“Eu pensei duas vezes antes de sair da Venezuela e vir aqui [ao Brasil]. Muitos jornalistas já tiveram seus passaportes apreendidos. Eu também poderia ser presa. Continuo com medo até agora”. Foi assim que a repórter venezuelana Beatriz Adrián começou a responder às questões sobre seu trabalho, na abertura do Festival Piauí de Jornalismo. Ela participou de uma mesa que discutiu a situação da imprensa na Venezuela em meio à crise política e humanitária vivida pelo país sob o governo de Nicolás Maduro. A sexta edição do festival, que acontece neste fim de semana (5 e 6) no auditório da Faap, em São Paulo, discute as dificuldades vividas por jornalistas em países onde a liberdade de imprensa está sob ameaça.
Adrián é correspondente, em Caracas, da Caracol Televisión, emissora de tevê colombiana. Antes disso, trabalhou por anos na Globovisión, um canal venezuelano de televisão por assinatura. No festival, conversou com Fernando de Barros e Silva, diretor de redação da piauí, e Edilamar Galvão, coordenadora do curso de jornalismo da Faap, e fez um relato sobre as intimidações e ameaças que ela e outros jornalistas têm sofrido na Venezuela.
“Tenho em meu escritório coletes à prova de balas e máscaras antigás”, revela Beatriz Adrián após ser perguntada por @fernandobarros sobre quais cuidados toma ao fazer seu trabalho na Venezuela. pic.twitter.com/n6uIjaJqcW
— revista piauí (@revistapiaui) October 5, 2019
Em janeiro deste ano, Adrián e uma colega foram detidas por agentes de segurança do governo ao tentar cobrir a prisão de Juan Guaidó, principal opositor do regime chavista e autoproclamado presidente da Venezuela. Elas, assim como Guaidó, foram liberadas horas depois, após pressão de entidades estrangeiras e órgãos de imprensa venezuelanos.
“Nós fomos até a sede do Sebin [Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional] para ver se o Guaidó chegava. Vários homens armados nos levaram até o sótão do edifício. Pegaram meu celular, minha carteira, baixaram os vídeos que tínhamos feito”, contou Adrián. “Começou uma pressão internacional por meio do Twitter e da televisão. Como eu trabalho para um veículo grande, isso me dá certa proteção, então fomos liberadas.”
Episódios como esse são recorrentes, disse Adrián. Segundo ela, a perseguição à imprensa agora se estende também às fontes e a quaisquer outras pessoas que colaborem com o trabalho dos jornalistas. “O governo venezuelano está perseguindo também aqueles que contam histórias a jornalistas. Eles dizem que a fonte está traindo a pátria por falar com um veículo estrangeiro. Por isso, muita gente não quer falar com a imprensa, não quer denunciar.”
“O governo da Venezuela oculta números oficiais. Conseguimos números de mortos, por exemplo, com instituições de Direitos Humanos. As famílias precisam ir diretamente ao necrotério para conseguir informações de seus parentes. Foram 23 mil mortes violentas só em 2018”, diz Adrián.
“O governo da Venezuela oculta números oficiais. Conseguimos números de mortos, por exemplo, com instituições de Direitos Humanos. As famílias precisam ir diretamente ao necrotério para conseguir informações de seus parentes. Foram 23 mil mortes violentas só em 2018”, diz Adrián.
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Adrián se emocionou e chorou ao se lembrar de amigos e familiares que tiveram de deixar o país para fugir da crise. Pediu apoio do público a uma campanha realizada nas redes sociais para libertar Jesús Medina, um fotojornalista detido pelo governo venezuelano. “Muitos colegas precisaram largar a profissão para sobreviver em outros países”. Apesar das dificuldades, disse que pretende permanecer exercendo a profissão na Venezuela. “O jornalismo tem que estar onde está a notícia. Tem jornalista que vai para a Síria e entra em situações ainda mais perigosas. No meu caso, isso acontece no meu próprio país.”