“Eu nunca serei preso”, esbravejou o presidente para milhares de admiradores seus, na Avenida Paulista, encerrando o ato final do Sete de Setembro bolsonarista e ensaiando o início de uma nova setembrada, de um motim. Jair Bolsonaro anunciou que não cumprirá ordens do Supremo Tribunal Federal e, assim, reiterou aquilo que mais o preocupa: ver decretada a prisão de um Bolsonaro. Seja do Zero Um ou do Zero Dois, por comandarem “rachadinha” e desviarem dinheiro público, seja do Zero Zero, por patrocinar golpe contra a Constituição, motivos não faltam. Acuado pela Justiça, Bolsonaro reagiu como cão, ladrando. Se vai morder, se terá dentes para isso, depende de como os demais poderes reagirão. Quem piscar perde; quem correr dança.
Havia gente suficiente na Esplanada dos Ministérios e na Avenida Paulista para que a ameaça presidencial não soasse ridícula como uma parada de blindados fumacentos defronte o Palácio do Planalto. Não foram as maiores manifestações que o país já viu, longe disso. Mas foram grandes o bastante para dar a impressão de que Bolsonaro, os empresários que o financiam e os segmentos sociais que o apoiam têm capacidade de organização para encenar uma insurreição e desautorizar o Judiciário. O jogo é de aparências, como sempre. É o teatro da política.
Se o Sete de Setembro foi só a abertura das cortinas, os próximos atos da setembrada bolsonaresca serão montados em mais de um palco – no Congresso, nas cortes e nas ruas.
A MP da mentira, editada na véspera por Bolsonaro e que proíbe plataformas como Facebook e Twitter de banirem a desinformação de suas páginas, terá que ser apreciada pelos parlamentares e, eventualmente, pelos magistrados. O pior para Bolsonaro seria o Senado devolvê-la de imediato, tornando-a inócua. Seria um ato de coragem, de quem não se deixou intimidar pela turba. Seria um sinal de resistência do Legislativo a Bolsonaro e, acima de tudo, um alinhamento do Congresso com o Supremo. Os parlamentares estariam dizendo que Alexandre de Moraes e seus colegas não estão sós. Estão?
Além de aumentar o preço da extorsão presidencial, o Sete de Setembro foi a visualização de um fenômeno claro nas pesquisas de opinião. O piso de popularidade de Bolsonaro, abaixo do qual ele não dá sinais de cair, é cada vez mais o seu teto, de onde o presidente não consegue passar. São cerca de 25%, um quarto do eleitorado. É um piso alto ou um teto baixo, dependendo do que se quer com ele. É incapaz de reelegê-lo, mas é grande o bastante para colocá-lo no segundo turno de uma eleição na qual, a cada dia que passa, parece mais duvidosa a sua participação.
Duvidosa porque Bolsonaro age como candidato a autocrata, não como quem pretende disputar uma eleição. Não se preocupou em criar um partido, em montar nos estados palanques que aumentem suas chances nas regiões onde é eleitoralmente mais fraco, nem em eleger uma bancada. Comporta-se como quem não precisa de nada disso para permanecer no poder. É como se as camisetas amarelas da CBF que apareceram para saudá-lo no Sete de Setembro fossem sua sagração. Sagração como déspota.
A parcela desses 25% que deu as caras no Sete de Setembro serve também como habeas corpus contra a abertura de processo de impeachment de Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Se antes já era improvável que Arthur Lira desengavetasse uma das dezenas de pedidos de impedimento do presidente da República, não é agora que o deputado sairá de cima da pilha. E não faltarão deputados do Arenão para sentarem-se junto com ele sobre os pedidos.
Caberá à oposição, agora, mostrar se é capaz de mobilizar os outros 75%. Bater panelas da janela não é mais suficiente. Nunca foi.