o Viktor Orbán que tenta voltar ao governo único”, disse o jornalista.

Depois de uma carreira como repórter e editor de ciência e tecnologia, em 2006, Bodoky decidiu enveredar pelo jornalismo investigativo e focar no poder, por achar que o jornalismo na Hungria estava ficando comercial e irrelevante. “Queria fazer algo para o bem público. Passei a investigar todo tipo de coisa errada na Hungria, recebia relatos e notícias de informantes anônimos. Fazia reportagens sobre corrupção do Estado. Achei que era o tipo de notícia a ser revelada. O resto era publicidade.” 

O Fidesz, segundo o jornalista, vem se perpetuando no poder com ampla maioria no congresso, que permite que Orbán faça reformas autoritárias na constituição que dificultam o trabalho de jornalistas. O Congresso, de maioria governista, chegou a propor uma medida para que os jornalistas do país revelassem suas fontes, mas acabou derrotado. “O partido mudou a constituição, a imprensa e os princípios fundamentais democráticos. Os outros partidos passaram a ser apontados como traidores pelo Fidesz. E uma das primeiras medidas foi controlar a imprensa oficial, sufocando as vozes da oposição.” 

Outra forma de ataque de Orbán contra a imprensa é o uso constante de uma campanha difamatória. “Ainda não sofremos ameaças físicas, mas o governo faz o que pode para cortar anúncio e nos difamar. Eles acham que empresas sem fins lucrativos e instituições de fora são inimigas e contra o governo. O Soros, que ajuda veículos críticos ao governo, foi vítima de difamação. O governo espalha que Soros é responsável pela entrada de imigrantes no país”, disse o jornalista.

“O governo não fala com a gente, não responde nossas perguntas, precisamos do Judiciário para obter dados. Queremos descobrir a verdade, somos jornalistas. Mas o governo nos chama de ativistas políticos e fantoches da oposição.” Mais uma demonstração da arbitrariedade do poder de Orbán apontada por Tamás Bodoky foi a criação de um estádio de futebol com capacidade para cinco mil pessoas numa cidadezinha de apenas dois mil habitantes.


Bodoky diz que na Hungria não há força política capaz de derrotar o Fidesz, e que acha que o partido vai permanecer ainda por muito tempo no poder. Uma decisão que poderia, em alguma medida, conter a violação dos valores democráticos por parte do governo seria uma intervenção da comunidade europeia. “A Hungria se beneficia de subsídios provenientes de fundos da comunidade europeia. A União Europeia devia dizer: não vamos subsidiá-los se não respeitarem os valores democráticos e a liberdade de imprensa. Mas não fazem. Há muitos direitos que garantem a permanência dos países que entram no bloco.”

Quando perguntado sobre a proximidade de Orbán com outros governos conservadores, o jornalista acredita que o político de seu país acredita fazer parte de um clube de “autoritários”. “Orbán tem uma fixação bizarra por autoritários: Netanyahu, Putin, Trump e Bolsonaro. Ele tenta ser parte desse clube exclusivíssimo de líderes mundiais autoritários. Por isso ele estabelece essas relações. E porque compartilha dos mesmos ideais.” O jornalista concluiu a conversa com pessimismo: “Eu vivi a experiência de transição da ditadura para a democracia. O contrário não. Mas parece que vou ver.”

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